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Car Culture

Um FlatOuter nas 24 Horas de… Lemons!

Por Alexandre Bardal, engenheiro e assinante do plano FlatOuter

Há pouco mais de duas semanas aconteceu, na Franca, aquela que, talvez, seja a mais conhecida prova de automobilismo do mundo, as 24 Horas de Le Mans. Um vaga para um gentleman driver deve sair por algo entre US$ 500.000 e US$ 1.000.000 — inviável para meros mortais.

Porém, há uma outra prova de endurance um pouco mais acessível, também realizada ao longo de 24 horas e, se você falar o nome rapidamente, ninguém vai perceber a diferença: as 24 Horas de Lemons. Quanto custa uma vaga? US$ 1.200.

A 24 Horas de Lemons é uma categoria de automobilismo de endurance para carros de até US$ 500. São carro comprados e preparados para uso em pista por, no máximo, US$ 500, sem contar os equipamentos de segurança, freios, rodas e pneus. Essa é a hora em que você se pergunta: “e existe carro de US$ 500?”

Bem… vejam as fotos do evento. Uma equipe comprou um Cadillac velho por US$ 2.000, vendeu os faróis por US$ 1.500 e, assim, chegou aos US$ 500.

Para os americanos, um Lemon é um carro que tem um defeito grave que o torna inseguro para dirigir.
Essa categoria é sensacional! Os americanos têm o que eles chamam de “bucket list”, a lista das coisas que querem fazer durante a vida. Dirigir em Nurburgring está na minha bucket list, mas participar de uma corrida de carros? Sempre achei que seria extremamente caro e totalmente fora do meu alcance. Essa categoria dá a pessoas comuns a chance de ter essa experiência. E vou lhes dizer: foi uma das melhoras experiências que já tive na vida!

Mas começar pelo começo: meu nome é Alexandre, sou de Curitiba/PR, trabalho como engenheiro em uma empresa que me levou para os EUA em 2014. Saímos de Joinville/SC para uma cidadezinha à margem do lago Michigan, chamada Saint Joseph.

Conversando com um dos meus colegas americanos (obrigado, Zack!), descobri que ele faz parte de uma equipe que corre nessa categoria maluca. Durante a conversa, comentei que se tivesse a oportunidade, eu gostaria de entrar no time. Infelizmente minha cantada não funcionou: eles têm quatro pilotos fixos. Nesse ano ele falou com um conhecido e me deu uma sugestão: eu deveria me registrar no site, pois eles criam uma lista de pilotos disponíveis para que as equipes convoquem em caso de necessidade. Fiz o meu registro e esqueci o assunto, achando que não ia dar em nada.

Um dos Lemons

No final de maio, recebi um email de um certo Joel, me perguntando se eu ainda estaria interessado em correr nas 24 horas de Lemons em Gingerman! Trocamos números e esperei ele me ligar. Achei que iria ser entrevistado!

Quando preenchi o formulário, fui totalmente honesto quanto a minha pouquíssima experiência em pista. Havia dado algumas voltas em track days no saudoso AIC quando ainda morava no Brasil. Dirigi um Lamborghini por algumas voltas no Gingerman racetrack (Xtreme Experience), e um Porsche em Las Vegas (também poucas voltas), sempre com um instrutor ao lado. E foi essa minha experiência em pista.

Também comentei que há vários anos sou piloto virtual, até bem competitivo (jogo no GT7 com um volante e cockpit), mas não tinha ideia se isso ajudaria de alguma forma.

Outro dos Lemons

A “entrevista” foi o Joel contando sobre o carro por meia hora. Era um Mini Cooper S 2006, que tinha colocado um motor original com o compressor de polia, e outros detalhes que já esqueci — sobrecarga de informações. Mais tarde descobri que o carro apenas recebeu pastilhas de freio esportivas, e o equipamento de segurança obrigatório: roll cage, sistema de supressão de incêndio e chave geral. De resto, era original!

Falou também sobre os custos. Eu pagaria US$1.200 a eles para cobrir inscrição, mecânicos, peças, pneus, desgaste do carro etc. Se eu batesse o carro, eu deveria achar a peca num ferro velho (para-lama, para-choque etc) e dar a eles uma peca íntegra — a cor não importaria.

Eu deveria também dar um cheque caução de US$2.000, que seria usado caso eu batesse o carro e desse perda total. Achei bem razoável.

Além desses custos, eu precisaria do equipamento: HANS, capacete, balaclava, luvas, sapatilha e macacão. Fiquei incomodado — isso tudo daria mais US$ 1.000 para usar talvez uma só vez?

No fim da conversa, ele basicamente pediu para eu pensar se eu topava e responder nos dias seguintes. Perguntou se eu tinha alguma pergunta. Perguntei: “O carro é manual ou automático?”. Lembrem-se que a imensa maioria de carros nos EUA são automáticos. Ele ficou em silencio por um segundo e respondeu: ” – É manual. Você dirige manual?”

