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História Pensatas

50 anos do VW Polo: uma perspectiva pessoal

O prazer de entrar naquele carrinho simpático, com o exterior verde clarinho e o interior iluminado, foi indescritível. Ao ligar o pequeno quatro em linha, que girou baixo e alegre, engatei a marcha-a-ré e olhei para trás já com um grande sorriso no rosto. Ah, a liberdade!

Em pouco tempo, saía de Berlin e apontava o carrinho para a Autobahn A9, em direção à Nuremberg; apenas 300 km me separavam do meu destino, uma pequena cidade na fronteira com a república Tcheca, que tinha sido minha casa nos últimos meses. “Em pouco mais de duas horas, estou em casa”, pensei.  O motorzinho continuou falando baixo, estabilizei aos 130 km/h no velocímetro, sintonizei uma rádio americana no som e, de novo, sorri.

Poucas vezes um carro me foi tão querido. A gente esquece o que realmente é sensacional no automóvel: a liberdade, e a salvação de seu superpoder de levar a gente de volta para casa, por mais longe que ela seja. Naquele domingo, voltava de três dias passados em Berlin com amigos brasileiros. Foi um feriado sensacional, mas chegar lá…

Polo GT 1990

“Não precisa de carro na Europa! O transporte público é sensacional! Eu viajei de trem para todo lugar, é fácil e prático!”. Todo mundo já ouviu algo parecido. Mas estou aqui para dizer que não, não é. Como todo transporte público, é ridiculamente menos prático e fácil do que dirigir seu próprio carro. Colocar a mala no porta-mala, sair da porta de sua casa, e chegar na porta do seu destino. Na sua velocidade, em conforto e com a sua companhia preferida. Nem que seja ela você mesmo. Fora que desvios e paradas são decisão sua apenas. É incomparável.

Mas sei disso por ter caído nessa balela de gente que, imagino, não saiba dirigir ou ler um mapa sozinha (sim, mapa: isso foi em 1997, quando celular e internet, e o Waze, existiam só na ficção científica), para preferir trem. Ou não ter dinheiro para carro, e não querer admitir, o que seria horrível como atitude, mas uma que não me surpreenderia.

Caí na balela e resolvi ir encontrar meus amigos em Berlin pegando um trem, que passava na porta da minha casa. Afinal de contas, eles estariam de carro lá e tal, e eu não tinha carro meu; morava num albergue da empresa que me mandara para lá, do outro lado da rua do portão do escritório da fábrica. Até conseguia carro emprestado para fim de semana, mas dava trabalho: resolvi tentar o tal trem maravilhoso.

Bem, para fazer os 300 km até Berlim tive que fazer 3 baldeações, e eram trens lerdos, e em uma delas, quebrou e atrasou. Cheguei em Berlin no fim do dia. Tinha combinado as 9 da manhã para os caras me pegarem na Hauptbahnhoff. E aí, num mundo sem celular? Fui para o hotel combinado, taxi caro pacas, primeiro dia totalmente perdido. E o stress de não saber se encontraria os caras, por causa do maldito atraso? Muito chato, foi.

Então, aluguei um carro para voltar. Mesmo estando fora do orçamento. E a volta, ao contrário da ida horrível, foi uma viagem SEN-SA-CIO-NAL. “Trem é ótimo na Europa”, tá bom. Pode ser melhor que aqui, mas carro é melhor ainda. Eu mereço, “trem é bom”. Só se for lá com a sua turma.

Depois dessa, vou de carro para todo lugar que posso ir de carro. Até avião não me engana: é maldito transporte público. Não é liberdade, pura e destilada trinta e cinco vezes, até sua fração mais pura: o automóvel de uso pessoal. E tenho dito.

