É bem provável que você jamais tenha visto uma Ferrari F40 de perto – a não ser que tenha excelentes contatos, more em outro país ou por acaso seja dono de uma. No entanto, para a maioria dos entusiastas (ou ao menos para mim), ela certamente é a Ferrari mais emblemática de todas.
Dos carros que ocuparam o posto de topo de linha da Ferrari, a F40 é a que teve mais exemplares fabricados: 1.311, no total. A 288 GTO teve 272 unidades; a F50, 349 carros; a Enzo, 400 e a LaFerrari, 709 (500 cupês e 209 conversíveis). Ainda assim, a F40 consegue ser mais lembrada, mais adorada e mais valorizada. É um supercarro que estampou pôsteres, virou miniatura e apareceu em incontáveis games de corrida, mas que poucos tiveram a experiência de acelerar na vida real, ou mesmo entrar em uma.
O exemplar abaixo, por exemplo, está anunciado na LBI Limited, uma concessionária especializada em carros exóticos que fica na Filadélfia, Pensilvânia, por US$ 1,3 milhões, o que dá cerca de R$ 4 milhões em conversão direta. O detalhe é que se trata-se de um exemplar europeu, o que significa que seu motor V8 biturbo de 2,9 litros feito com base no motor Dino entrega 478 cv a 7.000 rpm e 58,6 mkgf de torque. Também significa que ela é mais leve, com 1.369 kg.
Isto porque, devido às particularidades leis dos EUA para a segurança dos automóveis, a Ferrari F40 recebeu reforços estruturais e para-choques mais salientes que, além de poluir um pouco o visual do carro, o tornam mais pesado — o manual da F40 americana fala em 1.350 kg seca, 250 kg a mais que a versão original europeia (sem ar-condicionado nem mecanismo de elevação das janelas). A diferença, contudo, pode ser menor em relação à segunda série europeia da F40, que também usa catalisadores, também tem ar-condicionado opcional e adicionou os mecanismos de elevação das janelas.
Segundo Joe Sackey, um dos grandes especialistas em Ferraris clássicas dos EUA, nesta segunda série europeia o peso seco da F40 aumentou para 1.230 kg — o que reduz a diferença entre ela e a americana para 120 kg. Sackey também diz que a potência dos modelos americanos era “maior ou igual a 500 cv”, contudo o manual do carro confirma que ela tem os mesmos 478 cv. É possível que a potência no virabrequim (break horsepower – bhp) tenha sido elevada para compensar a restrição de fluxo causada pelos catalisadores, resultando nos mesmos 478 cv nas rodas.
Mas a gente está se desviando do ponto: em qualquer parte do mundo a F40 é um carro incrível e cheio de detalhes. E, por sorte, o pessoal da LBI Limited decidiu emprestar o tal exemplar de US$ 1,3 milhões a Doug Demuro para que ele pudesse demonstrar todos os detalhes do supercarro italiano em seu canal. Certamente você vai descobrir coisas novas a respeito do cavallino mais importante de Maranello.
O vídeo é longo, com quase meia hora, mas o tour pelo carro dura cerca de 15 minutos. De qualquer forma, dissecamos tudo abaixo, saca só:
Uma das primeiras coisas que se nota é que o emblema “F40” em baixo relevo na asa traseira só está presente do lado direito. Era assim porque a Ferrari queria que o emblema “se movesse para a frente” quando o carro andasse, e nunca para trás (a não ser, é claro, quando se encaixa a marcha à ré…
… que, aliás, ficava à frente, no lugar da primeira marcha, como em todo câmbio do tipo “dog leg” usado nos carros de competição.
As rodas Speedline tinham cubo rápido e este grampo era a primeira coisa que deveria ser removida para trocar os pneus.
Este é um dos bocais de abastecimento da F40. Ela tem dois, um de cada lado na porção traseira. A parte de baixo da tampa exibe a composição de fibra de carbono e kevlar. Abaixo, uma segunda tampa de metal tem uma tranca e é removível. No total a F40 tem oito trancas no lado de fora (veremos mais sobre elas a seguir).
London? Então a F40 não é 100% italiana…
Duas das trancas estão nas maçanetas das portas, outras duas trancam a tampa do motor, e ainda há outras duas na frente, que liberam o acesso ao porta-malas:
Note que são trancas simples, que giram uma lingueta presa ao tambor simplesmente para impedir que o puxador se levante. O mesmo vale para as trancas do capô e do porta-malas:
Três chaves diferentes eram usadas para estas oito trancas. Abrir o porta-malas e a tampa do motor era uma tarefa difícil: depois de abrir as trancas, você tinha de erguer toda a porção dianteira ou traseira do carro, como em um protótipo de corridas. Na traseira, era preciso segurar a tampa, que era pesada, e colocar a haste dobrável em um buraco. Era menos complicado de fazer em duas pessoas.
Abaixo temos o lado de dentro da tampa do motor da F40. Ao lado das lanternas você pode ver a tubulação vinda dos dutos NACA da tampa do motor. A maior alimenta os intercoolers (que ficam ao lado do abafador do escape na foto acima). A menor (mais próxima da janela) alimenta a admissão do motor (aquela abertura retangular ao lado do pneu na foto acima).
Tudo simples, mas bem executado em materiais nobres, como fibra de carbono, Kevlar e alumínio.
