Quer se sentir velho? Há 20 anos a Volkswagen apresentou o protótipo final do carro que conhecemos como Bugatti Veyron. Conhecido como Bugatti Veyron 16.4, ele foi apresentado em 9 de setembro de 2003 no Salão de Frankfurt como um modelo 2004, embora sua produção só tenha começado em 2005. Foi o começo da era dos hipercarros.
Pela primeira vez vimos um carro de mais de 1.000 cv — 1.001 cv, para ser mais exato. Pela primeira vez, um carro prometia ir além dos 400 km/h. E pela primeira vez um modelo produzido em série teria 16 cilindros, um sonho que Mercedes e BMW não conseguiram realizar.
A história do Veyron, contudo, começou quase 10 anos antes, quando a marca ainda estava sob o comando de Romano Artioli.
Artioli era um empresário italiano que entrou no ramo dos carros como representante da Ferrari no norte da Itália e no sul da Alemanha. Em 1982 ele começou a importar os modelos da Suzuki para seu país e, em 1987, ele se uniu a Paolo Stanzani, que havia sido engenheiro da Lamborghini, para refundar a Bugatti, marca que havia sido encerrada em 1952.
Sob o nome Bugatti Automobili SpA, eles produziram um supercarro com motor V12 quadriturbo, asa móvel e tração integral, com design assinado por Marcello Gandini.
Além do EB110, a Bugatti renascida por Artioli e Stanzani pretendia lançar também um sedã de alto luxo, como fora no passado o Bugatti Royale — um carro superlativo em todos os aspectos. Assim nasceu o conceito EB112.
Ele seria um sedã de quatro lugares com linhas traçadas pela Italdesign, inspiradas no clássico Type 57 Atlantic, da década de 1930. O motor seria um V12 de três litros e 460 cv que o levaria aos 300 km/h.
Parece pouco em 2024, mas lembre-se que, em 1993, o McLaren F1 era apenas uma promessa e os sedãs mais potentes do mundo mal chegavam aos 380 cv. A Ferrari 456GT, por exemplo, tinha 442 cv e somente os Mercedes-AMG feitos sob encomenda sobre a Classe S superavam essa marca.
O carro chegou a ser apresentado no Salão de Genebra de 1993, mas antes do seu lançamento uma forte crise econômica abalou a Europa e os EUA. Com isso, o EB112 nunca foi lançado e a Bugatti Automobili acabou falindo em 1995. Do EB112 restaram três exemplares, todos feitos pela Italdesign, mas somente um foi completado.
Ironia do destino
Um processo de falência não significa que a marca fica jogada em um canto, sem dinheiro para ser usada de alguma forma. O nome Bugatti era um ativo valioso e, como todo ativo valioso em um processo de falência, ele poderia ser vendido a alguém interessado em usá-lo de alguma forma.
Esse alguém era Ferdinand Piëch, neto de Ferdinand Porsche que, na época, ocupava os cargos de presidente do conselho e CEO do Volkswagen Group. Por volta de 1997, seu filho Gregor o estava convencendo de que seria um bom investimento familiar a compra de um Bugatti Type 57SC Atlantic. Pensando a respeito da compra, Piëch descobriu, “por ironia do destino” (como diria em sua autobiografia), que a marca estava a venda e ficou interessado. Em 1998, um ano depois, a Bugatti foi comprada pela Volkswagen.
Na mesma época, Piëch estava trabalhando nos motores em W da Volkswagen. Ele já havia apresentado o conceito W12 e estava também trabalhando nos motores W8 e W10, e já havia idealizado um motor W18. A Bugatti era a marca perfeita para eles. Sua intenção era restaurar a Bugatti novamente, fazendo dela uma marca de veículos de extremo luxo, sofisticação e desempenho — algo que os motores W18 trariam indubitavelmente.
Já no Salão de Paris de 2008 a Volkswagen levou o primeiro conceito com o nome Bugatti. Era o cupê EB118, que tinha as formas gerais muito parecidas com as do EB112 — como por exemplo a barbatana que atravessa o carro longitudinalmente como no Atlantic —, mas já trazia a identidade visual e as linhas limpas e sóbrias na cabine, que seriam consagrados no Veyron.
