Grande Prêmio de Mônaco de 1984. Ao ler isso, você provavelmente deve ter pensado em Ayrton Senna e seu segundo lugar conquistado sob a forte chuva do principado europeu. Foi uma das grandes demonstrações do talento raro do brasileiro e muita gente acredita que Senna teria vencido a corrida se o belga Jacky Ickx não tivesse suspendido a prova. Mas Senna não foi o único estreante que surpreendeu o mundo com o seu talento naquela corrida.
Se você pesquisar na Wikipedia ou nos anuários da F1, encontrará o nome de René Arnoux como terceiro colocado daquela corrida. Mas o francês da Ferrari foi, na verdade, o quarto a cruzar a linha de chegada. À sua frente estava um alemão chamado Stefan Bellof. Hoje, dia 1º de setembro de 2015, faz 30 anos de seu acidente fatal.
Assim como Senna, Bellof era um estreante naquela temporada de 1984. Os dois chegaram a fazer alguns testes juntos no começo da temporada, mas enquanto Senna foi para a Toleman, Bellof conseguiu um assento na Tyrrell, ao lado do também estreante Martin Brundle. O Tyrrell 012 era o único carro aspirado das equipes maiores e os grids eram limitados a 20 carros. Bellof conseguiu classificar-se em 20º, mas não tinha muitas expectativas para um GP de Mônaco partindo da última posição do grid com um carro com 150 cv a menos que a maioria do grid.
Só que na hora da largada, caiu um temporal sobre o principado, e sob a chuva os carros ficam nivelados por baixo, e as diferenças são feitas no braço. Mesmo assim, Bellof sabia que com todo o pelotão à sua frente seria difícil saltar posições sem se envolver em um acidente. Assim que a luz verde acendeu, Derek Warwick, Patrick Tambay e Andrea de Crasharis Cesaris se embolaram logo na Saint Devote, a primeira curva do traçado. Bellof conseguiu passar ileso pela confusão e seguiu em frente para ultrapassar nada menos do que sete carros — François Hesnault, Nelson Piquet, Riccardo Patrese, Johnny Ceccoto, Elio de Angelis, Piercarlo Ghinzani, e Corrado Fabi — ainda na primeira volta, ficando em 10º lugar, atrás de Ayrton Senna.
O brasileiro foi escalando posições na pista molhada, e Bellof mostrou arrojo semelhante ao fazer o mesmo ao seu modo. Na volta 6 ele passou Jacques Lafite, na volta 9 as Ferrari se enroscaram na Mirabeau e Alboreto ficou para trás, deixando o oitavo posto para Bellof. Na volta 16 ele passou Manfred Winkelhock e ficou atrás de Mansell, mas por pouco tempo. O inglês bateu sozinho e abandonou a corrida. Bellof estava em sexto, Senna em terceiro.
A chuva não parava de cair, Bellof não parava de acelerar e ganhar posições. Na volta 21 foi a vez de Keke Rosberg ser despachado, e dois giros depois Niki Lauda abandonou a prova. Bellof passou à quarta colocação e em duas voltas chegou e passou René Arnoux, o terceiro colocado. Com tempos cada vez mais baixos, Bellof estava diminuindo a diferença para Senna, que estava em segundo e, por sua vez, também diminuía a diferença para Prost, o líder da corrida.
Na volta 31, quando a diferença entre Bellof e Senna era de 13,7 segundos, e de Senna para Prost era de 7,45 segundos, o diretor da prova Jacky Ickx decidiu suspender a corrida por falta de condições de segurança devido ao mau tempo. A bandeira vermelha tremulou na volta 32, quando Senna passou Prost pouco antes da linha de chegada. Devido ao regulamento, as posições válidas para a classificação final eram as da última volta completada por todos pilotos no momento da bandeira vermelha — no caso a volta 31, que tinha Prost como líder, Senna em segundo e Bellof em terceiro.
