Existe uma rivalidade muito grande entre as principais franquias de games de corrida – Gran Turismo, Forza Motorsport e Need for Speed, que sem dúvida também estão entre as mais conhecidas do público casual, que não liga muito para carros e nem para games. Todas as três séries têm jogos que são verdadeiros clássicos, outros medianos e algumas porcarias, e cada uma possui sua base de fãs fiel, atenta a cada novidade.
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Existe, porém, uma franquia de games de corrida que corre por fora: Tokyo Xtreme Racer. Aos fãs dos carros dos anos 1990, entusiastas do JDM e nostálgicos em geral, o nome certamente traz boas lembranças. Quem já jogou certamente está revivendo, neste momento, as horas e horas gastas explorando as vias expressas nos arredores de Tóquio, procurando rivais para disputar rachas, ganhando dinheiro, comprando peças, melhorando seu carro, ganhando mais corridas e repetindo todo o processo inúmeras vezes. Mas não é só isto: Tokyo Xtreme Racer foi uma das franquias mais originais dos anos 1990 e 2000, com elementos de gameplay que não foram vistos em nenhuma outra série mainstream de jogos de corrida.
A franquia Tokyo Xtreme Racer foi criada no Japão, por uma desenvolvedora japonesa, especificamente para o público japonês. Felizmente, porém, foi publicada no ocidente por uma série de empresas grandes, como a THQ, a Ubisoft e a Konami – possivelmente atraídas pelo sucesso que os imports estavam fazendo no mundo todo nos anos 2000, em parte graças a “Velozes e Furiosos”.
A inspiração, porém, vinha mesmo do Japão: a série de mangá e anime Wangan Midnight, e os filmes da série Shuto Kōsoku Trial (Midnight Expressway Trial em inglês), de 1988, foram a grande fonte de material para que a desenvolvedora Genki criasse seus títulos. Mas também havia influência dos campeonatos de dorifuto, como o D1 Grand Prix – o próprio Keiichi Tsuchiya, o Drift King, que até foi embaixador do primeiro game da franquia: Shutokō Battle ’94 Keichii Tsuchiya Drift King, que foi lançado para o Super Nintendo.
A franquia continuou ganhando jogos quase anualmente ao longo da década de 1990, com títulos obscuros para PlayStation, Sega Saturn e Dreamcast. Mas foi apenas nos anos 2000, com as versões ocidentais para PlayStation 2, que Tokyo Xtreme Racer tornou-se mais popular entre os fãs da car culture japonesa e entusiastas do JDM.
Todos os jogos da série lançados até hoje são baseados na cultura das corridas de rua no Japão, mais frequentemente na famosa Shuto Expressway em Tóquio, mas também em suas adjacências. A série é dividida em duas ramificações – Shutokō Battle, que se passa nas vias expressas urbanas, recriadas de forma surpreendentemente fiel; e Kaidō Battle, que inclui alguns mapas nas touge japonesas e uma mecânica dedicada para o drift. Os lançamentos ocidentais ao longo dos anos misturam as duas franquias sob o nome Tokyo Xtreme Racer.
Os jogos da série todos são bem parecidos, utilizando a mesma engine e trazendo vários elementos em comum, como o estilo dos menus, as músicas e parte dos modelos 3D. O que muda, em essência, são detalhes como a dinâmica dos carros e a variedade de modelos; bem como aspectos técnicos como a duração das telas de carregamento – que, em alguns jogos, é bem maior do que em outros. É por conta disto que alguns dizem que todos os games da série são iguais. Se você jogou um, jogou todos. Mas, ainda assim, um deles se destaca – Tokyo Xtreme Racer 3, lançado no ocidente em 2003 e publicado pela extinta Crave Entertainment. Por isso, é nele que vou concentrar este Retro Review.
No Japão, TXR 3 é chamado Shutokō Battle 01, e tanto por lá quanto no resto do mundo, é considerado o melhor do ponto de vista técnico – os gráficos são caprichados, os tempos de loading são aceitáveis e a dinâmica é bem resolvida (só é preciso aumentar a sensibilidade do direcional para deixar os carros menos “flutuantes”). Por conta disto, o game também é visto como uma ótima porta de entrada para a franquia – e, também por conta disto, é um dos títulos mais caros no mercado de usados.
O game traz os mesmos elementos que os outros TXR: um mapa aberto, que você pode explorar livremente, uma boa variedade de carros, japoneses ou não, e um sistema de corridas bem interessante: ao encontrar outro piloto de rua, você precisa piscar seus faróis e, se quiser, dar uma buzinada. Em seguida, o rival vai aceitar (ou não) o desafio.
É possível jogar uma sessão única, sem compromisso com a história, para aprender as manhas, ou o modo história. Em ambos os casos, o gameplay é o mesmo.
