Nos demos conta de que os motores sobrealimentdos, downsized ou não, vieram para ficar, quando a Porsche anunciou o facelift do Porsche 911 991. Além de um visual renovado, o esportivo agora usa motores sobrealimentados em todas as versões, com exceção do GT3 (bem, ao menos por enquanto). E o mesmo vai acontecer com o Porsche Cayman e o Porsche Boxster em breve, como você já deve ter lido aqui.
Atualmente, ambos os esportivos usam motores aspirados, de seis cilindros opostos — que, dizem, só não são tão potentes quanto os usados no 911 porque isto tornaria o Cayman e o Boxster melhores do que ele. Isto é debatível e também não é nosso assunto agora. O caso é que, a partir do início de 2016, os “baby Porsche” passarão a usar motores flat-4 turbinados. E eles vão mudar de nome: agora será 718, enquanto “Boxster” e “Cayman” vão virar meros sobrenomes, indicando a configuração de carroceria.
Trata-se de um nome histórico para a Porsche, e isto é plenamente justificado. Ainda que a fabricante tenha nascido entrelaçada com a Volkswagen e, tradicionalmente, seus carros tenham motor traseiro, a configuração central-traseira também está presente em alguns Porsche marcantes, como o próprio Boxster e o Cayman, o Carrera GT e, claro, o 918 Spyder. Outro destes é o 718, carro de corrida que teve um belo desempenho nas 24 Horas de Le Mans e virou até carro de Fórmula 1.
A volta do nome faz sentido porque, assim como o 718, o Boxster é um roadster de motor central (e, como sabemos, o Cayman é em essência um Boxster com carroceria cupê, então por nós tudo bem). No entanto, o 718 jamais foi pensado como esportivo de rua, e sim como uma versão melhorada do saudoso 550 Spyder — que também nasceu nas pistas mas acabou se tornando popular entre os entusiastas (incluindo caras como o lendário James Dean).
Graças ao 550, a Porsche já gozava de fama considerável como construtora de belos carros de corrida em 1957, quando o 718 foi apresentado. O projeto era bastante semelhante ao do 550, com chassi tubular do tipo spaceframe e carroceria de alumínio, e até mesmo o motor era igual ao das últimas versões do 550 — um boxer de quatro cilindros com comando duplo nos cabeçotes (conhecido como quad-cam) com deslocamento de 1,5 litro e 142 cv. Para um carro que pesava apenas 570 kg, era potência suficiente. Ainda mais se lembrarmos que o 718 tem 58 anos!
O nome completo do carro era Porsche 718 Spyder RSK — “RS” de ReenSport e “K” por causa do formato da parte anterior do chassi que, vista de frente, lembrava a letra “K” (os caras gostavam de ser literais naquela época, não?). A estreia do 718 aconteceu nas 24 Horas de Le Mans de 1957 (que foram vencidas pelo Jaguar D-Type), mas o carro conduzido pelo italiani Umberto Maglioli e pelo alemão Edgar Barth sofreu um acidente na volta 129 da corrida. O outro Porsche, um 550 Spyder, foi o oitavo na classificação geral e primeiro na categoria para esportivos de até 1,5 litro.
De qualquer forma, isto não desanimou a Porsche. O 718 era superior ao 550 em aerodinâmica, rigidez estrutural e acerto de suspensão, além de ser equipado com freios maiores. Sendo assim, em 1958, o 718 RSK voltou a Le Mans — desta vez, com um motor maior, de 1,6 litro e 160 cv, e uma nova dupla de pilotos. O francês Jean Behra e o belga Hans Herrmann conseguiram o primeiro lugar em sua categoria, e o oitavo em sua classificação geral.
Foi o suficiente para que o Porsche 718 se popularizasse entre os chamados club racers, que compravam carros para participar de corridas com suas equipes particulares. Também foi o ponto de partida para que a Porsche começasse a realizar melhorias no carro. A partir de 1959, o 718 trocou o a suspensão traseira de braços arrastados por um arranjo de braços sobrepostos, mais simples e eficiente.
O Porsche 718 nas 12 Horas de Sebring de 1962
Nos anos seguintes, diversas outras mudanças foram realizadas para adequar o 718 às mudanças de regulamento das competições sancionadas pela FIA, e o 718 Spyder continuou competindo até 1963, quando foi substituído pelo Porsche 904, também conhecido como Porsche Carrera GTS (podemos dele em breve, se este for o desejo dos leitores!).
De qualquer forma, as corridas de longa duração não foram o único objetivo da Porsche com o 718. Em 1957, foi criada uma categoria para motores de até 1,5 litro na Fórmula 2. Como o Porsche 718 tinha a caixa de direção bem no meio do eixo dianteiro, sua conversão para um monoposto era algo relativamente simples e eles decidiram tentar a sorte.
Graham Hill e o Porsche 718 em 1960
O resultado foi o Porsche 718/2 Monoposto, construído a partir de 1958. Com o mesmo flat-4 de 142 cv, o 718/2 estreou com vitórias no em Reims-Gueux, na França; e AVUS, na Alemanha. Dali então, outros exemplares do Porsche 718 foram convertidos em monopostos e mantiveram uma carreira ativa nas pistas até meados da década de 60.
Aliás, foi em 1960 o momento de maior destaque do 718/2 na F2: uma vitória tripla com Graham Hill, Sir Stirling Moss e Jo Bonnier no circuito de Aintree, no Reino Unido, feito que foi repetido em Zeltweg, na Áustria, naquele mesmo ano.
Não fosse por isso, talvez os alemães não tivessem criado coragem para se inscrever na Fórmula 1 quando esta, em 1961, passou a usar motores de 1,5 litro. Ainda que não tenha sido tão bem sucedido quanto foi na Fórmula 2, o 718 conseguiu chegar em segundo lugar em Reims; em Monza, na Itália; e Watkins Glen, nos EUA, com o onipresente Dan Gurney ao volante, que ficou em quarto lugar no campeonato de construtores.
Com tudo isto, dá para dizer que sem dúvida a Porsche tem motivos para rebatizar o Porsche Boxster e o Cayman como 718. Aliás, faz ainda mais sentido quando se sabe que, em 1961, houve até uma versão cupê do 718. Equipado com o um flat-8 de 210 cv, o chamado Porsche 718 GTR Coupé, o carro venceu a Targa Florio, tradicional corrida italiana realizada em circuitos de rua, em 1963. Foi a terceira vez que um carro da família venceu a Targa Florio.
Aparentemente, só existem fotos em preto e branco deste acontecimento
Será que isto que dizer que, um dia, podemos esperar uma versão de competição dos novos Porsche 718 equipada com um motor de oito cilindros. Bem, é óbvio que não. Mas seria incrível!