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Super Special: quando Silverstone se transformou no estágio de rali mais legal do WRC

Os saudosistas adoram dizer que “as coisas eram melhores antigamente” – até porque, bem, esta é a definição do saudosismo. Mas a questão (algo meio difícil de engolir, na verdade), é que já dá para dizer que eventos ocorridos no fim da década de 1990 aconteceram “antigamente”. Como a vez em que o circuito de Silverstone sediou as disputas mais legais do Campeonato Mundial de Rali, o WRC. Que naquela época – antigamente – era dominado pelo Subaru Impreza de primeira geração.

Sabemos que esse negócio de ser saudosista na verdade não adianta muito. Todo mundo sabe disso, na verdade. Mas fica difícil resistir à vontade de maldizer o presente e exaltar o passado quando vemos Colin McRae e Tommi Mäkinen degladiando-se lado a lado no “Super Special Stage” do circuito de Silverstone, que fez parte da competição em 1997. Era verdadeiramente épico, e nem todo mundo sabe que aconteceu.

O vídeo abaixo é a síntese perfeita do que era o Super Special Stage: enquanto os outros estágios eram time attacks cronometrados, em uma disputa contra o relógio, e não diretamente contra seus rivais… o Super Special Stage era quase uma corrida de verdade, com dois carros em um circuito fechado. Eles também estavam disputando contra o relógio, e não diretamente um contra o outro, mas estavam no circuito ao mesmo tempo. Sim, era sensacional.

O Rali da Grã-Bretanha, que na época era chamado RAC Rally, sempre foi um dos eventos mais tradicionais do WRC, e as sinuosas estradas nas florestas foram o palco de verdadeiros espetáculos de habilidade. Contudo, no fim da década de 1990 os organizadores da competição criaram uma disputa especial para atrair fãs ao circuito de Silverstone e também agradar aos telespectadores, a fim de melhorar os números de audiência.

Os carros corriam em um circuito misto de terra e asfalto com 1,93 km de extensão, sendo o estágio mais curto da competição – para efeito de comparação, o estágio mais longo teve 42,21 km de extensão. Uma arena era montada perto da curva Stowe de Silverstone, com arquibancadas e um percurso ligeiramente diferente para cada um dos carros, porém com exatamente a mesma extensão. Havia até um momento em que os traçados se cruzavam, com um dos carros passando por baixo de uma “ponte” enquanto o outro passava por cima. Havia também saltos e passagens alagadas, a fim de reproduzir um pouco das condições de um estágio em vias públicas.

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E, por mais que fizesse parte do rali, o Super Special Stage contava menos pontos e raramente influenciava na classificação geral. Piloto e navegador participavam sozinhos, sem apoio da equipe pelo rádio – e, segundo consta, eles não curtiam muito, pois isto só acontecia porque o Super Special Stage era considerado fácil demais. Tanto que, entre os competidores, a etapa era chamada jocosamente de “Mickey Mouse Stage”.

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O Super Special Stage foi o oitavo estágio da primeira fase do RAC Rally, que naquele ano foi a última etapa do campeonato. Naquele ano o finlandês Tommi Mäkinen foi o campeão entre os pilotos, com Colin McRae na segunda colocação por um mísero ponto de diferença – 63 a 62. Por outro lado, naquele ano a Subaru de McRae ficou com o título entre as fabricantes, com 111 pontos; com a Ford na segunda colocação com 90 pontos e a Mitsubishi em terceiro com 86 pontos.

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McRae e a equipe da Subaru no WRC em 1995 – o escocês foi o grande responsável pelo triunfo das Plêiades naquele ano, conquistando tanto o título dos construtores quanto o dos pilotos

E foi exatamente entre Colin McRae e Tommi Mäkinen a primeira disputa do Super Special Stage. McRae no Subaru Impreza WRX STi, com um flat-four turbinado de cerca de 300 cv, e Tommi Mäkinen ao volante do Mitsubishi Lancer Evolution IV, com o motor 4G63 turbo também calibrado para render cerca de 300 cv. Naquela época o WRC ainda seguia as regras do Grupo A, inaugurado como principal categoria do torneio logo após a extinção do insano Grupo B. Agora, apesar de não serem tão selvagens quanto os protótipos de motor central-traseiro que competiram nos anos 80, os carros do Grupo A ainda eram verdadeiros titãs. Diferentemente do que temos nos dias atuais, com conjuntos mecânicos praticamente padronizados em carros com carrocerias diferentes, naquela época os bólidos de rali eram mesmo versões preparadas dos carros de rua. As regras ditavam coisas como peso, potência e limites para modificações estéticas, mas os carros ainda eram largamente baseados em suas contrapartes civis.

