Você já deve ter visto em câmeras onboard – especialmente na F1 desta temporada – que, em certas curvas e sob condições climáticas torrenciais, alguns pilotos avançam a marcha bem antes da hora, com o conta-giros razoavelmente distante da faixa vermelha onde normalmente seria feita a troca. Afinal, pra que serve isso?
Trata-se do short shifting. Não confunda com short shifter ou short throw shifter, expressões que descrevem os trambuladores esportivos de curso reduzido. O short shifting é uma técnica de pilotagem bem simples, cujo uso depende mais do estilo de tocada do piloto, da configuração do carro e das condições que a pista oferece em termos de traçado e aderência.
Sua preferência de uso está concentrada em motos e em carros de tração traseira com muito torque em relação ao seu peso ou ao downforce disponível, e geralmente é utilizada nestas três condições de pista: sequência sinuosa de média velocidade (muitas transferências laterais de peso), mergulhos e depressões (perda vertical de carga sobre os pneus) e em situações de baixa aderência, como dias muito frios ou com chuva. Sua função principal é auxiliar no equilíbrio dinâmico do veículo nestes cenários específicos, prevenindo destracionamentos que resultariam em perda de tempo ou de controle. Ela também é utilizada de forma mais abrangente em corridas de longa duração com o fim de se economizar combustível.
Para deixar a coisa mais clara, pegue uma carona com Ipe Ferraiolo num Porsche GT3 de corrida e veja a técnica sendo aplicada no Mergulho (logo no início do vídeo) e na segunda perna do S do Senna (43s), no autódromo de Interlagos:
Este é o típico cenário no qual o short shifting é bem vindo. Você tem uma transição de direção (da primeira para a segunda perna), um mergulho combinado a uma depressão (exatamente no ponto de tangência da segunda perna) que tira carga vertical dos pneus e uma necessidade de acelerar bastante para o trecho seguinte. É fácil destracionar – o short shifting ajuda a limpar tudo sem perda de tempo.
É plenamente possível de se fazer este trecho sem executar o short shifting, ou seja, mantendo a marcha curta e progressivamente encher o motor até a faixa vermelha antes de fazer a troca. Só que aumenta-se as chances de se destracionar e, mesmo que isso não ocorra, não necessariamente se ganha tempo – apesar de o short shifting te colocar em um regime de rotações mais baixo, portanto com menos potência, é preciso lembrar que o torque precisa ser transferido ao asfalto para ser útil. O ronco mais grave incomoda psicologicamente, mas não mais do que isso.
Agora veja Alex Barros aplicando a técnica em uma moto de competição, no mesmo local, aos 3:45:
A diferença é que Barros faz o short shifting após contornar a perna, pois motos são mais sensíveis ao pequeno sub-esterço (saída de frente) induzido pela relação de transmissão mais longa empregada no short shifting.
Esta técnica começou a ser utilizada com grande frequência na Fórmula 1 nesta temporada, graças ao monstruoso ganho de torque dos novos motores turbinados. Apenas considerando os motores, o ganho é de 42% numa rotação muito mais baixa (43,3 mkgf a 10.500 rpm contra 30,5 mkgf a 17.500 rpm) – mas lembre-se dos novos sistemas elétricos MGU-K (similar ao antigo KERS) e MGU-H (que acelera o turbo).
Com tanto torque, a técnica se tornou frequente em saídas de curva de baixa e de média, particularmente as mais longas – até porque o regulamento de 2014 forçou o uso dos canos de descarga retos, eliminando o emprego dos gases de escape como auxiliares nos difusores para se gerar mais downforce. Veja Felipe Massa usando o short shifting a rodo neste onboard do GP da Malásia:
Dois exemplos interessantes de short shifting em carro de “rua” (o Corvette ZR1 merece estas aspas) aparecem no onboard do ex-piloto de Fórmula 1 Jan Magnussen em Nürburgring Nordschleife. Em dois momentos específicos ele executa dois short shiftings bastante abusados, levando o motor bem longe da faixa de giro de potência máxima.
Aos 2:23, Jan engata a quarta e imediatamente joga a quinta marcha, derrubando as rotações para pouco acima de 4.000 rpm – lembrando que o torque máximo do ZR1 é de 83,5 mkgf a 3.800 rpm. Note o trecho sinuoso e em descida que ele está – é a toca da raposa, ou Fuchsröhre, um dos mais perigosos de Nordschleife. No fim da volta (aos 7:20 do vídeo), em outro mergulho traiçoeiro que leva à segunda perna da Galgenkopf, última curva antes do retão principal, Magnussen faz o short shifting novamente. São dois trechos onde há pouca carga vertical sobre os pneus e, em decorrência, menos aderência.
Com isso, chegamos ao ponto principal: se no seco o short shifting é uma opção de estilo de tocada, na chuva, não tem muito jeito – o short shifting torna-se uma ferramenta quase indispensável para se encarar as saídas de curva com uma traseira mais controlável:
…e isso vale até para os estilos mais arrojados. Aperte bem os cintos e curta os power slides de Patrick Depailler nos treinos livres do GP do Canadá de 1978!