Mais um Lemon

Eu ri e disse que dirigi manuais a vida toda, e ainda dirijo um mesmo nos EUA. Mas pensei que essa deveria ter sido a primeira pergunta dele, de forma eliminatória. Depois disso pesquisei um pouco e descobri que poderia alugar o equipamento! Legal! A US$ 250 pelo aluguel dava para encarar.

Compraria uma balaclava e uma meia de corrida por US$ 50 e alugaria o resto. Com a aprovação da patroa, liguei para ele e confirmei!

Estava tudo encaminhado! Uau! Mal podia acreditar. Como disse, não estava nem na minha bucket list! Depois disso foi segurar a ansiedade e o nervosismo por três semanas e esperar.

Depois de dormir pouco de quinta para sexta (16 de junho; devido à expectativa, parecia criança esperando o Natal…), acordar às seis e dirigir 30 milhas até a pista, conheci minha equipe: Joel (australiano), Kevin (americano), Victor (moldávio) e eu, um brazuca. Além dos pilotos, um mecânico bem competente (Eric, trabalha numa concessionaria da Chevy) e dois crew members (Stephen e Dave).

Fomos para a reunião de pilotos. A sexta, dia de treino, seria como track day com ultrapassagens liberadas, ou seja, poderíamos ultrapassar nas curvas ou sem indicações. Aprendi também sobre as bandeiras do dia.
Com a equipe, outros aprendizados: como entrar no carro (não pode se apoiar na direção, tem que usar a roll cage), como colocar e apertar os cinto de cinco pontos, como usar o rádio, como usar o cool-shirt system, como ajudar o outro piloto a se instalar e ajustar o cinto etc. Aprendi um monte de coisas que nem imaginava.

O Kevin e o Joel andaram uns 30 minutos cada um para tirar a cera dos dois jogos de pneus que usaríamos nos três dias. Aqui uma foto do pneu dianteiro no final das 9 horas de corrida no sábado. As voltas deles estavam ao redor de 1:56.

Depois foi a vez do Victor. Seria a primeira corrida dele, mas ele tem um Miata de track day e conhece bem o circuito. Virou 1:58

Chegou a minha vez. É claro que eu viraria mais rápido que todos, pois sabemos que nós brasileiros somos todos pilotos sensacionais. Na verdade, eu estava bem nervoso, com medo de fazer alguma besteira e bater o carro dos caras — e acabar com a corrida de todos ainda no treino!

Um pouco de claustrofobia com o cinto, o capacete, o HANS, a roll cage num carro pequeno como o Mini. Mas você entra na pista e esquece o desconforto — é concentração total.

Essa parte quem já andou em track days conhece: como freiar o mais tarde possível e ainda fazer a curva na traçado ideal. Claro que comecei freando muito cedo. Depois, ao buscar o limite, você passa do ponto. E quando passei do ponto e o carro começou a escorregar para o lado de fora de uma curva de alta.

O medo de sair da pista bate forte! A dificuldade toda eh que uma sobrecarga de informações. Você tem que prestar atenção ao ponto de frenagem, fazer o punta tacco, manter a linha de corrida (trajetória), trail braking, apex, aceleração. Tudo isso buscando o limite do carro. Ao mesmo tempo, tinha que ver se a temperatura do óleo estava ok (estava passando do ponto com os pilotos anteriores). E aí quando você começar a conseguir gerenciar tudo isso, alguém fala com você no rádio, com o áudio bem ruim, em um inglês om sotaque australiano, enquanto um V8 está berrando ao te ultrapassar.

Caras, parece mentira, mas a minha maior dificuldade durante a corrida foi entender o que falavam no rádio para mim… Combinei que quando fosse para eu entrar, eles deveriam dizer apenas “box, box box!”.
Com tudo isso virei 2:06, 10 segundos a mais do que minha equipe, numa pista de 3,4 km.

Mais tarde no dia fiz mais uma sessão, depois de ter baixado um pouco a adrenalina, e estava virando 2:02.
Depois das 17h trabalhamos no carro, após a pista ter fechado pelo dia, preparando-o para a corrida. Novos discos e pastilhas, sangrar o óleo de freio, e outros detalhes menores.

Dirigi para casa, dormi, e à 8 do sábado estava de volta la para mais um briefing de pilotos, dessa vez para a corrida. Regras para reabastecimento, bandeiras, penalties etc.

Não vou mentir, eu estava nervoso! Se o treino já havia sido uma sobrecarga sensorial, como eu faria durante a corrida, com um monte de carros ao meu redor?

Minhas prioridades eram: 1) Não bater e acabar com nossa corrida. 2) Me divertir. 3) Ser mais rápido. 4) Não levar bandeira preta.

Sobre bandeiras pretas: a organização dessa categoria se preocupa muito com a segurança durante a prova. Se dois carros se tocarem, ambos levam bandeira preta. Se alguém sair com os quatro pneus da pista, bandeira preta. Quem recebe uma tem que entrar nos boxes, escutar uma bronca de um juiz, e aí pode voltar para a pista. Se levar três bandeiras pretas tem que pagar uma penalidade, que são sempre bem humoradas.

