Você olha para o Golf acima, e pensa que o seu dono tem algo de palhaço no sangue – ou é dono de desmanche. Porque você pode até ver uma Brasília azul com uma porta amarela (e logo pensa, acquired in robauto corp.), mas um Golf com cada uma de suas partes removíveis de uma cor? Peraí. Ou é propaganda da Benetton, ou é sacanagem.
Ou é simplesmente uma das coisas mais bizarras e bacanas que a Volkswagen fez: a série Harlequin.
Antes de mais nada: o que raios é Harlequin? Bem, o Arlequim (em português) era uma espécie de palhaço que entretia o público nos intervalos das comédias itinerantes de improviso, muito comuns na França e na Itália entre os séculos XV e XVIII. Ele usava uma roupa de retalhos multicoloridos, e daí você começa a entender o motivo do batismo do Golf. Ele surgiu como um modelo de exibição, feito para apresentar ao público a carta de cores da linha Volkswagen da época. Só que o carro exposto começou a atrair o público, e ao perceber que as pessoas tinham realmente a intenção de comprá-lo a Volkswagen decidiu criar uma série especial.
Para fabricá-los, a Volks não teve muito trabalho: bastou pinçar da linha de produção modelos normais, pintados de uma das quatro cores-tema (Tornado Red, Ginster Yellow, Pistachio Green ou Chagall Blue), e fazer a salada com as partes removíveis de cada um deles – e claro, identificá-los com um código de chassi diferenciado.
Apenas algo entre 264 e 275 unidades foram produzidas (todas com motor quatro cilindros, incluindo a unidade de abertura do post, que recebeu um VR6 adaptado), muitas encalharam nas concessionárias — afinal, dizer que compraria é diferente de efetivamente comprá-lo — e outras foram repintadas de uma cor só, o que transformou a procura pelo Harlequin em uma caça ao tesouro para os entusiastas.
O interessante é que a idéia original foi aplicada no Polo, um ano antes. Com grafia diferente, o Polo Harlequin seguia exatamente a mesma lógica. Originalmente, 1000 unidades foram planejadas para produção; número que na prática superou as 3.800 unidades. A Volks queria limitar a série ao Polo, mas acabou a estendendo ao Golf ainda com o Polo Harlequin em produção. Bem, os números não mentem: o pioneiro foi um palhaço muito melhor sucedido. Mas cá entre nós? Mais feio também.
Antes disso, nos anos 1960, a Volkswagen já havia feito algo parecido com o Fusca, em um anúncio no mercado americano para mostrar como o besouro era fácil e barato de se reparar: você podia usar peças de outros anos-modelo que elas serviriam perfeitamente:
E aparentemente, o Harlequin inspirou o artista plástico Jarbas Lopes, que deixou o verde de lado e criou a obra chamada Troca-Troca (2002), exposta no Museu de Inhotim, em Brumadinho (MG). Ela se resume a três fuscas de cores diferentes com peças trocadas, exatamente o mesmo conceito do Harlequim, com praticamente as mesmas cores. Coincidência, plágio sem crédito, “olha eu aqui”? Tanto faz.
Agora, cá entre nós: como não lembrar do saudoso Benetton-Ford do final da década de 80/início dos anos 1990? O clique abaixo mostra Nelson Piquet testando o carro na pré-temporada de 1990, sua primeira pela Benetton. Naquele mesmo ano, com as mesmas cores, Piquet e seu amigo de adolescência, Roberto Pupo Moreno fariam a última dobradinha do Brasil na Fórmula 1.
Já quem é aficionado por carros raros (mais que isso, únicos), talvez se lembre do Gurgel Moto Machine multicolorido; ou do Citroen GS feito para comemorar o prêmio de Carro Europeu do Ano. Haja cores na paleta…
[ Fotos: VW Vortex (Golf no destaque), porta-luvas.com (Fuscas Troca-Troca) ]