Sim, a gente fala mesmo bastante sobre a cultura automotiva russa. É como um universo paralelo que deixa alguns vestígios por aqui: enquanto o Lada Laika é visão cada vez mais rara nas nossas ruas, do tipo que você fotografa para mandar para os amigos nos grupos de gearheads no Facebook e no Whatsapp, na Rússia eles são onipresentes, onipotentes e oniscientes (ou quase isto).
Mas talvez você se surpreenda ao saber que o Lada Laika não é o único carro que povoa as ruas da Rússia. Se você nos lê há algum tempo, vai reconhecer outro nome bastante comum por lá: Volga, GAZ Volga. Ou, em cirílico, ГАЗ Волга.
Também é conhecido como GAZ-21, o GAZ Volga foi lançado em 1955 e trouxe diversas inovações técnicas às ruas soviéticas – câmbio automático opcional, estilo moderno, inspirado na escola de design americana, parabrisa inteiriço, e não dividido em dois (sim, isto era novidade na União Soviética), além de um aproveitamento de espaço que era referência no “mercado”.
Ele tinha um quatro-cilindros de 2,4 litros com comando no bloco com apenas 96 cv que não era exatamente um motor potente, mas era muito robusto – tanto que acompanhou o o Volga por toda sua existência, ainda que outras opções fossem introduzidas ao longo dos anos (como um V8 de 5,5 litros). E olha que o Volga durou mais de meio século, e só saiu de linha em 2010!
O Volga ainda teve uma segunda geração lançada em 1967, e a mesma serviu de base para todas as outras “gerações” até o fim da linha. Por toda sua carreira, o Volga foi um dos modelos favoritos dos taxistas russos que, quando julgavam que os carros estavam cansados demais, os transformavam em carros de corrida para disputar a Dzintara Volga, uma espécie de Nascar russa para pilotos amadores.
Sendo assim, seria ignorância não colocar o Volga entre os ícones automotivos soviéticos. E uma preparadora russa chamada A:Level concorda com isto. Tanto que, no início dos anos 2000, decidiram prestar uma bela homenagem ao GAZ-12, o Volga original. Camaradas, eis o Volga V12 Coupe!
Esta belezura pode ser considerada um verdadeiro supercarro soviético, ainda que a União Soviética tenha se dissolvido em 1991 e que, na verdade, suas raízes sejam alemãs.
As medidas do Volga original comparadas às do V12 Coupe. Será que cabem alguns cadáveres no porta-malas?
A questão é que a A:Level é uma companhia que fica a cerca de 20 km de Moscou, a capital russa, que tem como marca registrada a exclusividade de seus projetos. De acordo com uma reportagem da Car and Driver americana, o carro foi encomendado por um homem chamado “Mr. DZ” (sua real identidade jamais foi revelada) e jamais haverá outro igual. E a A:Level só aceitou construí-lo por considerar uma ideia original o bastante.
A ideia, afinal, era transformar um BMW 850CSi – sim, o super grand tourer com um motor V12 de 5,6 litros, 380 cv de potência e 56,1 mkgf que se tornou um dos maiores ícones da fabricante bávara, do qual foram feitas 1.510 unidades no total. Não são muitos, considerando a produção total de mais de 31 mil unidades do BMW Série 8 entre 1989 e 1999, mas quem tem dinheiro o suficiente para transformar um esportivo de luxo alemão em um tributo a um dos carros mais populares da União Soviética não precisa se preocupar com este tipo de coisa.
Motor, câmbio, assoalho, suspensão e freios vieram do 850CSi, enquanto toda a carroceria foi feita sob medida. A únicas coisas que, de fato, vieram de um Volga original, foram os faróis e lanternas. Todo o resto foi feito à mão, usando martelos e bigornas, por uma equipe de cinco homens.
Foram gastas duas semanas em cada um dos para-lamas dianteiros, e mais de um mês para cada uma das portas. As chapas de metal são grossas, e o carro só compartilha com o BMW seu entre-eixos, sendo 6,6 cm mais largo, 7,1 cm mais longo e 4,8 cm mais alto. E 224 kg mais pesado, com 2.090 kg na balança.
Os vidros foram fabricados sob encomenda por uma empresa italiana, e o interior original do 850CSi foi todo revestido em Alcantara e madeira de bétula.
O valor investido por “Mr. DZ” no carro jamais foi revelado pela A:Level. E, aparentemente, eles não são tão restritos quando o assunto é reciclar ideias. Em 2006, outro cliente encomendou a eles um serviço parecido. Mas, em vez de transformar um BMW Série 8 em um Volga cupê, eles pegaram um 650i Cabriolet e os transformaram em um Volga conversível.
O motor do 650i da geração passada era um V8 de 4,8 litros e 367 cv, potência mais do que digna para um carro de 11 anos atrás. As formas do modelo, mais infladas e curvas, tornaram a transformação em um clássico russo dos anos 1960 um pouco menos harmoniosa, mas a execução, novamente, ficou impecável (ao menos para os padrões russos).
De acordo com a A:Level, pouco importa se a base do carro é alemã, italiana, britânica, ou que for: através do trabalho dedicado (e caro) de seus artesãos, eles transformam qualquer modelo em um carro genuinamente russo. E, se você quiser algo assim, não vai conseguir contatá-los de outra forma a não ser pessoalmente. E ainda corre o risco de eles te recusarem por não ter a mesma visão que eles – que se orgulham de recusar 80% dos clientes que os procuram.