Se você clicou nesta matéria e começou a ler esperando saber a história do VW Polo, deve estar se perguntando: por que cargas d’água esse cara está contando essa história aqui? Bom, por ser um verdadeiro expert em divagar, claro. Mas em minha defesa, lembrei dela por ter sido assim que, pela primeira vez na minha vida, tive contato com o carro que agora comemora 50 anos: o Polo. Com um início assim, só podia ter virado um velho amigo, confiável e porreta. Ainda que não um muito divertido ou engraçado, não importa: é meu amigo. Não fale mal dele perto de mim.

Este primeiro Polo que conheci era um carro da segunda geração, mas já com o Facelift; a carroceria era aquela “peruinha” tão legal da segunda geração, e este era o mais básico deles então, com motor de 1,3 litro. Era uma delícia na Autobahn; claro, todo alemão é criado para ela.

Polo PQ24. Trambulador de Porsche, ou melhor, vice-versa.

Esta amizade nunca arrefeceu. Lembro de um sedã dourado com dois faróis redondos na frente, com o qual rodei literalmente centenas de milhares de km nos anos 2000, à trabalho por todo Brasil tratando seu acelerador como um botão liga-desliga. Muita gente reclama que o câmbio dos Polo PQ24 com motor 1,6 litro era de relações curtas demais; como só andava a 29487279427309 rpm, não sei dizer se sim ou não. O que me lembro do câmbio dele era a alavanca: um trambulador sensacional, mecanismo então novo que hoje é imitado até em Porsches. Lembro também que rodar 800 km em 8 horas era totalmente normal com ele, totalmente seguro, e totalmente relaxante.

Mesmo hoje continuo essa relação próxima com os Polo: em 2019 comprei um Virtus MSI manual zero km, efetivamente a versão limusine do Polo atual (entre eixos aumentado não é limusine?) e não vejo como posso precisar de outra coisa para uso diário. Todas as qualidades daquele PQ24 dourado estão transpostas aqui, em uma carro melhorado em tudo. E eu comprei um zero km: é barato, ainda que relativamente; nada é barato hoje.

Jetta vs Virtus, e outras comparações malucas

É simplesmente um companheiro incrível, sobre o qual já falei muito aqui e não vou me repetir. Não vou cantar odes a ele também, claro; não é uma experiência transcendental ao volante, muito longe disso. E não precisa ser.

Só não fale mal dele na minha frente. Como já disse, é um amigo próximo.

 

Os 50 anos do VW Polo

O Polo nasceu não na VW como seu irmão maior Golf; nasceu na verdade na Audi, junto com o Passat. O Passat era o Audi 80, uma evolução direta dos DKW que se tornou o braço moderno onde a VW se apoiou para se reinventar depois dos Fuscas e derivados. Até a mecânica do Golf era Audi, e há um argumento que diz que a Audi é a raiz da VW moderna.

Audi 50 CL 1974

O Polo apareceu como Audi 50 em 1972. Mas quase foi um NSU: a empresa que inventou o motor Wankel automotivo foi comprada pela Audi em 1968, e absorveu sua fábrica e engenharia. O primeiro VW arrefecido à líquido, por isso, é de origem NSU: um carro de tração dianteira e motor á pistão que pretendia salvar a empresa do fracasso Wankel, mas chegou tarde, e virou o VW K70 de 1969.

NSU Prinz TT: carro com motor de moto?

Na NSU havia planos de substituir o Prinz, um carro de motor traseiro, por uma nova geração com tração dianteira, que com uma porta hatchback traseira parecia ser o futuro ali, e seria mesmo. A Audi resolve tomar para si esta ideia, senão o projeto em si. O resultado é o Audi 50.

Audi 50

O primeiro carro era simplérrimo, e por isso mesmo genial (e uma ideia duradoura: todo mundo é assim hoje, quase): McPherson e pinhão e cremalheira na frente, motor transversal dianteiro em linha com um transeixo manual, freios a disco e pneus radiais. Uma porta traseira fazia dele uma “peruazinha” super-prática. Uma descrição que ainda define o Polo, e todo mundo nessa faixa.

