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Uma tarde com Toni Bianco | Flatout Entrevista

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Nosso país, como sabemos, tem memória curta. E para piorar, damos pouquíssimo valor ao que fazemos. Nossos carros são carroças, nossas escolas são as piores, por algum motivo que desconheço, a NASA, que pesquisa viagem no espaço, devia parar com isso e nos estudar. Não me pergunte o que uma coisa tem a ver com outra, porque não sei explicar.

Ao visitar Ottorino “Toni” Bianco, hoje um simpático senhor de 89 anos, com sotaque italiano ainda intacto mesmo depois de 69 anos no Brasil, vivendo numa casa no bairro das Perdizes em São Paulo, esse nosso complexo de vira-lata me pareceu extremamente aparente. Porque uma pessoa como Toni Bianco deveria ser muito mais conhecida do que é. Reverenciado até.

Um artista autodidata de carrocerias. Um preparador de sucesso. Um criador de carros de competição de primeira linha. Um engenheiro automobilístico de imensa habilidade, sem ter o título oficial. Italiano de nascimento, mas brasileiro de coração, Toni Bianco pode ser hoje esse velhinho simpático das Perdizes, mas é também mais que isso: um pioneiro e um dos maiores nomes do carro genuinamente brasileiro. Sim, eles existiram, uma quantidade desproporcional deles saídos da cabeça e das mãos de Toni Bianco.

Toni Bianco em seu escritório. Lá fora pode-se ver o teto de seu carro.

Toni começou a trabalhar com automóveis na famosa oficina paulistana de Oliviero Monarca, que criava carrocerias exclusivas para quem pudesse pagar, nos anos 1950. Com os Losacco e com Chico Landi fez carros de corrida, como o famoso Fórmula Jr com mecânica DKW. Fez parte da famosa equipe Willys de competição, onde criou os Bino, e o monoposto Gávea. Criou 4 dos mais belos e incríveis carros de competição dos anos 60, os Fúria, com 5 motorizações distintas. Fez um GT para a FNM, e em seguida um carro de rua com o desenho do Fúria: o único que levou seu nome, Bianco.

Criou o Fiat X1/9 nacional, chamado Dardo. Uma versão nacional para a Renault Espace chamada Grancar Futura. E, já aposentado, quando todos achavam que nada mais sairia dele, construiu carros inteiros em sua pequena garagem de uma vaga: uma réplica do Carcará. Do Fórmula Jr. Uma réplica de Cisitalia 202. Uma carroceria para um Maserati 4CL 1937. Não feliz com tudo isso, criou um novo Bianco, o Bruna (nome de sua neta), usando mecânica de Hyundai i30.

Tudo em alumínio batido a mão, pacientemente. Sozinho, em sua garagem, sem moldes ou ferramentas sofisticadas. Apenas martelos, uma habilidade incrível de transformar metal, e muita paciência. Praticamente um artista do automóvel, que nunca para ou se cansa.

Passamos uma hora e meia agradabilíssimas com ele numa tarde chuvosa de segunda-feira, onde se mostrou uma pessoa apesar disso tudo simples, generosa, divertida. E, apesar de todas as mágoas, feliz. Uma lição de como envelhecer bem apesar de todos os percalços da vida.

 

O Início

Toni Bianco veio jovem para o Brasil, mas sem nenhuma especialidade. Acabou na lendária oficina de Oliviero Monarca em SP, onde aprendeu o ofício de Carrozzieri, algo que nunca mais o abandonou. Também aprendeu tudo sobre competições e motores com os Losacco, e Chico Landi. Com uma habilidade fora do comum, começa uma carreira como construtor de carros, principalmente de corrida, na era de ouro das competições nacionais.

Flatout: O Sr. poderia começar dando um conselho á quem começa na carreira de engenheiro de automóveis?

Toni Bianco: Olhar, estudar é uma coisa, fazer, é outra coisa, bem diferente!

Eu já vi muita coisa na vida, mas nunca fui obrigado a fazer algo que não queria. Eu faço o que está dentro da minha cabeça, dentro dos meus olhos.

