FlatOut!
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Car Culture Projetos Salão do Automóvel de SP

Sobre o Discovery Sport, Lancia Stratos, papel e marcadores: bate-papo com o designer Massimo Frascella

Como vocês viram em nossa cobertura do Salão do Automóvel de SP, o recém-lançado Discovery Sport será o primeiro Land Rover totalmente produzido no Brasil, a partir de 2016, na fábrica de Itatiaia (RJ). Nós tivemos a oportunidade de bater um papo com o responsável pelas linhas de sua carroceria, Massimo Frascella. O italiano já teve passagens pelo Stile Bertone (1997 a 2000), pela Ford (2000 a 2004), pela Kia (2005 a 2011) e, desde novembro de 2011, trabalha no centro de design da Jaguar Land Rover, em Gaydon – com todo este currículo, decidimos ampliar o assunto para um “pouco” além do Discovery Sport em si. Pegue um café e acompanhe a conversa!

 

[FlatOut] Massimo, você trabalhou para a Kia há alguns anos, e hoje está na Land Rover. Ambas as empresas recentemente se reinventaram radicalmente pelo design. Nos dê uma perspectiva de dentro sobre estas rupturas, e diga as conexões que você enxerga entre estes processos nas duas marcas.

[Massimo] Eu acho que as duas marcas compreenderam que o design é vital para o automóvel como produto e para o modelo de negócio, e por isso, merecedor de ainda mais prioridade; especialmente no caso de um redirecionamento.

Na Kia, a marca claramente não tinha um histórico clássico ou herança de design a ser seguido, então foi basicamente um processo que nasceu de uma folha em branco. Foi desafiador, mas de uma forma mais livre.

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Apenas um ano separa estes dois Kia Cerato. A participação de designers como Peter Schreyer e Massimo Frascella (responsável pelo Sportage, Rio, Soul e Sorento) foi fundamental para a reinvenção da Kia

No caso da Land Rover, não foi exatamente uma reinvenção, pois ela possui uma herança muito forte. Não é toda marca que pode dizer que tem três veículos incrivelmente icônicos e de longa história, que é o caso do Range Rover, do Discovery e do Defender. Nós apenas transformamos a marca, moldando-a melhor para o que os consumidores de hoje buscam. Então surgiram novos veículos (caso do Evoque) e novas famílias de veículos (Discovery) e o maior peso do design teve participação fundamental para nortear esta percepção.

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Sobre a clássica relação entre engenharia e design. A Land Rover, por muitas décadas, foi uma marca de veículos puramente funcionais. Hoje temos uma orientação para um produto de luxo extremamente refinado. Obviamente, nem tudo no design é funcional e nem sempre está de acordo com os planos da engenharia. Nós gostaríamos de entender como a Land Rover trabalha este balanço.

Eu acho que você acertou bem o cerne da questão. Antigamente a Land Rover era uma marca cujo design era puramente orientado pela engenharia, para atender exclusivamente àquilo que o veículo precisava fazer em termos práticos. Eu acho que, hoje, nós e os clientes temos um ponto de vista diferente – e portanto, o design ficou mais importante, na verdade, ficou essencial. Hoje temos uma abordagem muito mais emotiva e envolvente, não apenas racional.

rr1988 rr2014Cabine do Range Rover: 1988 e 2014

Mas não podemos esquecer que as capacidades e funcionalidades continuam e precisam estar lá, porque isso é o que faz a marca Land Rover e é o que a diferencia de tantas outras fabricantes. Portanto, o trabalho junto com a engenharia, em sinergia e com interação direta, é crucial para o nosso negócio. Eles (os veículos) ainda fazem tudo aquilo que devem fazer para a sua proposta – mas, olhe para aquilo (apontando para o Discovery Sport), eu quero possuí-lo! Apenas o design é capaz de fazer este tipo de conexão.

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Já que olhamos para o Discovery Sport, nos fale um pouco sobre a coluna C dele, que é o elemento de design que salta mais aos olhos em relação aos outros carros da marca. Qual a mensagem e a inspiração desta solução?

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A inspiração veio do próprio legado do modelo, esta solução acompanha toda a sua história, do Discovery 1 ao 4. Do ponto de vista do design, esta coluna C dá solidez e equilibra as proporções do veículo quando visto de lado. É também uma forma de diferenciá-lo da família do Range Rover, cujos veículos não possuem colunas pintadas na cor da carroceria (são todas pretas), resultando em uma área envidraçada contínua, sem interrupções. A coluna C do Discovery Sport é bastante inclinada para a frente, fluindo com o conceito da carroceria e deixando-o mais dinâmico.

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Considerando que o Discovery Sport, como os outros carros da marca, possui esta orientação de luxo no design, existem inspirações não-automotivas em seu conceito; seja a cabine ou a carroceria?

Sim, no processo de concepção do design, seja do interior ou da carroceria, sempre ficamos de olho nas tendências de design de tudo o que está por aí, e isso enriquece nosso cardápio de linhas e escolhas de acabamentos, texturas, e coisas do gênero. Não queremos seguir tendências, mas é importante saber o que está rolando por aí, tudo contribui para o design do carro. Não há nada em particular que eu possa dizer do tipo “pegamos este objeto e reproduzimos ou nos inspiramos diretamente nisso”, mas absorvemos a combinação de todas essas coisas e isso, sem dúvida, faz parte da receita do design.

 

Você pode nos dizer três designs não-automotivos que você considera verdadeiras obras-primas?

[ Uma breve pausa refletindo ] Bem, o Arco Lamp é uma luminária fantástica, realmente icônica. A poltrona Barcelona é um outro belíssimo exemplo. E queria pedir licença para inserir um automóvel na lista: o Lancia Stratos, porque eu olho para aquele carro e vejo mais que um produto, há algo extremamente emocional ali.

