Um dos primeiros comerciais de carro que me chamaram a atenção foi o clássico anúncio de 2003 do Peugeot 206, com um indiano que transformava seu Hindustan Ambassador (um ícone por si só) em uma réplica do hatch da Peugeot, lançado em 1998. Sim, amigos, faz 20 anos. E isto é bem importante: o 206 foi o carro que mudou tudo para a Peugeot. Até então a marca era bem sucedida na França, mas não tinha um carro de sucesso mundial. E, se não fosse o 206, as coisas poderiam piorar.
A verdade é que o Peugeot 206 quase não existiu. No começo dos anos 90, quando o compacto da linha era o icônico 205, a Peugeot chegou à conclusão de que seu segmento estava estagnado e que, por isso, o 205 não seria substituído diretamente. Em vez disso, os franceses decidiram lançar um carro menor que o 205 – o 106, que foi apresentado em 1991; e um carro maior – o 306, que chegou em 1993. Então, quem tinha um 205 e fosse comprar um Peugeot novo, faria a escolha natural entre um carro menor e mais barato, ou um carro maior e mais caro.
Se tal estratégia soou meio furada para você, é porque, bem… foi mesmo. Não deu certo: enquanto outros compactos europeus, como o Ford Fiesta e o Volkswagen Polo, vendiam muito bem, a Peugeot ficou sem um representante no segmento. Algo deveria ser feito.
Então os franceses decidiram que o novo Peugeot compacto deveria manter a mecânica consagrada que os outros modelos da marca usavam e usaria a estética como apelo. Para isto, foi contratado o designer Gérard Welter, que na época trabalhava para o estúdio italiano Pininfarina e já havia feito alguns projetos para a Peugeot, como o 504, o 405 e o belo 406 Coupé.
Peugeot 206 GTI, com motor 2.0 de 177 cv e rodas de 17 polegadas
As linha de Gérard Welter eram curvadas e sensuais, com faróis que lembravam olhos de gato, traseira elevada e perfil aerodinâmico. O interior seguia a mesma filosofia, e era mais moderno e aconchegante que o de qualquer outro Peugeot. Resultado: o carro, lançado em maio de 1998, foi um sucesso imediato. No Reino Unido o Peugeot 206 foi o carro do ano por quatro anos consecutivos entre 1998 e 2001.
Na Europa, ele foi o carro mais vendido entre 2001 e 2003. E, mais do que isto, ele é o Peugeot mais vendido de todos os tempos: considerando a produção na França, Reino Unido, Indonésia, Chile, Brasil e Irã; e incluindo o Peugeot 206+, versão reestilizada fabricada entre 2009 e 2014 (vendido no Brasil como Peugeot 207), mais de 10 milhões de unidades do Peugeot 206 foram produzidas.
As diferentes versões de carroceria: perua, sedã e cabriolet
A Peugeot criou uma plataforma totalmente nova para o 206, com suspensão independente nas quatro rodas (McPherson na dianteira, braços arrastados na traseira), e bombardeou o mercado com diferentes versões logo nos primeiros anos: já em 1999 foi apresentado o 206 GTi, com motor 2.0 de 177 cv e rodas de 17 polegadas; em 2000 veio conversível 206 CC (de Coupé Cabriolet); em 2001 foi lançada a perua 206 SW e, em 2003, o sedã 206 SD. O 206 era um carro competente, sem dúvida, mas foi seu visual à frente de seu tempo o grande segredo para seu sucesso logo de cara. E foi justamente este o apelo de um dos comerciais mais legais já feitos. Quem não lembra?
O anúncio The Sculptor foi veiculado em 2003. A equipe de produção foi até Jaipur, na Índia, para filmar o curta no qual um jovem, depois de ver um anúncio do 206 em uma revista, decide transformar seu Hindustan Ambassador em um Peugeot. Ele bate o carro contra a parede, coloca um elefante para sentar no capô e passa dias soldando e dobrando metal para criar uma réplica quase perfeita do hatch francês. A cara de marrento do rapaz no final era impagável.
Foi pensando nisso que o pessoal do Top Gear (o site, não o programa de TV) decidiu recriar o comercial. Mas antes, talvez para buscar inspiração, eles foram dar uma olhada no carro que estrelou o anúncio de 2003.
A Peugeot jamais transformou o Hindustan Ambassador em um 206: o carro que aparece todo amassado era um 206 novo em folha, que foi levad da linha de produção direto para os produtores do comercial, que prontamente o maltrataram bastante para dar a ele um aspecto mais… “artesanal”.
Segundo o Top Gear, parte da motivação para fazer um remake do comercial é o fato de, no começo de 2018, a Peugeot ter comprado a marca Ambassador. Para quem não lembra, o Hindustan Ambassador era um Morris Oxford que foi fabricado sob licença na Índia pela Hindustan Motors entre 1958 e 2014 – nada menos que 56 anos ininterruptos, sem grandes alterações de projeto. Ele foi muito usado como veículo pessoal mas, a partir dos anos 1980, era mais voltado a frotistas. Agora, a Peugeot estuda a ideia de reviver o nome Ambassador na Índia. Certamente tudo isto tem a ver com a popularidade do comercial do 206.
Agora, no comercial refeito, os caras do TG decidiram ser mais autênticos e de fato transformar um Ambassador em um Peugeot. Não um 206, mas um 208 GTI, que tem motor 1.6 turbo de 208 cv e câmbio manual de seis marchas.
Para isto, eles chamaram um time de engenheiros da Universidade Ajeenkya D Y Patil, que fica em Pune, na Índia, para dar cabo do projeto. Depois de comprar um Hindustan Ambassador condenado, eles passaram meses realizando a transformação. Basicamente o que restou foi o monobloco do clássico indiano.
As portas, o teto e o para-brisa vieram de outro carro de ferro velho, que não foi identificado. Já as faces dianteira e traseira foram esculpidas em fibra de vidro. Ficaram fiéis o bastante para alojar a grade, os faróis e as lanternas de um 208 de verdade. Uma inspeção mais criteriosa, contudo, revela que as proporções não estão exatamente iguais às do Peugeot.
Eles se deram ao trabalho de pintar o carro no esquema bicolor no qual a Peugeot vem apresentando seus hot hatches recentemente, e de mandar fazer as janelas traseiras em acrílico.
O resultado, obviamente, deixa claro que é uma réplica feita artesanalmente, com gaps irregulares entre os painéis da carroceria, alguns amassadinhos espalhados pela carroceria e proporções meio desajeitadas, com entre-eixos mais curto e suspensão mais alta do que o normal.
Por outro lado, as portas fecham e o Peugeot funciona de verdade. Naturalmente que ele não é rápido como um 208 GTI, que é capaz de ir de zero a 100 km/h em 6,7 segundos com velocidade máxima de 230 km/h. O Hindustan Ambassador mais rápido já produzido tinha um motor GM de 1,8 litro e 74 cv, e ia de zero a 100 km/h em 15,8 segundos. Os modelos mais antigos, com motor 1.7 de 50 cv, chegavam a levar mais de um minuto para ir até os 100 km/h.
Seria perfeito se o vídeo pudesse ser incorporado no site, mas você vai precisar ir até o Top Gear para assistir à refilmagem do comercial. No mais, que homenagem bacana.
Fotos: Peugeot, Top Gear