A interrupção da prova foi controversa, pois beneficiou Prost, cujo McLaren usava motor TAG-Porsche, e foi definida por Jack Ickx, que era piloto da Porsche no mundial de carros esporte. Além disso, Ickx não consultou os ficais de prova antes de tomar a decisão e a chuva já não estava mais tão intensa como nas voltas iniciais da corrida.
Caso não tivesse sido interrompida, as hipóteses poderiam resultar em uma história bem diferente na temporada. Prost venceu a corrida, mas como ainda não havia 75% das voltas prevista completadas, a pontuação foi dividida pela metade. Em vez de 9 pontos pela vitória, Prost levou apenas 4,5 pontos e perdeu o título da temporada para Niki Lauda por apenas meio ponto.
Outro fator afetaria Senna diretamente, mas não do jeito que os torcedores brasileiros gostariam. Pat Symonds, que na época era diretor técnico da Toleman, mais tarde revelou que o TG-184 do brasileiro estava com a suspensão deteriorada devido às zebras da Chicane du Port e da Piscina, e não aguentaria mais do que duas ou três voltas além da bandeira vermelha. Caso a corrida tivesse continuado, Senna provavelmente teria abandonado por quebra da suspensão, deixando o caminho aberto para Stefan Bellof atacar Alain Prost nas 45 voltas previstas para o fim do GP.
O nome de Bellof acabou perdido na história da Fórmula 1 depois que seu único pódio (ao qual ele parece nem ter comparecido) foi anulado pois a FIA constatou uma série de irregularidades na alimentação do já inferior Tyrrel T012 e desclassificou Bellof e Brundle de todas as corridas da temporada, anulando todos os resultados obtidos pela dupla. Na temporada seguinte, Bellof continuou na Tyrrel e pontuou no GP de Portugal, vencido por Senna, com um sexto lugar conseguido mesmo sem a asa dianteira, e um quarto lugar no GP dos EUA, seu melhor resultado oficial — onde Bellof correu sem a parte frontal da carenagem.
Infelizmente, Bellof não teve muito tempo para mostrar que poderia ser um rival de peso para Senna. No fim de 1985, nos 1000 Km de Spa, ele pilotava um Porsche 956 e tentou uma ousada ultrapassagem sobre o 962 de Jacky Ickx na Eau Rouge. Na manobra o Bellof tocou a traseira de Ickx e acabou perdendo o controle do carro, que passou pela primeira barreira e acertou em cheio a segunda. O carro pegou fogo e Bellof agonizou por quase 10 minutos antes de ser removido dos destroços. No hospital, 50 minutos depois, ele foi declarado morto.
Bellof é considerado pela imprensa especializada, fãs e ex-pilotos como o maior talento perdido da Fórmula 1. Além de ter sido campeão mundial de carros esporte, ele também é o detentor do recorde da versão mais longa de Nürburgring Nordschleife, com 6:11.
Stefan foi mesmo o grande talento perdido. Incrivelmente rápido e temerário, era também um rapaz impecável. Ele iria para a Ferrari em 1986 e embora eu detestasse a ideia de perdê-lo era inevitável ele ser agarrado por uma das grandes equipas. Quem sabe o que ele teria alcançado na sua carreira?”
— Ken Tyrrell, dono da equipe Tyrrell
Stefan Bellof tinha um talento fantástico. Ele era sempre o último a frear, colocava-se em situações incríveis e sempre conseguia se sair bem. Era totalmente insensível aos riscos e muitíssimo arrojado.” — Martin Brundle, companheiro de Bellof na Tyrrell
Bellof era mesmo um dos melhores, não tenho dúvidas sobre isso. Ele tinha tudo para ser campeão, talvez muitas vezes. Creio que iria ser o grande rival de Senna. Pilotos como ele não aparecem todos os dias. Ele era mesmo especial.” — Gerhard Berger
Este post foi atualizado no dia 1º de setembro de 2015