Vamos começar afirmando uma coisa: o Shelby Cobra é, sem dúvida, um dos carros que mais são homenageados com réplicas em todos os tempos. Trata-se de um clássico absoluto, daqueles cuja existência e importância são tão enraizadas no inconsciente coletivo que raramente paramos para pensar nele. Aliás, até mesmo o fato de existirem tantas réplicas acaba colocando o original em um pedestal ainda mais alto.
Tecnicamente, o Shelby Cobra original foi produzido por cinco anos, entre 1962 e 1967. Seu nome original é AC Cobra, visto que o projeto original pertence à britânica AC Cars, mas ninguém vai te corrigir se você disser que ele se chama Shelby Cobra. Isto porque, como você já deve saber, foi o texano Carroll Shelby quem enxergou potencial naquele pequeno roadster inglês com motor de seis cilindros em linha.
Fabricado entre 1953 e 1963, o Ace era um carro simples e leve, com chassi tubular de aço e carroceria de alumínio com painéis moldados em uma conformadora de chapas, também conhecida como roda inglesa (apropriado, não?) e suspensão independente por feixes de molas nas quatro rodas. Sua dinâmica era excelente, mas os 100 cv do seis-em-linha Bristol de dois litros eram pouco. O carro ia de 0 a 100 km/h em cerca de 11,5 segundos e continuava acelerando até quase 170 km/h e, para a imprensa especializada, só bastava um motor mais potente para que o Ace fosse considerado um verdadeiro esportivo.
Desse modo, em 1961, quando Shelby ofereceu-se para modificar um dos exemplares do Ace com um motor V8, a AC Cars aceitou de pronto — desde que Shelby encontrasse um bom motor. Depois de procurar a Chevrolet, que recusou pois não queria um concorrente para o Corvette, Shelby entrou em contato com a Ford — que, veja só, queria exatamente um concorrente para o Corvette. Nascia ali uma lenda.
Os primeiros cerca de 120 exemplares foram equipados com um V8 de 260 ou 289 pol³ (4,3 e 4,7 litros), os seguintes passaram a ser equipados com o big block 427, de sete litros — que, grande e pesado, exigiu diversas alterações no projeto. A dianteira do carro foi toda remodelada para que o motor fosse instalado em posição bem recuada, a fim de não prejudicar a distribuição dos cerca de 915 kg do carro, e a suspensão por feixes de molas foi substituída por um sistema independente com molas helicoidais, mais moderno e estável.
No total, pouco mais de 1.000 exemplares do Cobra original foram fabricados. Destes, 23 eram mais do que especiais: são os chamados Competition Cobra, feitos pensando na temporada de 1965 do Mundial de Endurance.
Além do motor V8 de sete litros com carburador Holley e preparação para entregar quase 500 cv, os carros tinham câmbio manual de quatro marchas, gaiola de proteção, rodas de magnésio e sistema de arrefecimento otimizado para as pistas. No entanto, o Competition Cobra era legalizado para as ruas — a certa altura, este exemplar até recebeu um sistema de escape mais restritivo e silencioso a fim de soar um pouco mais civilizado no trânsito.
O que não significa, porém, que ele não tenha uma bela carreira nas pistas. Pelo contrário. Depois de competir com relativo sucesso nos EUA e no Canadá entre 1965 e 1971, quando sofreu um acidente, o carro ficou parado até 1978, quando seu atual dono decidiu restaurá-lo e… vendê-lo. Em 1986, o carro foi parar nas mãos de um cara chamado Steve Prewitt, que participou com o Cobra em corridas de clássicos pelas duas décadas seguintes — até sua morte, em 2007.
O carro continuou na família de Prewitt até 2011, quando o dono anterior o comprou de volta — e continua com ele até hoje. Ou melhor, continuará até o próximo dia 28 de Janeiro, quando a agência RM Sotheby’s leiloará o carro durante um evento em Scottsdale, Arizona. Não esqueça que estamos falando de um dos 23 Competition Cobra que existem no mundo (chassi 3310, o décimo produzido), e que o carro foi cuidadosamente restaurado em um processo que culminou com a instalação de um novo motor em 2014.
Tudo está exatamente como era em 1965 — a pintura preta com listras douradas, as mais de 100 modificações realizadas para as pistas, as rodas Halibrand de magnésio, o retrovisor no capô e os cintos de competição. O carro ainda está legalizado para as ruas, mas não é difícil torná-lo apto para competições de clássicos novamente.
Quer dizer, não será difícil depois que o carro for arrematado — de acordo com a estimativa da RM, alguém precisará de algo entre US$ 2,5-3,3 milhões (cerca de R$ 10-13,2 milhões) para isto. E, certamente, quem tem poder de fogo para tal jamais trocaria o real deal por uma réplica.