À medida que os carros de corrida ficam mais potentes e mais rápidos, as normas de segurança da FIA e outros órgãos sancionadores ficam mais rígidas. Por mais que a gente sempre exalte os pilotos que corriam com toucas de couro e óculos em carros sem cinto de segurança, é algo perfeitamente compreensível: ninguém quer que pilotos morram em acidentes.
É por isso que, além de suas gaiolas de proteção e todos os equipamentos de segurança, a maioria dos carros de corrida têm restrições aerodinâmicas e mecânicas: para não ficarem rápidos demais. Em uma pista lotada de bólidos, tal preocupação faz todo sentido, não?
As competições de time attack são interessantes porque eliminam um dos fatores de risco: ter vários carros ao mesmo tempo no circuito. Cada um tem a sua vez, competindo contra o relógio, e o menor tempo vence. Com chances de acidentes reduzidas, as equipes têm mais liberdade para trabalhar a aerodinâmica e a mecânica dos carros.
Aqui mesmo no FlatOut temos vários exemplos de carros de time attack que nos deixaram de queixo caído, como os dois Subaru Impreza Gobstopper, o Lancia Delta com motor de Toyota Supra e o Honda Civic EK9 com um dos roncos mais absurdos que já ouvimos. As provas de time attack são bastante tradicionais no Japão, em circuitos como Fuji, Tsukuba e Suzuka, mas também são populares no Reino Unido e na Austrália. Aliás, é na Austrália que acontece uma das maiores competições de time attack do planeta: o WTAC – World Time Attack Challenge.
Realizado em Sydney, o WTAC reúne equipes de time attack do mundo todo no circuito de Sydney Motorsports Park. A edição 2017 rolou entre os dias 13 e 14 de outubro, e um dos carros que estiveram lá chamou nossa atenção antes de todos os outros. Se liga no vídeo abaixo e você vai entender rapidinho.
Este é o Nissan Silvia S13 a equipe MCA Suspension, com Tim Slade, que também corre na V8 Supercars, ao volante. O carro virou 1:20,971 nos 4,5 km de Sydney Motorsports Park. Foi o tempo mais veloz de toda a história do circuito, que foi fundado em 1990 e é um dos principais palcos da V8 Supercars. Sim, o Silvia de time attack é mais rápido que qualquer sedã da principal categoria do automobilismo australiano.
O carro é uma verdadeira demonstração de como o WTAC é uma competição democrática: o cupê japonês dos anos 1990 é quase um alien quando comaparado aos outros carros que participam. A grande maioria deles, na verdade, é de carros mais novos, com bodykits agressivos e quase sensuais a là Rocket Bunny, cambagem negativa no limite do exagero e, em alguns casos, até pneus stretched. A própria MCA Motorsports tem um Toyota GT86 com motor VR38DETT, o V6 biturbo do Nissan GT-R, bem mais alinhado com as tendências atuais de preparação e customização.
O Silvia S13 compete na categoria Pro, a principal, cujo principal atrativo é a preparação livre no motor. Peças da carroceria podem ser de fibra de carbono, as janelas podem ser de acrílico e o peso mínimo é de 1.200 kg, ou o peso do carro original de fábrica menos 20%. A potência raramente não passa dos 1.000 cv, e ainda permite sistema de injeção de óxido nitroso para aquele boost extra. Entre as poucas exigências estão a manutenção do assoalho original (impossibilitando a classificação de carros com estrutura tubular, por exemplo) e o uso de pneus semi slick Yokohama Advan A050.
No caso do S13, o motor é um SR20, quatro-cilindros em linha de dois litros com comando duplo no cabeçote muito robusto, e bastante popular entre os pilotos de drift. Com um turbocompressor Garrett 3582R e sistema de óxido nitroso, o motor é capaz de render mais de 750 cv com a pressão no turbo operando em sua capacidade mais baixa. Com comando duplo variável nas válvulas de admissão e escape, wastegate de 50 mm, deslocamento ampliado para 2,3 litros e pistões forjados, o fourbanger consegue atingir mais de 1.000 cv com facilidade.
Além de um conjunto aerodinâmico que inclui até mesmo um difusor traseiro para gerar efeito solo, o S13 da MCA Suspension tem uma estrutura extremamente rígida, toda amarrada por dentro, com direito a coxins sólidos no cofre do motor. Com isto, o carro como um todo absorve menos energia dos impactos que sofre o tempo todo com o asfalto, o que provoca uma vibração tão intensa que a câmera até parece fora de foco. Note, no vídeo, como a carroceria quase não rola, e é só nas curvas que percebemos que se trata de vibração. Imagine como o corpo do piloto sofre stress nesta situação. Estamos falando de um carro cerca de oito segundos mais rápido que um V8 Supercars no Sydney Motorsports Park.
E é só o começo. O segundo colocado na categoria Pro, por exemplo, foi um Porsche 968 com um enorme quatro-cilindros de três litros com turbo, 900 cv e carroceria de fibra de carbono. Seu tempo foi de 1:21,4.
Vídeo do RP 968 no WTAC 2016
Fora da categoria Pro (mecânica ilimitada, aerodinâmica quase ilimitada, pilotos profissionais), ainda, as categorias Pro Am (exatamente igual à Pro, porém apenas para pilotos amadores), Open (aerodinâmica limitada, mecânica irrestrita) e Clubsprint (aerodinâmica limitada e motores da mesma fabricante que o carro, com o mesmo número de cilindros).
O CRX na edição 2016 do WTAC
O nível é alto. Na categoria Pro Am, o primeiro colocado foi Robert Nguyen, da 101 Motorsport, que virou 1:26 com seu Honda CRX com motor de 2,6 litros feito com partes de K20 e K24, capaz de entregar quase 500 cv nas rodas dianteiras – com uma desvantagem de mais de 500 cv e um piloto que não ganha a vida com isto ao volante. Admirável.
Não fica muito difícil entender por que o WTAC é um dos eventos de time attack mais esperados do ano, frequentado por equipes de todos os cantos: é possível chegar com praticamente qualquer carro e qualquer receita. Há gente que até usa duas asas, uma na dianteira e na traseira, a fim de gerar o máximo de downforce possível por toda a carroceria. É bizarro, mas as regras permitem. E há precedentes até mesmo na Fórmula 1 clássica.
Em cima, o Scion tC de Chris Rado, que ficou famoso por sua estranha asa dinteira
Até mesmo o estacionamento do circuito vira ponto de encontro. Fãs de automobilismo aproveitam a oportunidade para ir até a corrida ao volante de seus projetos, e o local toma ares de evento. Dá até para ver alguns stancers, que marcam presença sem medo de serem chamados de posers.
Rola até um show and shine – um julgamento informal dos carros mais bacanas que colam no Sydney Motorsports Park. O vídeo abaixo, da edição 2016, dá uma boa noção do queremos dizer.
É claro que nem todos os carros que estão lá estacionados são o seu ou o nosso tipo de projeto, mas dá para ter uma noção do clima do WTAC. Eis um evento que poucos conhecem, mas que gostaríamos bastante de ver de perto algum dia.