Nós nunca vamos cansar de ver swaps de motores de moto em carros pequenos — especialmente os muito pequenos mesmo, como os kei cars japoneses. Normalmente eles são movidos por motores de 660 cm³ (ou seja, 0,6 litro) com potência limitada a, no máximo, 60 cv. Feitos para as apertadas metrópoles japonesas, eles costumam ser frugais e práticos e às vezes têm até um visual bacana, mas não são muito velozes. No entanto, como também são bem leves, um motor de moto esportiva debaixo do capô é capaz de operar verdadeiros milagres.
O personagem da vez é este Honda N600, vindo direto da Califórnia. Ele se transformou em um hot rod em miniatura graças ao motor V4 de 782 cm³ de uma Honda VFR800, que nos EUA é vendida como Honda Interceptor (os americanos não curtem muito os nomes alfanuméricos japoneses) — além, é claro, de outras modificações para que tudo funcionasse direitinho. E o resultado é de encher os olhos.
Só não entendemos onde estão as lanternas traseiras
Lançado em 1967, o N600 foi um dos primeiros automóveis produzidos pela Honda. Ele era, em essência, uma versão mais potente do Honda N360 — este, primeiro carro de passeio fechado da marca (o primeiro, para quem não lembra, foi o mini-roadster esportivo S500). O N360 era um kei car exclusivo para o Japão, equipado com um dois-cilindros de quatro tempos, 354 cm³ e apenas 31 cv. Para dizer a verdade, isto já fazia do N360 um carro com motor de moto: o motor era o mesmo da Honda CB450, porém com deslocamento reduzido para adequar-se à legislação japonesa. Na época, o deslocamento do motor de um kei car não podia ultrapassar os 360 cm³.
Acontece que, ainda que o N360 fosse forte o suficiente para o mercado japonês, mercados como a Europa e os EUA jamais aceitariam um carro com um motor tão pequeno. Por isso, simultaneamente, a Honda lançou o N600, que era praticamente idêntico exceto pelo motor. Este também era derivado do dois-cilindros da CB450, porém trazia deslocamento ampliado para 598 cm³ e arrefecimento líquido. Ele era capaz de entregar 36 cv a 8.000 rpm e 5,2 mkgf de torque a 5.000 rpm.
Para um carro que pesava apenas 500 kg, estava muito bom. De acordo com testes da época, o desempenho do N600 era comparável ao do Mini clássico, que na época era movido por um quatro-cilindros de 1,1 litro. O 0-100 km/h era cumprido em 19 segundos e a velocidade máxima era de 125 km/h — números que não fariam feio hoje, considerando o deslocamento reduzido do motor.
Só que não há nada tão bom que não possa ser melhorado. Especialmente quase 60 anos depois de ter sido concebido. É o caso do N600 de Dean Williams, californiano que comprou o carro no fim de 2011 com uma ideia bem clara na cabeça: transformá-lo em um carro rápido e divertido que, ao mesmo tempo, fosse estiloso e prático para usar na cidade.
Ele já nutria uma paixão especial pelo N600, pois teve um no colégio — um exemplar de 1972 que, apesar de totalmente original, garantiu a ele muita diversão na época da faculdade, no início dos anos 90. Quase 20 anos depois, Williams decidiu comprar outro N600 e, desta vez, usar a experiência que adquiriu com o tempo para tornar o desempenho do carro mais adequado a suas necessidades.
Depois de seis meses procurando, Williams encontrou um exemplar de 1970 que, apesar de não ter motor, suspensão ou pintura, trazia tudo o que ele precisava para dar início ao projeto: uma carroceria livre de ferrugem e todos os vidros no lugar. Todo o resto seria feito sob medida — e foi.
E tudo muito bem feito. Para começar, o layout original de motor transversal e tração dianteira deu lugar a algo mais entusiasta: agora, o motor V4 envia a força para as rodas de trás através da transmissão sequencial de seis marchas original da moto, com borboletas atrás do volante para as trocas. O assoalho foi todo refeito para acomodar um novo túnel central para o eixo cardã, que leva a força da transmissão até o diferencial traseiro Ford de 7,5”.
A suspensão toda veio do Mazda Miata, com subchassis dianteiro e traseiro e braços sobrepostos nas quatro rodas. Ambos os eixos foram estreitados em quase 25 cm para que as rodas pudessem se acomodar sob a carroceria do pequeno sedã. Sim, um sedã — porque, apesar de não ter três volumes, o compartimento de bagagem é completamente separado do espaço para os passageiros, que eram quatro.
Williams queria preservar esta configuração em seu carro. Assim, o interior foi modificado em estilo, com um painel todo refeito e acabamento “rústico”, porém de qualidade, mas ainda leva quatro pessoas. O porta-malas também continua sendo um porta-malas, e agora a tampa se abre pela lateral. Lá dentro, um novo tanque de combustível foi instalado.
Ao abrir o cofre, dá-se de cara com um dos detalhes mais interessantes: o tanque de combustível da moto foi aproveitado como uma cobertura para o motor. Apesar de sermos fãs de carros com a mecânica mais exposta, o resultado estético ficou mais interessante do que o daquelas capas plásticas que as fabricantes instalam nos motores modernos.
O motor debaixo do tanque também é bem especial: vindo da Honda VFR800, o V4 é notável por usar uma variação do sistema de comando variável VTEC.
Os cabeçotes têm quatro válvulas, mas apenas duas delas atuam até as 6.800 rpm. Então, o perfil do comando muda e o motor passa a trabalhar com todas as suas dezesseis válvulas — com kick e tudo!
Honestamente, gostamos bastante do resultado. Infelizmente não há vídeos do monstrinho em ação: o canao de Williams no YouTube só tem dois vídeos que mostram o carro ainda longe de estar terminado, com interior depenado e carroceria sem pintura. No entanto, eles são ótimos porque mostram mais detalhes do projeto — que é realmente admirável e deve ter ficado ótimo de se guiar.