Deus me deu uma coisa muito bonita… eu não preciso desenhar o que eu quero fazer. Eu vejo já através da minha cabeça, na minha vista, o que quero fazer. Eu vejo antes de começar, o que tenho que fazer. Deus me deu isso, e eu carrego isso até hoje. Mesmo com 89 anos, que vou completar em breve.

(Toni se levanta para mostrar as fotos e miniaturas de seu escritório.)

Em cima da caixa de vidro, o modelo do Fúria. Toni começa assim, com uma miniatura em arame soldado.

 

Olhe este modelo: é uma miniatura do Fúria (o carro de corrida dos anos 1970 que deu origem ao desenho do Bianco). Fazer tudo isso, com arame soldado com maçarico, não é fácil. Não é para qualquer um. E é como eu faço meus carros: primeiro soldo tubos no formato, depois faço o alumínio para cobrir tudo.

Olha aqui esta foto: este é o primeiro Fúria  que deu origem à carroceria , com o qual corria o Jaime Silva (Com motor FNM 2150). Este é o BMW (motor 4 cilindros do 2002), que era do Agnaldo (de Góis Filho). Este é o Ferrari, que era do Camilo Christófaro. Motor Ferrari de doze cilindros. Este daqui é o Fúria Lamborghini, doze cilindros. E este aqui embaixo é o Bianco.

Toni mostra a foto dos quatro Fúria de competição, e o Bianco abaixo.

TB: Nesta outra foto estamos o Eugênio Martins, eu, magro feito um palito, e o Bird Clemente.

Flatout: Um Studebaker Lark atrás!

TB: Vemag era distribuidora Studebaker também, aí você vê. Esse é o primeiro Fórmula Junior, o número 1, com o Eugênio Martins dentro, com motor DKW. Fiz cinco carros desses, com motor DKW e motor do Renault (Dauphine).

O primeiro Fórmula Jr

Esse certificado eu ganhei do governo italiano, é assinado pelo presidente italiano, Giorgio Napolitano. Esse é outra coisa que ganhei no RJ, o capacete de prata. O meu é prata, ganhei quando Emerson ganhou o de ouro. O próprio Colin Chapman que me deu. De prata para mim, de ouro para o Emerson.

(Toni mostra mais fotos na parede) Este é o carro número 1, o meu primeiro, que fiz, no Monarca (oficina de Oliviero Monarca, em SP). Era em aço, não alumínio. Dentro dele está o Celso Lara Barberis. Esse aqui era um Maserati, e eu coloquei um motor Corvette.

O Monarca de Celso Lara Barberis: primeiro de Toni

Flatout: Eram os fórmula Continental, que usavam motores americanos, correto?

TB: Isso. O motor era sempre Chevrolet.

Flatout: o Sr. aprendeu a fazer carrocerias no Monarca?

TB: A primeira batida de martelo foi lá, no Monarca. Isso foi no ano de 1954, aproximadamente.

Flatout: Com quantos anos o Sr. veio da Itália? Já tinha alguma experiência com carros?

TB: Em vim com 20 anos, e comecei no Monarca aos 22 anos. Não tinha experiência nenhuma, vim com uma mão na frente outra atrás.

Flatout: O Sr. Veio para cá depois da guerra então?

TB: Sim. Cheguei em 1950. Fui para Ribeirão Preto. … Lá conheci dois italianos. Pelo menos era gente que eu podia conversar, não falava português. Eles me disseram: a nossa ideia é fazer casas de madeira no Sul, onde é frio. Tem muitas casas lá feitas em madeira, com frestas entre as tábuas por onde entrava um vento danado… Aí, meu amigo, eu fiz casa em Londrina, Arapongas, Apucarana, Peabiru… Fiz todas aquelas cidades. Batendo martelo. Um trabalho duro, horrível. Aí voltei do Paraná e comprei dois carros de praça. Eu tinha um ponto na Praça da República, e fazia lotação para Pinheiros. Minha vida é uma história!