Criado ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas, não podia deixar de ter ficado parecido com o Passat/Audi 80. O projeto foi comandado engenheiro-chefe da Audi, Ludwig Kraus, e desenhado na Bertone por Marcello Gandini, enquanto Claus Luthe, da Audi, finalizou o design da carroceria unitária moderna e elegante do carro.

O motor era um quatro em linha OHC de 1.093 cm³ de 50 cv; com carburador simples; com mais taxa o mesmo motor dava 60 cv nas versões LS e GL. O câmbio era de quatro marchas, e a suspensão traseira de eixo de torção era simples, mas avançada para a época. Em 1977, pouco antes de ser descontinuado em 1978, recebeu um motor maior de 1,3 litro e 70 cv. Media 3.655 mm num entre-eixos de 2.335 mm e pesava menos de 800 kg. Sim, menos de 800: são os anos 1970, né?

Mas se o Audi 50 morreu logo, a sua versão VW, chamada de Polo, durou muito. Apareceu já em seguida, poucos meses depois do lançamento do Audi 50. Como era mais barato, o Polo vendeu mais:  cerca de 500 mil unidades contra 180 mil do Audi, o que selou o futuro do modelo como um VW. O sedã no início se chamava Derby; logo seria Polo sedã. Ainda que hoje se chame Virtus, mas num carro que justifica isso com entre-eixos maior que o hatch.

Polo II

No Polo II, de 1981, o carro aumentara para 3660 mm de comprimento e duas carrocerias: um com traseira fastback como nosso Gol, outra com o teto reto, uma mini-perua. Em 1990, um facelift traria também uma interessante versão G40: uma versão esportiva com 1,4 litro e o infame compressor G-lader da VW para 115 cv, numa versão menor em tamanho em relação ao mais famoso G60 do Corrado.

G40: um Polo diferente pacas

A terceira geração veio para o Brasil tanto como Polo Classic sedã argentino, como em versão Seat, o Ibiza. Mas o Polo veio para cá de verdade na famosa geração seguinte, a PQ24, que apareceu em 2002 com faróis dianteiros “de Mercedes-Benz”. Um salto de tecnologia e qualidade para o carro pequeno, o PQ24 é uma das ferramentas de dominação mundial criadas por Piëch; junto com o Golf Mk4 subiu a barra mundial de qualidade da indústria.

PQ24: o Mercedes barato

O Polo, porém, sempre foi auto-sabotado pela VW do Brasil, que queria o Gol como seu carro-chefe, ao contrário da matriz, que desejava unificar portfolio mundial. O Fox, por exemplo, um PQ24 barateado e reinventado para o nosso país, é mais uma forma da subsidiária tentar impor algo nosso. Mas hoje temos Polo a venda, e Fox e Gol são passado. Você sabe quem venceu esta batalha.

Aos 50 anos, o que é e o que significa o VW Polo? Sim existe o Polo GTI, inclusive aquele raro 1.8 turbo aqui no Brasil, mas não é o que se lembra dele de verdade. O vejo como sempre foi: um veículo alemão básico e honesto. Pode parecer pouco num mundo onde as palavras “épico” e “icônico” estão por toda parte, e todo mundo quer parecer ser mais do que realmente é. Mas há um lugar para o transporte básico confiável e bom de guiar; é na verdade o mais importante tipo de carro que existe.

Como disse no início, nunca subestime isso. É nessa função básica de automóvel que é transporte e companhia; provedor de liberdade e prazer ao volante básica; parte de família e salvação das frias que a vida nos traz, que ele brilha. E isso deveria ser suficiente.

Para mim, é mais: é como um amigo fiel e confiável, que só me ajuda, sempre aparece na hora certa para me tirar de fria, está sempre disponível para ajudar, que lembro dele. Tá não chamo ele para alguns programas mais divertidos, mas ele sabe e entende isso. Ele é meu amigo; um grande amigo, ainda que não o único. E Deus sabe como esse tipo de coisa é difícil de achar.