O piloto abaixo foi preso com fita adesiva ao teto do carro e teve que circular nos paddocks pedindo perdão por ser descuidado.

O Joel dirigiu o primeiro stint (duas horas). Foi abalroado por uma BMW e veio para os boxes para inspecionar se não houve danos. Apenas um arranhão na lata. E achamos um elástico que havíamos deixado na suspensão, segurança as pinças quando trocamos pastilhas…

Depois disso o Victor entrou. Eu seria o terceiro, e o Kevin o quarto. Dessa forma só teríamos que ajustar o banco uma vez, pois Joel e Victor são mais ou menos do mesmo tamanho, assim como eu e o Kevin.

Depois de uma hora, o Victor entrou nos boxes pois tinha perdido potência. Levantamos o carro e vimos que a polia do compressor havia se desintegrado. Achei que a corrida tinha acabado para nos. Foi uma mistura de decepção e alívio… (mais decepção do que alívio..).

Mas o mecânico não arregou, e em uma hora o carro estava novamente funcionando! O Victor dirigiu mais uma hora, e então era minha vez.. Abastecemos, trocamos de piloto e lá fui eu! As primeiras voltas foram tensas e sensacionais. Depois de duas ou três voltas foi apenas sensacional!

Tensas pois foi mesmo como eu pensei: chegando a 110 milhas por hora (quase 180km/h), montando no freio, fazendo o punta-tacco, com o carro dançando um pouco, me posicionado na pista. E dois carros 3 metros a frente, 1 ao lado, e mais dois atras – todos tentando fazer as mesmas coisas ao mesmo tempo! Que veneno!! Mas depois que o cérebro se acostuma com essa carga, aí é só diversão.

Eu não queria mais parar! E o carro tinha um diferencial de deslizamento limitado! Que delicia sentir os pneus te puxando para dentro da curva em vez de espalhar!

Aí vem um tópico interessante: eu sempre me perguntei se todas as minhas horas no simulador ajudariam em algo. E quer saber? Ajudaram para caramba!

Equipamento de reabastecimento

Não quer dizer que eu pulei num carro de corrida e comecei a virar temporais. Eu estava 10 segundos mais lento do que meus companheiros de equipe. Mas no sábado eu ja estava virando 1:55! Então o que entendi foi: o simulador, as leituras e os vídeos (inclusive o FlatOut Academy) me deram uma base muito boa!

Provavelmente sem o simulador eu começaria virando 2:20 ou 2:30. Mas com ele, aprendi a trajetória de corrida, trailbraking, a ser suave no freio e no acelerador, e o mais importante: a me posicionar na pista durante a corrida. O grande risco do Lemons é a grande variação que existe entre os carros. Em alguns momentos eu estava freando, torcendo para não ter atrasado muito a freada, e vem um outro carro por dentro ainda acelerando! Alguns carros chegam tão rápido em carros mais lentos que esses não os veem e tentam fazer a trajetória normal de curva. Aí fecham a porta em cima do carro mais rápido e batem.

Isso aconteceu comigo durante a corrida — um carro mais lento fechou a porta quando eu já estava lá dentro. Tive que ir forte nos freios e não encostamos por uns 30 cm. No simulador, aprendi a defender a posição ocupando o lado de dentro da curva. Na pista, por ser uma corrida longa e com muita variação entre os carros, eu ficava do lado de fora da curva quando um carro mais rápido se aproximava e o deixava passar por dentro. E ultrapassava carros mais lentos por fora, e outros detalhes de posicionamento. Nisso tudo, as horas no simulador ajudaram demais!

A história é essa. O resultado final realmente não me importa. No domingo corremos do meio dia à 17h, pouco mais de uma hora cada um, ficamos em 36º com 303 voltas concluídas (o primeiro lugar deu 401 voltas!). Teríamos ficado em melhor posição se não fosse pela quebra da polia. A equipe tinha esperança de vencer, pois apesar do prêmio ser de apenas US$ 500 — os vencedores também não precisam pagar pela inscrição da etapa seguinte, e isso vale uns US$ 2.000.

Fico pensando se seria viável criar uma categoria assim no Brasil. Carros de até R$ 20.000, talvez, divididos por quatro pilotos. O fim de semana também me confirmou algo que eu já havia percebido. Numa pista, você se diverte muito com qualquer carro! Ninguém precisa de um Porsche para se divertir muito. Com um golzinho velho, tendo bons pneus e freio, da para passar horas incríveis. Meu receio é com toda a burocracia que gostamos tanto no Brasil, a CBA iria exigir carteiras de piloto e outros fatores que encareceriam muito o evento. Na Lemons, sé me pediram minha carteira de habilitação. Burocracia zero!

Espero ter passado um pouco da emoção e do aprendizado deste que foi um dos melhores finais de semana que já tive!

 


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