Queriam fazer um livro, mas eu não deixei. Não vale a pena. Mandar fazer um livro para quê? Vai ficar com quem? Depois de feito vão mijar em cima ainda…

Flatout: Que é isso Seu Toni… É uma forma de registrar a história. Mas voltando ao assunto, como começou isso de ir trabalhar para o Monarca?

TB: O Monarca, sabe porque eu conheci? Na pensão que eu morava estava também o irmão do (Oliviero) Monarca. Se chamava Mario! Mario Monarca.

(apontando a foto na parede) Este é o primeiro carro, que ninguém achou. O segundo carro, acharam e foi reformado. Me pediram para assinar, eu assinei, mas não tem nada a ver comigo. Quem desenhou esse carro foi o Anísio Campos.

Flatout: Espera um pouco, o Anísio na Monarca?

TB: Sim, eu conheci o Anísio na Monarca! Entrou dois meses antes que eu.

Flatout: Que coisa incrível! Então o design nacional de automóveis nasce aqui, com o Sr. e o Anísio, na oficina de Oliviero Monarca, nos anos 1950?

TB: Isso aí. Nasceu aí.

O segundo Monarca, restaurado, hoje. O desenho, segundo Toni, é de Anísio Campos.

A gente fazia em alumínio. Mas ninguém sabia soldar alumínio. Quando fiz o carro do Luiz Américo Margarido (outro chassi europeu monoposto com motor Corvette) – ele está hoje com 97 anos, vivo ainda – fiz tudo em alumínio, mas não sabia soldar. Feito lá nos Losacco, ali na foto você pode ver o Vitor Losacco.

Esse outro eu fiz para o Cyro Cayres. Com esse aqui que ele matou a Miss Bangu.

Flatout: Espera um pouco, como é que é?

TB: Saiu a roda traseira, ela estava num lugar na (curva) três onde tinha um aviso enorme que não podia ficar ninguém lá. Não é que a roda saiu e pegou ela? A panela do freio pegou bem no meio da cara dela. Tirou metade!

Flatout: Nossa! Que coisa horrível. Mas voltando ao assunto, o Sr. não sabia soldar alumínio…

TB: Então, eu tinha feito a carroceria inteira e falei: e agora? O Vitor (Losacco) estava lá com o irmão dele, que chamava Nicola, que era o soldador lá da oficina. Aí ele disse que ia me ensinar a soldar. Pegou o maçarico e foi me ensinar. Mas fazia cada buraco que vou te falar! Ele também não sabia nada de soldar alumínio! Foi tentando, tentando até uma hora que conseguiu fazer um pouco de solda. Foi ali que eu vi qual era o ponto de trabalho. Tem que andar com as duas mãos juntas, a do maçarico e a da vareta. Dali em diante fiz tudo eu mesmo, até a solda.

Flatout: Vocês faziam o carro em chapa batendo a mão em cima do quê? Existia um modelo em madeira?

TB: Não, não tinha modelo. Eu tenho até hoje, um toco de madeira e uma mesa de aço. Vamos lá fora que mostro para você.

(Toni nos leva até a oficina lá fora, minúscula, no fundo da garagem de uma só vaga, ocupada pelo Bruna, seu último carro. Lá  mostra o tal toco de madeira. Fora o toco, e uma pequena mesa de aço, vemos apenas equipamentos de solda a eletrodo e oxi-acetileno, uma bigorna, uma furadeira de bancada, e um motor elétrico com serra de um lado, e um rebolo do outro. Criar um carro inteiro aqui beira o inacreditável, se não estivéssemos falando de Toni Bianco.)

O toco de Toni Bianco. Carros inteiros saem dele.

TB: Olha aqui, é aqui que bati a chapa do carro inteiro.

Flatout: Meu Deus. O carro inteiro saiu desse toco?

TB: A carroceria inteira.

Flatout: E a simetria de um lado para o outro é no olho e na mão?

TB: Sim.

Flatout: Isso é arte, Seu Toni. Isso é mais que simples habilidade técnica. Isso tem um nome. Se chama arte!