A dobradiça da cobertura do motor não tem limitador, e se você abrisse demais, acabaria deitando a tampa sobre o teto da sua F40. E você provavelmente não iria querer que isto acontecesse.
Acima, temos a tomada de ar para resfriar os freios.
Abaixo vemos a tampa dianteira aberta. Note os dutos de refrigeração dos freios e os respiros das caixas de roda. Sabe os dutos NACA do capô? Olha só para que eles servem:
Eles alimentam dois dutos que se unem em uma saída vedada por borrachas que se juntam a essa pequena grade retangular preta (no canto superior direito da foto abaixo), quando a tampa está fechada:
Esse é o “filtro de cabine” da F40: o ar admitido pelos dutos NACA serve como admissão da ventilação forçada do supercarro. Este também é o “porta-malas” da F40. Não é exatamente espaçoso: bolsas e sacolas dividem espaço com cilindros-mestre e o reservatório do fluido da embreagem e são aquecidos pelas linhas do sistema de arrefecimento, que passam ali ao lado para chegar ao radiador.
O capô aberto, também exibe a suspensão duplo-A com coilovers e a porção final do duto de resfriamento dos freios:
Como a tampa do motor, as dobradiças do capô não têm limitador para segurá-lo aberto sem cair para a frente. Como o risco de detonar o capô é muito maior, a Ferrari arrumou uma solução:
Acredite: é só este cabo fininho que está sustentando todo o capô da F40.
Para fechar tanto a dianteira quanto a traseira, era preciso ter cuidado na hora de encaixar os pinos dos para-choques para não danificar a carroceria.
Mas parece que alguém não teve tanto cuidado assim na dianteira…
Uma das entradas de ar para o motor fica escondida atrás da janela lateral traseira (que era de policarbonato, como todas as outras do carro). Tudo em nome da leveza.
Abaixo temos o famoso painel de porta (todo de fibra de carbono) com um buraco para guardar coisas, um cabo para abrir a porta e a manivela do vidro. E se você achou pouco, nos carros da segunda leva (feitos a partir de 1989) a Ferrari fez o favor de instalar uma janela com abertura integral. Nos primeiros anos a F40 tinha somente uma janelinha deslizante na lâmina de policarbonato fixa.
Abaixo, note que a F40 não era exatamente toda de fibra de carbono: a moldura das janelas era feita de metal, e parafusada à porta de fibra:
Fibra de carbono e Kevlar entrelaçados. O tapete é acessório: a F40 saída da fábrica somente com uma proteção de borracha abaixo dos pedais para você não riscar a superfície de compósito com os calcanhares.
Outra característica da F40 da segunda fase: os cintos de três pontos. Nos primeiros exemplares os cintos eram de quatro pontos.
Deve ser por isso que a máquina do cinto de segurança fica exposta. Até no Fiat Mille ela ficava escondida!
A gaiola de proteção era parte do chassi tubular, e ficava particalmente exposta, para que você não esquecesse que estava em uma Ferrari de rua com os dois pés no circuito.
Os três únicos materiais usados no revestimento da F40: Nomex (bancos), couro (coifa e volante), e feltro (no túnel e painel):
Os módulos de controle da Magneti Marelli ficavam atrás do banco do motorista, também expostos:
Pedaleira: material perfurado para aliviar peso. A caixa de roda larga não deixa muito espaço para os pés. Because racecar para as ruas.
Acabamentos só servem para aumentar o peso, por isso a parte debaixo do painel deixava expostos os mecanismos da pedaleira, da coluna de direção e o um chicote elétrico sem cerimônia alguma:
Quem precisa de molduras para as saídas de ar-condicionado, o único luxo (e ainda opcional) da F40?
A F40 tinha pouquíssimos comandos: as alavancas dos faróis (haste grande) e da seta (haste pequena) usam o antigo padrão da Fiat. Os botões do pisca-alerta, das luzes de neblina, do desembaçador dos faróis e do desembaçador dos vidros ficam agrupados no painel.
Na sua cara ficam as informações essenciais:
À direita o termômetro do óleo, o manômetro do óleo e o nível de combustível nos tanques:
Os comandos da ventilação eram só estes dois botões de plástico com borracha: um controla a velocidade, o outro controla a temperatura. Pra que mais?
As saídas de ar do desembaçador do para-brisa — que você precisava virar para o lado certo:
O espelho no para-sol da F40:
Este é o único porta-objetos de todo o interior. Cabe a carteira, controles de portão e um smartphone.
Aquela tampa no painel, onde normalmente ficaria o porta-luvas, esconde a caixa de fusíveis.
Teto enfeitado? Nada disso: as barras da gaiola de proteção integrada passam por ali:
Não é todo dia que se vê estes detalhes da F40, definitivamente – a visão desta última foto, por exemplo, só tem quem está dentro de uma F40 e lembra de olhar para cima.
Três dos oito dutos NACA que a F40 tem espalhadas: as do capô nós já vimos lá no alto. As demais alimentam o motor, freios e intercoolers, além de ajudar a resfriar o cofre.
Os faróis escamoteáveis eram os principais. Os de baixo acomodavam apenas as setas e a luz de neblina.
Sim: resistências nos faróis para tirar água e gelo da lente.
Cool smile: o sorriso que alimenta o radiador.
E por último: a F40 como você nunca cansa de ver.