Em 2019 o estúdio italiano Zagato completa 100 anos de existência. Como você deve lembrar, há pouco tempo, contamos a história da companhia através de seus carros – caso ainda não tenha visto, acesse aqui.
Ao longo de um século, a Zagato trabalhou em mais de 440 projetos, sob encomenda de diversos clientes, entre entusiastas e fabricantes – um portfólio gigantesco que, segundo a própria Zagato, guarda algumas preciosidades que jamais foram reveladas ao público. E muitos deles, apesar de terem se tornado realidade, acabaram se perdendo no tempo. Como o primeiro Porsche feito pela Zagato.
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O ano era 1957, e o piloto francês Claude Storez queria um carro de corrida especial: um Porsche 356 com carroceria mais leve e aerodinâmica, a fim obter velocidades maiores e consumir menos combustível. A escolha não tinha nada de imparcial: Storez, que na época mal tinha completado 30 anos de idade, já havia conquistado diversas vitórias em provas de longa duração ao volante do 356, incluindo dois títulos no Campeonato Francês de Rali – que, na verdade, consistia em provas de longa duração pelas ruas e estradas do interior da França.
Sendo assim, Storez conhecia bem o Porsche 356, sabia de suas qualidades e seus defeitos, e por isso pediu à Zagato uma versão ultra-leve, com carroceria de alumínio moldada à mão, e apenas o essencial para uma boa experiência de pilotagem.
O carro tinha um bico mais longo e baixo, uma linha de cintura mais sinuosa, e um para-brisa mais baixo que se juntava aos vidros das portas, dando a impressão de uma peça única. Não havia retrovisores externos ou mesmo maçanetas nas portas – até porque não havia capota, e com isto era só usar a maçaneta interna para abrir o carro, ou saltar para dentro, como os caras descolados dos filmes. Tudo para deixar o carro ainda mais leve. E o 356 original já era bem esbelto, com algo entre 750 e 800 kg.
O 356 Speedster Zagato, que usava um flat-4 de 1,5 litro e pelo menos 60 cv, ficou pronto em 1958. E teve um fim trágico: durante o Rallye International des Routes du Nord de 1959, corrida realizado no norte da França em 7 de fevereiro daquele ano, Storez sofreu um acidente com o Porsche e morreu, aos 32 anos de idade.
O carro original foi completamente destruído, sobrevivendo apenas em poucas fotos, esboços e relatos. Décadas depois, porém, ele renasceu pelas mãos da própria Zagato. E com a bênção da Porsche.
Na verdade, o 356 Zagato Speedster renasceu duas vezes. A primeira foi em 2013, quando o colecionador nova-iorquino Herb Wetanson encomendou um exemplar diretamente à Zagato – um projeto sobre o qual pouco se falou na época, feito com base nas fotografias do original.
Dois anos depois, em 2015, o proprio Andrea Zagato – atual CEO da companhia e neto do fundador Ugo Zagato – decidiu reviver o carro pela segunda vez, construindo mais nove exemplares como parte do projeto Sanction Lost, algo como “Série Perdida” em tradução livre. Segundo a Zagato, a ideia é reviver projetos perdidos do estúdio com uma abordagem artística, com mão de obra totalmente artesanal e quantidade limitada, mesmo que haja uma demanda consideravelmente maior. Afinal, exclusividade é isso.
O primeiro exemplar, de chassi 000, foi o carro que trouxe esta história toda à tona. Isto porque o último vídeo do Petrolicious conta justamente sua história – e com uma boa razão: o carro pertence a Afshin Behnia, fundador e CEO do site, que tem a sorte de ser amigo próximo de Andrea Zagato. Ao ser questionado sobre um possível interesse em adquirir o Porsche, Afshin aceitou quase imediatamante – ele só precisava perguntar à esposa o que achava da ideia. Certas questões são comuns a todo entusiasta, afinal…
Além de mostrar o carro em detalhes, incluindo o belíssimo ronco do motor boxer, o vídeo também conta como foi o processo de recuperação das formas originais do carro e passeia pelos bastidores de sua fabricação. A partir daí, fica fácil entender o approach artístico pretendido pela Zagato.
As fotos que restaram do 356 Speedster original, que fazem parte do acervo do Museu da Porsche em Stuttgart, foram utilizadas para construir um modelo em 3D do carro. As medidas exatas foram obtidas através dos esboços originais, que foram preservados.
A recriação digital, contudo, foi a única etapa da construção a valer-se de tecnologia contemporânea. Todo o resto foi feito exatamente como era no fim dos anos 1950, da confecção dos moldes para a carroceria – que ganhou forma à moda antiga, a base de marteladas – ao acabamento final do interior. E a Zagato fez questão de utilizar apenas peças period correct, o que incluiu um verdadeiro garimpo por peças como faróis, lanternas, o emblema Porsche na traseira, e até mesmo borrachas, parafusos e arruelas.
A esta altura, você deve estar se perguntando quanto custou a brincadeira. Sem surpresa, a Zagato não diz – não que faça alguma diferença, pois cada um dos nove exemplares já foi reservado. Além do mais, o verdadeiro valor de trazer de volta o primeiro Porsche Zagato, 60 anos depois, é inestimável.