TB: Essa foi minha vida. De Carrozzieri! Eu não tenho nenhuma máquina. Tenho solda elétrica, e solda oxi-acetileno. O Alumínio eu soldo com oxigênio/acetileno, eu não tenho TIG, MIG, essas coisas. Nunca tive dinheiro para comprar.

Flatout: O Bino foi o Sr. que fez também?

TB: Também é meu. Fiz ele lá na Willys.

Não era empregado, mas trabalhava para eles. Antes da Willys eu estava na Indústria de Automóveis Brasil Ltda, que montei com o Sr. Chico Landi. Éramos só nós dois na empresa. Aí nem eu nem o Chico tínhamos dinheiro. O Chico falou: vamos colocar mais dois sócios aqui. Foi o que fizemos. Entrou o Eugênio Andrade Martins e o (Luís Antônio) Greco. Eu trabalhava o dia inteiro feito louco fazendo escapamento, dupla carburação, um monte de coisa assim. Os caras ficavam lá em cima, nas cadeiras, olhando-me trabalhar. Eu consegui fazer uma dúzia de kits para Gordini. A gente aumentava a cilindrada para 1400 cm3, como seria depois o Corcel. Fiz esses kits, com dois carburadores, escapamento, tudo, carreguei no meu Fusca, fui para Brasília e vendi tudo! Voltei com uma puta nota no bolso!

Quando cheguei os três continuavam lá em cima nas suas cadeiras. O Eugênio veio e disse: Toni, quanto recebeu nisso? Disse para ele: deu algo em torno de 10 mil cruzeiros. Ele: me passa todo o dinheiro. Dei o dinheiro ele sumiu com ele. (risos) Ele era um cara sossegado…

 

Furia-FNM GT, e Bianco

Depois de alguns anos na Willys, Toni fez o Fúria, talvez sua criação mais famosa. Um belíssimo carro de competição com chassi e carroceria fabricadas por ele, o carro mostrou a todo mundo as habilidades de nosso amigo. A FNM o contata para produzir um cupê com a mecânica do 2150. Toni cria um cupê em aço,  que aparece em várias revistas e parece pronto para a produção. Chamava-se Fúria-FNM GT. A ideia era copiar a carroceria em fibra de vidro e produzir em série, mas a empresa não vai para frente. Em seguida, resolve fazer um Fúria “de rua”: adapta o belíssimo desenho de seu carro de competição para a plataforma VW refrigerada a ar. Nasce o Bianco, único carro que levou seu nome.

O Fúria-FNM GT

Flatout: Uma coisa que sempre quisemos saber: Quantos Furia-FNM GT foram feitos?

TB: Um só! Esse tem só um no mundo. Era vermelho originalmente, hoje é prata, ainda existe. Era para ser fabricado em série, mas não foi em frente devido a um sócio. Foi depois do Fúria que fizemos o Bianco.

(Saímos para a garagem, onde encontramos um Bianco vermelho no corredor, na frente da garagem de uma vaga que guarda o Bruna, sua última criação)

TB: Este aqui é o meu Bianco.

Flatout: Que coisa linda é esse carro.

TB: Este aqui é meu, não vendo não troco… vai ficar aí, para mim.

Flatout: Vou falar uma coisa para o Sr… Desde que vi um pela primeira vez acho o carro mais bonito já feito aqui no Brasil. E não mudei minha opinião até hoje.

TB: E você vê, é um carro de 40 anos de idade. Foram feitos mais de mil carros.

Este aqui eu testei a pouco tempo na Castelo Branco. A polícia me pegou a 173 km/h.

Flatout: O Sr. Tomou uma multa a 173 km/h com esse Bianco?

TB: Sim, faz menos de um ano. A polícia me parou, e o guarda me passou um pito. “Um senhor da sua idade, de cabelos brancos, andar a 173 Km/h! O senhor já não é mais um menino!”

Eu disse: Commendattore! Não vamos brigar. Eu sei que estou errado. Aí ele pediu a documentação. Dei os documentos e ele viu: Um Bianco dirigido por Ottorino Bianco… tem algo errado aqui. Não pode ser!

Flatout: Ele não acreditou!