O vídeo é um “melhores momentos”, trazendo apenas os duelos mais importantes. O duelo seguinte (aos 1:51 do vídeo) mostra bem como o Super Special Stage era mais uma atração para o público do que uma etapa realmente importante para decidir o campeonato – ele foi protagonizado pelos colegas de equipe Juha Kankkunen e Carlos Sainz. O finlandês e o espanhol ambos pilotavam exemplares do Escort RS Cosworth – que, como alguns já sabem, era na verdade baseado no Ford Sierra de tração traseira, porém com um sistema de tração integral e a carroceria do Escort. O bodykit mais largo e a asa traseira dupla se tornaram marcas registradas do RS Cosworth, mas é notável o fato de ele ser o único Escort Mk5 com motor dianteiro longitudinal, e não transversal.

Este onboard de Juha Kankkunen no Escort RS Cosworth explica exatamente o que torna este carro tão emblemático entre os entusiastas

A terceira disputa (aos 3:30) envolveu o britânico Richard Burns e o francês Didier Auriol. Burns era colega de equipe de Tommi Mäkinen na época, e por isso guiava um Evo IV, enquanto Auriol era o piloto nº 1 da Toyota, que em 1997 disputava o WRC com o Toyota Corolla hatchback – um dos Corolla mais bacanas de todos os tempos, aliás.

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Didier Auriol no comando do Toyota Corolla WRC em 1999

Apesar de pertencer à mesma geração do primeiro Corolla fabricado no Brasil, o carro de rali era (obviamente) bem mais nervoso, usando um motor quatro-cilindros turbo de dois litros com cabeçote de 16 válvulas e potência declarada em 300 cv. Além, é claro, de trazer a emblemática pintura da Castrol, que no caso da Toyota é instantaneamente associada ao Supra Mk4 das provas de turismo, mas também fez história em 1999 quando o Corolla foi campeão do WRC. Richard Burns só conseguiria seu primeiro título em 2001, pela maior rival da Mitsubishi (não precisamos dizer quem é, mas em todo caso é a Subaru).

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O italiano Piero Liatti foi o condutor do Subaru Impreza WRX STi no quarto duelo (5:12), contra o finlandês Marcus Grönholm no Toyota Corolla. O primeiro conseguiu no Rali de Monte Carlo de 1997 sua primeira e única vitória no WRC. Já o segundo conquistou pouco depois dois títulos no Mundial de Rali – em 2000 e em 2002, em ambas as ocasiões ao volante do Peugeot 206.

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Ari Vatanen no Escort RS Cosworth

O último duelo do vídeo (6:52) é protagonizado pelo belga Bruno Thiry e por seu colega de equipe na Ford Ari Vatanen. Bruno é um nome mais desconhecido, mas embora jamais tenha vencido no WRC, foi campeão europeu de rali com o Peugeot 206. Já Ari Vatanen dispensa apresentações: o veterano estreou no WRC em 1974, pilotando um Opel Ascona, e fez fama em diferentes ocasiões – primeiro com seu título em 1981 com o Escort RS1800; depois em 1983, no Campeonato Europeu de Rali, quando fez o navegador Terry Harryman exclamar “Santo Deus!” (dear God!) depois de uma curva especialmente emocionante na Ilha de Manx; em 1986 quando foi o mais rápido na subida de montanha de Pikes Peak com o Peugeot 405 T16; e por fim entre 1987 e 1991, vencendo quatro edições do Rali Dakar com o mesmo carro (modificado para provas de resistência, naturalmente).

Se quiser ver todos os duelos que aconteceram no Super Special Stage de Silverstone em 1997, assista o vídeo abaixo – são 44 minutos, mas vale muito a pena.

Colin McRae foi o vencedor do Super Special Stage em 1997. O estágio fez parte do campeonato por mais dois anos, em 1998 e 1999, sendo que Richard Burns venceu em ambos. No último, como dissemos ali em cima, ele também sagrou-se o único campeão do WRC nascido no Reino Unido, e conquistou o título em casa.

Foi o último ano do Super Special Stage no circuito britânico, visto que desde então o Rali da Grã-Bretanha é realizado no País de Gales. No local onde ficava o circuito misto hoje está instalada uma pista de testes da Porsche, inaugurada em 2008. Um fim até que digno.