Quando uma corrida começa, você e seu rival recebem barras de energia, chamada SP, exatamente como em um jogo de luta. Para vencer, você precisa conservar a sua barra cheia e diminuir a barra do adversário. A barra de um carro diminui continuamente enquanto ele fica em segundo lugar, ou quando bate o carro – seja nas barreiras ao lado da estrada, seja em outros carros. Quando uma das barras chega ao fim, a corrida acaba. Simples assim.
O que não é tão simples, porém, é acertar seu carro para cada corrida. Mas não por ser difícil, e sim porque os ajustes oferecem tantas possibilidades. Para começar, são nada menos que 114 carros, de marcas japonesas e de outros países. Evidentemente os figurões estão no elenco – Toyota Supra e AE86, Nissan Skyline e Silvia, Mazda Miata e RX-7, Mitsubishi Lancer Evolution e 3000GT e Subaru Impreza WRX STi. Mas também há uma boa variedade de escolhas inusitadas, como o SUV Isuzu Vehicross, uma boa seleção de kei cars, e também modelos estrangeiros como Mercedes 500E, Chevrolet Corvette C4, Pontiac Firebird, e até o Porsche 911 996 – este, devidamente “disfarçado” como um projeto da Gemballa, pois na época havia um contrato de exclusividade entre a Porsche e a EA Games. Gran Turismo tinha de se contentar com os Ruf até GT6 pela mesma razão, aliás.
Uma vez escolhido o primeiro carro, você pode usar o dinheiro adquirido nas corridas de duas formas: comprando novos carros e montando uma garagem fodástica, ou melhorando seu próprio carro com centenas de componentes. Havia peças aerodinâmicas encontradas no mundo real, cada uma com suas propriedades, rodas de diferentes tamanhos que podiam ser calçadas com pneus de diferentes medidas, compostos e bandas de rodagem, e suspensão melhorada, escapamento funcional e redução de peso. Era possível fazer até mesmo engine swaps depois que seu carro atingisse certa quilometragem.
O sistema é realmente o ponto alto de Tokyo Xtreme Racer 3. Os componentes aerodinâmicos, por exemplo, não interferem apenas na aerodinâmica do carro: eles também podem melhorar ou piorar a eficiência do sistema de arrefecimento – e, caso seu carro superaqueça, você pode perder muito desempenho ou até mesmo ser forçado a entregar a corrida para seu rival parando em uma área de cooldown. As áreas de cooldown podem ser usadas a qualquer momento, e permitem que o jogador faça ajustes no carro antes de voltar a explorar. Só não é possível trocar os pneus nestas áreas – só indo para a garagem, o que pode ser feito a qualquer momento através do menu.
Outro detalhe bacana de Tokyo Xtreme Racer 3 é o fato de cada um dos pilotos controlados pela máquina ter um nome, uma pequena história, personalidade própria e um estilo de pilotagem diferente. Há os mais agressivos, os que pilotam sujo, atirando o carro deles contra o seu e dando fechadas criminosas, e os que têm técnica mais refinada e te vencem simplesmente por serem mais rápidos. Há também uma história de fundo que trata de gangues rivais que brigam para dominar a cena de corridas ilegais de Tóquio. Cada gangue tem um “chefão” – um piloto excepcionalmente rápido que vai te deixar comendo poeira nos primeiros instantes e passar a sensação de que o game é até injusto. Contudo, com precisão nos movimentos, um bom acerto do carro – incluindo fuçar as cargas das molas, a pressão do turbo, as relações do câmbio e outros detalhes – é possível vencer. Mas também é preciso aproveitar o fato de que a AI dos outros carros não é muito inteligente e vai cometer erros de novato, mesmo nos últimos estágios.
Apesar desta aparente complexidade, porém, TXR3 passa bem longe de ser um simulador: o jogo é totalmente arcade no que diz respeito à dinâmica e nunca chega a ser punitivo, exigindo máximo respeito aos traçados dentro das curvas ou entendimento das capacidades dinâmicas de um automóvel. Dá para encarar toda a customização como um bônus, até porque os acessórios estéticos foram bem modelados e “encaixados” nos carros. E há também um editor de pinturas relativamente completo, que te permite escolher diversas cores, adesivos e envelopamentos.
Fora isto, não há muito mais para falar a respeito de Tokyo Xtreme Racer 3. E talvez este seja seu trunfo – trata-se da experiência pura de ser um piloto de rua procurando outros pilotos para superar. Não há nada “por trás” da história, nenhum enredo forçado ou brega (estou olhando para vocês, Need for Speed recentes!). Apenas carros e corridas ilegais, e sem os problemas de carregamento que outros títulos da franquia trazem. Se você tem um PS2 velho dando sopa em casa, vale a pena resgatá-lo e procurar esta belezinha por aí.