TB: Aí ele ligou na central. Alguém lá disse para ele: Esse é o Toni Bianco, o carro foi ele que fez! Ele me deixou ir embora com uma advertência, me deu parabéns pelo carro… Ficamos amigos.

Flatout: Que história incrível. Mas 173Km/h, este carro está com motor mais forte?

TB: Não, é o 1600 de dupla carburação, original. Mas esse carro anda muito, é leve, tem boa penetração aerodinâmica.

Comprei um kit de injeção eletrônica para ele. Mas tá no aeroporto, uma hora chega aqui. Coloquei um volante de madeira. Ele usa o assoalho VW completo, sabia? A Puma cortava, eu não. O entre-eixos é longo.

O Fúria original tinha chassi próprio, claro. O Fúria Lamborghini, eu fiz aquele carro em 19 dias e 19 noites, praticamente sem dormir.

Flatout: Essa mecânica veio de um Miura que sofreu um acidente, correto?

TB: O cara era um amigo nosso, trabalhava lá junto com o Vittorio Massari (da Camionauto, onde nasceram os Fúria de corrida). Ele comprou esse Miura. Não tinham inaugurado ainda a Castelo Branco, mas ele foi dar uma volta lá. O Vittorio falou para ele tomar cuidado; o carro tinha muito motor, parecia que ia chover e tal. Dito e feito: pegou um verdadeiro lago no fim de uma descida, aquaplanou e de uma pista foi parar em outra. Caiu num buraco de quase 70 m de altura.

O cara quebrou só um dedo! Eu desci lá embaixo para ver o que sobrou, para ver se salvava a mecânica. Aí esse motor e câmbio, que eram uma peça só, foram parar no Fúria. O motor tinha doze cilindros, transversal. Uma engenharia que nunca mais vi igual. Uma coisa sensacional. Mais de 300 cavalos, o que na época era uma coisa incrível!

O Fúria-Lamborghini: bem modificado

Flatout: E coube no Fúria?

TB: Fui obrigado a alargar. Alarguei ele pacas, o carro é bem diferente. Bom, cada um deles é diferente um do outro. Carro de corrida é assim.

 

Dardo

Flatout: Seu Toni, fale um pouco do Dardo, por favor, como foi que aconteceu?

TB: Foram feitos 500 e pouco, 509 acho. Em 1986 acabou. Em uma dessas crises que sempre temos por aqui, fechou. Estava indo bem. O meu sócio era o Bruno Caloi, aí ele disse: antes de falir a Caloi, é melhor falir a fábrica do Dardo.

Dardo F1.3

Flatout: Como apareceu a ideia de fazer o Dardo? Foi sua?

TB: Pouca gente sabe essa história, e muita gente torce as palavras. Quando terminou o Bianco, fui trabalhar com Chico Landi, mas ele também não tinha mais trabalho. Falei para o Chico: sabe o que vou fazer? Vou montar uma oficina. Funilaria e pintura. Onde mora o Jaime Silva hoje, aqui perto, ele tinha uma oficina encostada na minha, eu aluguei encostado na oficina dele. Tinha uma porta por onde passávamos de um lado pro outro. Trabalhei 3 meses com o nome bonito na fachada: “Bianco Funilaria e Pintura”. Não apareceu um puto! (risos)

Eu tinha que pagar um empregado, aluguel…O que podia fazer? Única coisa que podia fazer era vender. Foi aí que apareceu o Bruno Caloi. Na verdade, veio um secretário me visitar. Ele me disse: “O Sr. teria vontade de fazer um carro novo para o Bruno Caloi, com motor Fiat?” Perguntei: vocês têm desenho, alguma coisa do carro já? Ele disse: não, não temos nada.

Era setembro. A ideia era que eu viajasse, junto com esse secretário, para o Salão de Torino (Turim), que era em outubro, me lembro bem. Eu falei: eu vou!

Vendi a oficina para o Affonso Giaffone, que era muito amigo meu, e corria com aqueles carros seis cilindros Chevrolet. Falei: bom, vendi o negócio, estou com um pouco de dinheiro, o Bruno Caloi me pagou passagem, me deu dinheiro para viajar… Fomos para Torino, eu e o tal secretário.