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Este é o carro que foi sua grande motivação para se aventurar na área de design, o que acendeu a faísca, digamos assim?

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Absolutamente, o Stratus é um carro que sempre significou algo mais pra mim. Ele tem essa execução extremamente moderna, mas ao mesmo tempo é tão intenso e passional. E claro, há outros carros que eu realmente aprecio, como o Lamborghini Miura e seus “olhos e cílios” (se referindo aos faróis), o Lancia Aurelia GT Coupé e suas proporções fantásticas e soluções minimalistas atemporais. Eu acho que a Land Rover tem algo disso no design, uma certa simplicidade essencial e atemporal.

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Você pode nos contar como o Evoque influenciou as diretrizes de design da marca? Pois hoje em dia, temos a impressão de ver um pouquinho de Evoque em cada novo lançamento da marca.

Bem, o Evoque foi um enorme sucesso que nos contou que há uma nova forma de trabalharmos a Land Rover e que há múltiplos perfis de pessoas que podem gostar dele. Por outro lado, precisamos nos assegurar que as três famílias de veículos do grupo Land Rover tenham a sua própria identidade – o luxo extremo e conceitual dos Range Rover, a versatilidade do Discovery, e a robustez dos Defender; mas elas também precisam estar conectadas.

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Traduzindo em palavras, por exemplo, o Discovery tem a interrupção da área envidraçada pela coluna C e um degrau formado acima da linha de cintura pelo capô, deixando-o um pouco mais familiar, mas ainda bastante esportivo. O Evoque é mais conceitual, ao ponto de ter criado a sua própria classe, com linha de cintura extremamente alta e caimento do teto com atitude radical.

 

Quantas pessoas e quantos departamentos, mais ou menos, o estúdio de design da Land Rover possui? E como se dá o processo criativo?

É um departamento complexo, com equipes de design externo, interior, cores e materiais, de modelagem 3D e em clay, por exemplo; e que ainda interagem diretamente com outros departamentos, como o marketing e a engenharia. Sobre o processo, normalmente começamos com brainstorms e sketches, fazemos algumas seleções e passamos para os modelos em escala. Depois disso, pegamos dois ou três e os construímos em escala 1:1 – neste momento, as interações com os outros departamentos já estão acontecendo.

 

Nesta era na qual tudo é digital, os bons e velhos papel e marcador continuam com espaço?

Bem, isso depende. As novas gerações já passam suas ideias diretamente nas mesas digitalizadoras, por exemplo. Como estou situado justamente na transição para esta geração, eu uso muito o digital, mas não abro mão de canetas e marcadores, especialmente nos primeiros momentos da concepção de um design. É a conexão mais pura e direta – é você e a mesa, sem telas, sem filtros, sem distrações. E claro, depois disso você desenvolve o conceito usando todas as ferramentas que a tecnologia permite e que não tínhamos há alguns anos.

 

Antes estávamos falando do Stratos, que foi desenvolvido pelo estúdio Bertone. Em julho deste ano, a Bertone declarou processo de falência…

[ Interrompendo com um suspiro ] Sim, eu sei…

…e a Pininfarina também corre risco. O que aconteceu? Porque antigamente, um carro criado por um estúdio de design externo ganhava valor, como sempre foi com as Ferrari, Alfa Romeo e Lamborghini. Por que esta relação mudou e deixou de ser interessante usar estúdios como estes?

O que realmente mudou foi o mercado. Hoje vivemos em uma situação completamente diferente de quarenta anos atrás, quando tínhamos todos aqueles carrozzieri e a popularidade de seus estúdios. Hoje, todas as fabricantes possuem seus próprios departamentos de design, cujos centros estão cada vez maiores e com mais recursos para conceber completamente o design do veículo, desde o primeiro rabisco.

p45bFerrari P4/5 de James Glickenhaus, por Pininfarina

Por outro lado, você pode ver que existem marcas emergentes, especialmente no oriente, como na China, que estão apenas começando e usam estes estúdios tradicionais. Além de não ser suficiente para reverter esta crise específica no setor dos estúdios, também é um pouco triste se pensarmos historicamente o que eles já representaram para os automóveis dos sonhos das pessoas. Ocasionalmente, contudo, nós vemos colaborações esporádicas em modelos especiais, caso da Pininfarina com a Ferrari e a Zagato com a Aston Martin.

 

Falando agora sobre os estudantes de design. Que conselhos você daria para os jovens que sonham em trabalhar na área e quais os passos que você recomenda para quem quer ingressar no setor automotivo?

O único conselho que posso dar é: seja muito apaixonado pelo o que você faz. Ser um designer não é ter um trabalho “das oito às cinco”, é algo que te envolve, te isola de tudo, existem muitos “não” e que, por tudo isso, você precisa algo dentro de você para manter a chama acesa. Eu vejo muitos estudantes encarando a faculdade ou o trabalho de uma forma, como posso dizer, “preciso fazer um belo sketch e é isso”, mas há muito mais do que isso. Se não há paixão e determinação pura vindas de você nesta área, é melhor você procurar outra coisa.

Sobre a carreira, bem, começá-la é, em termos, mais fácil, pois existem muito mais escolas e cursos hoje que antigamente. Eu não quero dar nomes, mas os designers sabem quais são as mais famosas. É importante, contudo, estar atento que o interesse geralmente está mais no negócio do que em sua formação verdadeira (gesticulando com as mãos, como se estivesse modelando algo) como designer.

Nós recebemos portfólios todos os dias. Para a marca que os recebe, é importante perceber esta conexão entre a paixão do designer e a identidade da marca – no sentido mais abstrato da coisa.