Sob o capô ele usava um motor W18 de 6,3 litros e 563 cv, mas não um motor formado pela união de três motores “VR” como no conceito W12 do ano anterior. Em vez disso, o W18 usava três blocos de seis cilindros em linha, separados por 60 graus e unidos pelo virabrequim.
O movimento do motor era enviado a uma transmissão automática de cinco marchas que a distribuía às quatro rodas como no EB110. Apesar de ter motor dianteiro, nascia ali a configuração mecânica básica dos futuros Bugatti.
No ano seguinte, 1999, a Volkswagen levou ao Salão de Genebra a versão sedã do EB118, o EB218.
O projeto nasceu com uma proposta de atualização do EB112 de 1993 encomendada pela Volkswagen à Italdesign, por isso ele mantém as formas gerais do antigo conceito de 1993, porém com a dianteira nova, que serviu de inspiração para o visual final do Veyron. O motor era o mesmo W18 desenvolvido para o EB118.
Também em 1999 nasceu o “elo perdido”, o ancestral de transição da Bugatti de Artioli para a Bugatti moderna: o 18/3 Chiron. Ancestrais de transição, na teoria da evolução, são espécies extintas que combinam características de seus ancestrais e novas características da espécie que os sucedeu.
No caso do 18/3 Chiron, ele ainda tinha o antigo W18 da Volkswagen, tração integral e elementos estéticos dos seus antecessores, mas também foi o primeiro protótipo com o motor central-traseiro e com o nome de um piloto da Bugatti — no caso, Louis Chiron, piloto monegasco que venceu o GP da França de 1931 com um Bugatti Type 51.
O 18/3 Chiron foi idealizado como um sucessor para o EB110 e um esportivo de ponta como eram os antigos modelos fabricados por Ettore Bugatti e seus filhos. O estilo grã-turismo deu lugar ao layout característico dos supercarros, com dois lugares na cabine e motor na posição central traseira.
A novidade aqui é o sistema de tração integral, que deixou de ser derivado do EB110 para ser fornecido pela Lamborghini, outra aquisição da Volkswagen na época, que havia acabado de criar um sistema integral para o Diablo VT.
A Bugatti moderna
Em outubro de 1999 mais um passo evolutivo foi dado. Agora totalmente desvencilhado da Bugatti antiga, a Volkswagen levou ao Salão de Tóquio daquele ano o 18/4 Veyron — assim batizado pois tinha um motor de 18 cilindros e homenageava o piloto Pierre Veyron, que venceu a 24 Horas de Le Mans de 1939 em um Bugatti Type 57C.
No 18/4 Veyron, todos os elementos estéticos do passado foram abandonados. O carro foi desenhado do zero pela própria Bugatti sob o comando de Hartmut Warkuss. O conjunto mecânico, contudo, era formado pelo mesmo W18 combinado ao câmbio automático e à tração integral Lamborghini.
Ele foi a base para o conceito seguinte, apresentado em 2000, que finalmente chegou à receita final do hipercarro: o EB 16/4 Veyron. Seu nome voltou a usar o EB em homenagem a Ettore Bugatti, e o primeiro par de números continuou indicando o número de cilindros, que agora passou a ser 16 em vez de 18. Isso, porque o motor W18 foi abandonado por sua complexidade e dimensões, sendo substituído por um layout que combinava dois motores W8, formando um W16.
Outra novidade é que, além da nova configuração, o motor W16 também seria turbo. Cada “W8” teria dois turbos, resultando em um motor quadriturbo — como era no EB110. Com isso, o motor poderia saltar dos quase 600 cv do W18 aspirado para mais de 1.000 cv, o que possibilitaria o sonho de se ir além dos 400 km/h.
A decisão de produzir o carro foi feita somente em 2001, mesmo ano em que a Volkswagen colocou a venda o Passat W8. Aparentemente esta versão de topo do Passat foi uma forma que Piëch e seus executivos encontraram de minimizar os custos e viabilizar o motor W16.
O primeiro protótipo do Veyron ficou pronto em 2003, mas devido a uma série de imprevistos e desafios técnicos (incluindo um acidente a 400 km/h), o modelo só foi lançado em setembro de 2005, quando a primeira unidade ficou finalmente pronta.
Quando o piloto de testes da Bugatti bateu um Veyron a 400 km/h
O que aconteceu depois, bem… é uma história que, felizmente, vimos ser escrita e mudou para sempre o que conhecemos como supercarro.