O Fiat X1/9 original

Quando lá eu vi o Fiat X1/9, eu já disse: o que dá para fazer com a mecânica do 147, com um chassi que eu vou fazer, é o X1/9. É isso.

Para a Fiat isso vai ser uma maravilha. Quem lançou aquele carro na época, na Itália, foi o Emerson, em 1972. A essa altura o Bruno Caloi, não estava mais aqui, estava com uma mulher lá… Um puta mulherão.

Flatout: (risos) Como assim Seu Toni?

TB: Foi assim: depois do salão, à noite, estava eu e o secretário. Falei para ele: não vamos dormir, vamos sair, ir em algum lugar. Nós descemos e ficamos nos bancos na varanda do hotel, onde tinha um bar. Eu já pedi um uísque. Aí tinha uma moça bonita do meu lado, mas ela não falava nem italiano, nem português. Mas não sei como, transmiti a minha ideia a ela, sé é que me entende. Já estava pronto para levar ela embora.

Aí chegou o Bruno Caloi e me disse: Toni, o que está fazendo aqui? Eu disse, meio que sinalizando a moça, estou aqui tomando uma seu Bruno… E tentando conversar com a moça aqui, mas ela só fala inglês. Ele: pode deixar comigo que eu falo inglês. Começou conversar com ela, e tal… dali a pouco virou para mim e disse: Toni, quanto dinheiro vocês ainda têm aí? Seu Bruno, acho que sobrou uns 2 mil dólares, dos 5 que o Sr. nos deu.

Então faz o seguinte: me dá aqui esses 2 mil dólares. Vocês dois podem ir embora para o Brasil amanhã mesmo. Nós viemos embora, e ele ficou lá 3 meses com a mulher! Foi para as ilhas Canárias, foi para tudo quanto é lado! (risos)

Flatout: Mas e aí, vocês importaram um carro para copiar aqui?

TB: Não, tinha um aqui no Brasil, batido! Peguei esse batido, endireitei ele. Com massa! Que nem os americanos com aquelas espátulas! Eu vejo no canal Discovery, o tanto de massa que usam! Olha esse carro aqui (apontando o Bruna): não vai nada de massa plástica! Mas nesse caso, para o que era…

Desse carro nós tiramos o molde do Dardo. Trabalhávamos no segundo andar, na fábrica que o Caloi tinha, que fabricava caminhão tanque, carrocerias para caminhão. O nome da fábrica era Corona. O Bruno Caloi separou esse segundo andar para a gente trabalhar no projeto. Mas o espaço era pouco, e quando acabamos os moldes tivemos que quebrar parede para tirar tudo de lá! (risos)

Tiramos dois carros de lá, um em fibra e o consertado com massa.

Dardo F1.5, série 2, com faróis “de 928”

Flatout: O Sr. desenhou o chassi do carro também?

TB: Sim, fiz o chassi também. O chassi era todo estampado, igualzinho o do X1/9. Nele ia a mecânica do 147, agora atrás e não na frente, para tração traseira. Freio a disco nas 4 rodas, já naquela época! Desenhei todo o chassi e mandei estampar.

Na dianteira os amortecedores do Fiat eram muito grandes, então eu mandei a fábrica de amortecedores em Mogi Mirim (provavelmente Monroe, agora Tenneco) tirar 10 cm da altura, e pronto.

O (Abraão) Kasinski, da Cofap, também era muito meu amigo. Uma vez ele me disse : Olha você vai ficar uns 20 dias sem amortecedor aí na fábrica. Falei, Commendattore, vai dar briga. A gente estava fazendo 25 carros por mês. Tinha um monte de carro pronto.

Flatout: Mais de um carro por dia!

TB: Tínhamos três moldes de chassis trabalhando o dia inteiro, o chassi era todo soldado a MIG. Molde de carroceria também tivemos que fazer mais um, depois daquele primeiro lá do segundo andar. Eram 95 pessoas trabalhando. Aí veio aquela merda daquela crise, e não foi para a frente. Fechou.

