“Cara, não tem nada nesse mundo que eu odeie mais do que um carro lento transformado em um carro rápido” — aí está uma frase que ninguém nunca disse ou escreveu (bem, até agora…). É óbvio que todo entusiasta gosta de ver um carro sem potencial algum transformado em um belo foguete.
Pegue o exemplo deste Trabant — sim, um daqueles carros “de plástico” feitos na Alemanha Oriental. Há muito o que se falar do Trabant, mas que ele era rápido definitivamente não é uma delas: originalmente, ele era movido por um motor de dois cilindros que, em sua versão mais potente, deslocava 600 cm³ (0,6 litro) e entregava 23 cv. Mas e se a gente trocá-lo por um quatro-cilindros turbo vindo direto de um Audi TT, e ainda aproveitar o sistema de tração integral Quattro?
“Por que alguém faria isso, FlatOut?” Não, caro leitor. A pergunta é: por que alguém não faria isso?
O dono deste Trabi tinha um Audi TT 1.8 turbo. Um dia, ele sofreu um acidente com o carro, que teve declarada sua perda total. Com um Trabant na garagem, o conjunto mecânico do Audi à disposição e vontade de fazer besteira… você já deve ter entendido o que aconteceu.
Não dá para chamar o carro de sleeper. Claro, ninguém espera que um Trabant tenha motor Audi, turbo e tração integral, mas este aqui deixa claro que não é um Trabant qualquer. E a verdade é que, ao longo de sua existência, este carro já teve alguns motores e configurações mecânicas diferentes.
O Trabi começou a ser fabricado em 1957 e, por causa de seu baixo preço, conseguiu permanecer no mercado até 1989, movido pelo motor de dois cilindros. No entanto, entre 1989 e 1991, o carrinho de plástico ganhou uma sobrevida: sua fabricante, a VEB Sachsenring, fez um acordo com a VW, que passou a fornecer motores de 1,1 litro e 45 cv. Assim, o Trabant continuou sendo fabricado até 1991.
Este carro é um destes últimos exemplares. Seu dono, o polonês Arek, comprou o carro há 14 anos, com o humilde propósito de restaurá-lo. Só que, para quem tem gasolina nas veias, é praticamente impossível resistir à tentação de melhorar um carro uma vez que se tem os meios, não é mesmo? Aproveitando a associação do Trabant com a marca de Wolfsburg, Arek decidiu instalar um motor um pouco mais potente em seu Trabi.
Esta foto mostra o Trabant em sua última configuração antes de receber a mecânica do Audi TT. Debaixo do capô azul está um motor 2.0 16v vindo de um VW Golf GTI Mk3 (na Europa, ele esteve disponível com cabeçote multiválvulas e 152 cv). Antes disto, motores 1.3 e 1.8 litro, sempre de origem VW encontraram seu lugar no cofre.
O carro até andava bem com o motor 2.0 16v do Golf (é só conferir o vídeo acima para comprovar), e Artek estava bem satisfeito com o carro. No entanto, isto mudo no dia em que ele sofreu um acidente com seu Audi TT de primeira geração — que trazia uma das configurações mais divertidas: um quatro-cilindros 1.8 turbo não muito diferente daquele usado no Golf GTi de quarta geração, calibrado para render 225 cv, câmbio manual e tração integral.
Aqui, cabe uma observação: apesar de ser comercializado como Quattro, o sistema não era o mesmo usado nos carros maiores da Audi, como a RS2 Avant ou o A6, por exemplo, mas sim o mesmo dos modelos de tração integral da VW, como o Golf R, com diferencial Haldex.
De qualquer forma, em vez de se lamentar (bem, provavelmente ele lamentou um pouquinho), Arek decidiu que aproveitaria a mecânica do TT no Trabant — afinal, o carro já não era mesmo original e seu TT ainda “viveria” de alguma forma. Dá para dizer que é uma ideia ruim? Não mesmo!
O carro já havia sido bastante modificado por causa dos outros motores que teve, por isto a tarefa de adaptar o motor 1.8 do Audi TT não foi muito complicada — Arek já havia reforçado o cofre e a estrutura do carro antes. Agora, para receber o sistema de tração integral, o Trabi também teve o assoalho refeito, com um novo túnel de transmissão feito sob medida para acomodar o cardã e o diferencial do cupê alemão.
O motor também recebeu alguns upgrades: um novo turbocompressor APR K04 operando a 1,45 bar, novos coletores de admissão e escape, injetores de maior vazão e um módulo eletrônico aftermarket . Resultado: 271 cv a 5.700 rpm e 37,6 mkgf de torque a 4.500 rpm, levados para as quatro rodas através da caixa manual de seis marchas original do Audi TT.
Originalmente, o Trabant pesa menos de 700 kg — um peso-pena no mundo automotivo, sem dúvida. O carro de Arek, com o novo conjunto mecânico e seus reforços estruturais, ganhou uns bons quilos: agora, ele pesa 1.120 kg. No entanto, ainda dá para dizer que ele é um carro relativamente leve (o TT, por exemplo, pesa mais de 1.400 kg). Com uma relação peso/potência de 4,13 kg/cv, o Trabi é capaz de acelerar até os 100 km/h em 4,5 segundos e aos 200 km/h em 15,5 segundos, com máxima superior a 200 km/h.
E não estamos falando apenas da aceleração: toda a eletrônica do TT foi transplantada para o Trabant, o que significa que ele tem controle de estabilidade e freios ABS (que também vieram do Audi). Ou seja: calçado com pneus Toyo T1R de medidas 195/45 R16, o pequeno carro alemão certamente também não faz feio na hora de contornar curvas.
Como dissemos ali no começo, definitivamente o carro não é um sleeper — é só ver como as bitolas são mais largas, reparar no seu stance e no interior com bancos concha, gaiola de proteção e um belo serviço de adaptação dos instrumentos e alguns itens de acabamento do Audi TT. Claro, não parece original de fábrica, mas também não ficou ruim.
A gente certamente adoraria dar várias voltas neste bichinho — até porque, apesar de não ser exatamente discreto, ninguém espera que um Trabant ande tanto.
[ Fotos: Trabant 1,8 Quattro Turbo/Artur Owsiany ]