Há 35 anos acontecia a décima edição do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1, que também foi a quarta a ser realizada no Autódromo Internacional de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, após a migração definitiva de Interlagos, em São Paulo (houve um GP do Brasil no Rio em 1978, também, como você deve saber). E aquela foi uma grande corrida, com uma bela vitória de Nelson Piquet logo na abertura da temporada – era quase um presságio: ele se tornaria bicampeão naquele ano.
O GP do Brasil de 1983 foi a primeira corrida de Fórmula 1 após uma mudança no regulamento que proibia os carros com perfil de “asa” e estipulava o uso de carros com fundo plano. Sendo assim, a prova serviu como uma espécie de laboratório para que as equipes estudassem a aerodinâmica de seus carros, o que levou a diversas alterações feitas de última hora e inspeções para garantir que ninguém estivesse em desacordo com as regras. Como lembra Rodrigo Mattar neste relato (ele estava na arquibancada), Piquet venceu com certa tranquilidade: com seu belíssimo Brabham BT52 e o motor BMW M12, quatro-cilindros turbo de 1,5 litro que entregava mais de 850 cv em acerto de classificação e 650 cv durante as corridas, o brasileiro largou na quarta posição. À sua frente estavam o finlandês Keke Rosberg, da Williams, o campeão do ano anterior; com os franceses Alain Prost, da Renault, e Patrick Tambay, da Ferrari, em segundo e terceiro respectivamente.
O brasileiro conseguiu subir para terceira posição logo no fim da primeira volta, assumiu o segundo posto de Alain Prost na segunda volta e, na sétima volta, assumiu a liderança ultrapassando Rosberg – depois disto, não largou mais a ponta. Era o início da série de vitórias que o levaria a seu segundo título na carreira, e o primeiro na história da Fórmula 1 ao ser abocanhado com um carro turbo.
O finlandês, por outro lado, teve uma corrida desastrosa, que incluiu um incêndio em seu carro durante o pit stop na 29ª volta, após o qual retornou na nona posição, e acabou com uma desclassificação porque seu carro foi empurrado pelos mecânicos nos boxes, ainda que Rosberg tenha cruzado a linha de chegada em segundo.
Mas a gente não está aqui para falar da corrida, e sim dos treinos – felizmente a cobertura televisiva da sessão, bastante abrangente, foi preservada na Internet. Para quem sequer havia nascido há 35 anos, é uma ótima maneira de compreender melhor o contexto da Fórmula 1 na década de 80, o auge da Era Turbo. A própria presença da Fórmula 1 com destaque na programação de TV era, de certa forma, novidade – as provas já eram televisionadas havia anos, mas na virada dos anos 80 o glamour do automobilismo de elite começou a ficar mais aparente. Aliás, foi por esta razão que o GP do Brasil foi transferido para Jacarepaguá (com o apoio dos fãs de Nelson Piquet, que aprovavam a ideia de a corrida acontecer em sua cidade natal): a capital carioca era considerada mais “fotogênica” e, consequentemente, mais apropriada para aparecer na TV.
Além de Nelson Piquet, Raul Boesel e Chico Serra foram os outros dois brasileiros que competiram em 1983 – Boesel pela Ligier e Chico Serra pela Arrows, ambos em carros com motor V8 Cosworth naturalmente aspirado. Boesel largou na 17ª posição e conseguiu escalar para a 12ª, mas na volta 25 foi forçado a abandonar a corrida por problemas mecânicos. Chico Serra, por sua vez, largou em 23º e conseguiu terminar em nono.
A matéria gravada durante os treinos é um ótimo meio de observar os bastidores da Fórmula 1 na época. É interessantíssimo ver os pilotos comentando suas expectativas para uma corrida que hoje, 35 anos depois, já foi vista, revista, analisada e comentada inúmeras vezes – como Nelson Piquet preocupado com o desempenho do carro nos treinos da sexta-feira. Quando questionado pelo repórter Ricardo Menezes a respeito de uma possível melhora em seu desempenho, ele dispara a resposta que hoje é célebre: “Não sei! Não sou mago, sou piloto”. O carro tinha problemas mecânicos.
Da mesma forma, vemos um Keke Rosberg tranquilo – o finlandês não parecia preocupado com o calor de 42°C que fazia no Rio durante aquele mês de março (a temperatura do asfalto, medida pela equipe da Ferrari, era de 55°C!). Mais do que isto: dizia que ele e seu carro estavam preparados para enfrentar ainda mais calor, por acreditar que poderia ser uma vantagem contra os motores turbinados. Mal sabia ele que justamente o calor acabaria com suas chances de vencer o Grande Prêmio do Brasil de 1983 – os engenheiros já haviam declarado que a alta temperatura traria impactos severos aos motores, câmbios e pneus. Rosberg pagou para ver… e viu.
O calor foi mesmo uma preocupação para os organizadores da prova, que prepararam uma infraestrutura completa com tendas de atendimento médico preparadas para dar assistência a qualquer pessoa – mecânico, piloto, jornalista ou espectador – que pudesse passar mal por desidratação ou insolação. Além disso, havia até mesmo uma sala de cirurgia temporária, porém muito bem equipada, para realizar procedimentos de emergência em caso de uma colisão mais séria. Que, felizmente, não aconteceu.
Ao longo daquela semana, porém, outro incidente roubou a cena: Roger Silman, o gerente da Toleman, levou uma facada durante o assalto e apareceu para acompanhar os treinos exibindo os pontos que tomou na barriga – “perdeu 30 mil cruzeiros e ganhou uma cicatriz”, como é comentado na matéria. Ele mesmo suavizou o incidente, dizendo que era um problema típico das grandes cidades.
No mais, a primeira corrida da temporada de 1983 foi marcada por muita celebração com direito a roda de samba e garotas seminuas nas ruas (ah, o Brasil…). A cerimônia de abertura, na quarta-feira antes da prova, contou com a presença do então aposentado Emerson Fittipaldi e de celebridades como a Miss Brasil Martha Rocha, que continuava belíssima três décadas depois de suas participações nos concursos de beleza que a consagraram.
Foi um começo e tanto para aquela temporada, que sem dúvida foi uma das melhores da carreira de Nelson Piquet e também para o automobilismo brasileiro de forma geral. Vale lembrar: foi naquela corrida que o tema da vitória, composto especialmente para a cobertura da Rede Globo na Fórmula 1, tocou pela primeira vez na TV. Ironicamente, a música acabou mais associada a Ayrton Senna, que estreou na F1 na temporada seguinte.