 

Grancar Futura

Depois do Dardo Toni Bianco ainda foi instrumental na criação da primeira Minivan nacional, a Grancar Futura, baseada na mecânica dos Ford Del-Rey 1.8 da Autolatina. Era um carro claramente inspirado na Renault Espace, e aqui Toni nos explica o como e o porquê. A empresa, com a abertura das importações em 1990, não durou muito.

Grancar Futura

TB: Depois do Dardo veio a minivan. Eu fiz 159 minivan. Todas vendidas a 30 mil dólares cada uma.

Era uma fábrica com 5 mil metros! Ali perto do Palmeiras.

Flatout: E como surgiu a ideia da Futura?

TB: Foi coisa do Eugênio Andrade Martins. Eu estava fazendo a dupla carburação para um carro dele. Aí depois eu consegui fazer a minha primeira turbina, para esse carro.

Aí apareceu o Armando George Neto. Ele era dono da Grancar (uma concessionária Ford) aqui na Lapa. Ele ia sempre lá conversar com o Eugênio. Um dia ia de Porsche, outro dia de Ferrari… O cara tinha todo tipo de carro. Um dia ele bateu a Ferrari. Eu a arrumei para ele, e os dois começaram com essas ideias de fazer carro comigo.

Ele e o Eugênio tinham andado com a perua Renault Espace aqui no Brasil, que alguém trouxe. Eles tinham algum negócio com a BMW e iam para a Europa para tratar disso. Lá compraram uma perua Espace, e mandaram de avião para cá, pagando uma fortuna.

O Renault Espace original

Chegando aqui deixaram o carro comigo por 3 dias, para tirar medidas gerais, para ver que tipo de peças nacionais podíamos usar. A Futura teria uma carroceria autoportante, sem chassis. Para fazer aquilo fiquei quase maluco! Mas consegui.

Era um chassi paralelo, embutido dentro da fibra. Virava o molde da carroceria, enfiava dentro o chassi pronto. Aí laminava-se por cima do chassi. Era um sanduíche de fibra com aço. As colunas eram todas em fibra. Mas tinha um chassi de aço por baixo.

A mecânica era Autolatina, com motor VW milleoito (1800, o AP 1.8). Mas o motor era fraco para aquele carro grande. Aí pegamos um japonês, que não lembro o nome, e ele fazia o motor dois litros, e dois e cem. Com o 2100 ela andava pacas!

Venderam 159 carros e eu não ganhei um puto. Tinha 2% de cada carro. Mas não peguei um puto sequer. O George Neto foi preso, e depois saiu. Ele tinha dois aviões, um jato e um bimotor. Aí ele disse para mim: Toni, vamos para o Paraguai. Eu disse: não, vai você, eu fico aqui. Nunca mais soube dele. Eu tinha 2% dos carros, ou seja, 200 mil dólares perdidos ali. Aí entrei com um processo, orientado pelo Eugênio Martins. Na primeira instância ganhamos, mas na segunda perdemos tudo…

(Toni Bianco mostra grande ressentimento sobre o episódio do Futura. Não deve realmente ter sido fácil, no fim da carreira profissional perder tanto dinheiro assim, depois de tanto trabalho. Mas logo esquece isso e volta ao seu assunto preferido, o Bruna)

 

Os carros da aposentadoria

Toni Bianco, mesmo aposentado, não terminou sua história. É contatado por Paulo Afonso Trevisan, empresário que mantém o Museu do Automobilismo Brasileiro, na cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, para criar algumas réplicas perfeitas de carros perdidos para sempre, como o Fórmula Jr e o recordista de velocidade da DKW, o Carcará. Acontece algo incrível então. Toni Bianco começa a fazer carros inteiros, do zero, no fundo de sua pequena garagem, sozinho, sem ferramentas quase. Faz não somente esses dois, mas também uma réplica de Cisitalia 202, e a carroceria de um Maserati 4CL 1937 de corrida. Não satisfeito, findas as encomendas de Trevisan, resolve fazer mais um carro, agora moderno, para si mesmo: o Bruna, nome de sua neta mais velha. Usa mecânica de Hyundai i30, agora entre-eixos, e é, como todo carro feito naquela garagem, uma obra de arte em alumínio. Só que também é um carro totalmente funcional.

TB: Estas fotos aqui são os últimos carros, feitos aqui na minha garagem.

Flatout: Esses foram feitos para o Trevisan?

TB: Sim, estão todos lá no museu dele. Este aqui foi o último que fiz aqui: a Maserati 1937. O chassi era antigo, eu fiz a carroceria do zero. O carro está em Passo Fundo no museu, pintado, uma beleza.

(Toni tira capa do Bruna para mostrar o carro)

TB: Este aqui é bonito: o Bruna.

Flatout: E ele é todo em alumínio batido à mão, correto?

TB: Todo em alumínio.

Flatout: E feito aqui nesta oficina?

TB: Aqui dentro, tudo. É apertado assim mesmo, não dá nem para se mexer quase. Mas com boa vontade você faz qualquer coisa.

É um carro bem curto, eu o fiz para ser ágil. Mecânica do (Hyundai) i30, só que entre-eixos. Até o painel de instrumentos é dele. Vou ligar ele, faz vinte dias que não faço isso.

Flatout: A réplica do Carcará foi feita aqui também?

TB: Foi. Tudo feito aqui nessa oficina pequena. Não tenho outro lugar maior.

(Toni conecta a bateria, e liga o carro, que pega de estalo. O barulho é instigante, não parece um i30, pelo escapamento diferente, feito por ele também, claro. O carro é extremamente profissional em todo detalhe de acabamento, inacreditavelmente feito por um velhinho em uma garagem minúscula perdida na grande cidade de SP)

TB: Esse escapamento eu fiz aqui também.  Isso aqui anda para caramba!

Flatout: Imagino, pequeno assim, com esse motor dois litros, forte…

TB: Tenho agora é que colocar pneus menores na frente. Hoje está com seção 215 nas 4 rodas, precisa ir para 195 na frente. Vai ficar melhor, mais ágil. Peso é bem maior atrás, afinal de contas.

O “estampo” da grade do Bruna

TB: (Mostrando a grade do Bruna) Isso foi feito tudo a mão, em metal. Se você visse o estampo não ia acreditar. Olha, ele está aqui, é isso (mostra um pedaço de aço comum de meia polegada de espessura). Nessa quina fui dobrando de pouquinho a pouquinho.

Dá uma olhada no tanque de combustível que fiz, de 55 litros. A bomba de combustível do i30 vai montada aqui (desmonta a bomba e nos mostra, devolve ao lugar).

O radiador e ventilador são do i30. O ABS e o freio são do i30. Aqui nessa caixinha de alumínio tem o macaco e chave de roda. O para-brisa é de Peugeot (206 conversível). O limpador de para-brisa, de um braço só, eu que fiz também. Tirei o ar condicionado: é conversível, não precisa!

Flatout: O carro é um wireframe de arame, coberto por chapa de alumínio. Exatamente como Touring Superleggera!

TB: Esse carro tem um chassi como o do Bino. O Bino ganhou 47 corridas. Nunca teve problema de chassi. O mesmo chassi dele está aqui. É um duplo Y, um tubo grande aberto nas pontas. Depois tem outros tubos, claro, mas a base é essa.

(Olhando as fotos dos carros feitos na aposentadoria, para o Trevisan, que adornam as paredes da pequena garagem, Toni muda de assunto novamente)

Mas trabalho para fazer mesmo foi aquela Maserati 1937. Fazer aquela grade na mão… que trabalho. O carro era apenas um chassi do Trevisan quando veio para cá, fiz ela toda.

O Carcará original tinha chassi meu: Fórmula Jr. O Anísio fez a carroceria. Em Matão, no galpão do Rino Malzoni. A réplica, que fiz aqui para o Trevisan, Carcará II, é todo meu…

E essas são as minhas loucuras! (risos) As Loucuras do Toni Bianco!

 

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