É comum que os motores de origem americana sejam identificados por seu deslocamento em polegadas cúbicas. Por exemplo, você sabe que o motor 151 da Chevrolet é o quatro-cilindros de 2,5 litros (151 pol³) usado no Chevrolet Opala, derivado do motor Iron Duke americano. Da mesma forma, o motor 250 é o seis-em-linha de 4,1 litros (250 pol³) do Opala/Omega, também visto nos Estados Unidos em alguns modelos diferentes, como o Chevelle e a pick-up S-10.
Mas agente não está aqui para falar de Chevrolet, e sim de Ford (desculpem, gravateiros, não é nada pessoal). Mais especificamente, para esclarecer uma dúvida bastante comum entre os entusiastas do oval azul: a diferença entre os V8 351 Windsor e 351 Cleveland. Ou melhor, as diferenças, pois são várias. O pessoal do site On All Cylinders fez um pequeno guia para diferenciar os dois motores, e decidimos usá-lo como ponto de partida para nossa explicação.
O que os dois motores têm em comum?
Uma boa forma de começar a explicar as diferenças entre os motores Windsor e Cleveland é ver o que ambos têm de igual. Ambos possuem exatamente o mesmo padrão de prisioneiros do cabeçote, e também o mesmo espaço entre o centro dos cilindros (bore space), com 4,38 pol, ou 111,25 mm. O deslocamento de ambos também é idêntico, com diâmetro x curso de 102×89 mm. Ou 4,0×3,5 polegadas, como dizem os americanos. E os dois têm duas válvulas por cilindro, com comando no bloco atuado por varetas.
E as semelhanças acabam por aí: os blocos são diferentes, os cabeçotes não são intercambiáveis, as válvulas são outras e o V8 Cleveland tem vocação mais esportiva do que o Windsor. Mas também é bem mais difícil de encontrar.
Ok, e o que eles têm de diferente?
Antes de mais nada, o motor Windsor veio primeiro. Mas ele não se chamava Windsor, sendo conhecido apenas como “Ford small-block” no início de sua existência. Seu projeto usa como base o motor 302 da Ford, com curso ampliado de 3 polegadas para 3,5 polegadas, o que aumentou o deslocamento de 302 polegadas cúbicas para 351 polegadas cúbicas, ou de 4,9 litros pra 5,8 litros. O motor começou a ser fabricado em 1961 na cidade de Windsor, em Ontario, no Canadá.
Visualmente ambos os motores são bem parecidos, mas com um pouco de atenção é possível perceber as diferenças entre os dois ainda no cofre: o Windsor tem tampas de válvulas mais estreitas, presas por seis parafusos:
Já as tampas de válvulas do motor Cleveland são um pouco mais largas e presas por oito parafusos:
Isto acontece porque as válvulas do motor Windsor são dispostas em uma linha reta, enquanto no Cleveland, as válvulas de cada cilindro são inclinadas. Isto melhora o fluxo da mistura ar-combustível para as válvulas de admissão, facilita a saída dos gases de escape. E também impossibilita a troca dos cabeçotes entre os dois motores. Ah, e as válvulas do Cleveland são gigantescas: 2,23” (56,6 mm) na admissão e 1,70” (43,2 mm) no escape. O Windsor tem válvulas de 1,78” (45,2 mm) na admissão e 1,54” (39,1 mm) no escape.
As velas também são diferentes: o Cleveland usa velas menores, de 14 milímetros, enquanto o Windsor tem velas de 18 mm:
Como já dissemos, tanto o Windsor quanto o Cleveland usam cabeçotes com duas válvulas por cilindro, atuados por varetas. Ambos, porém, possuem versões “2V” e “4V” – ou seja, com dois ou quatro dutos venturi para o carburador no coletor de admissão, sendo que no motor Cleveland estes dutos são bem maiores. O coletor de admissão é fixado no motor por 16 parafusos no Windsor e 12 parafusos no Cleveland.
Ainda falando sobre dutos: no motor Windsor, os dutos de admissão e escape são retangulares, enquanto no Cleveland ele são ovais.
Outra maneira de distinguir os motores Windsor e Cleveland é o sistema de arrefecimento. No Windsor, a mangueira do radiador e o termostato passam por dentro do coletor de admissão, saindo pela parte da frente do motor. Já no Cleveland, a mangueira e o termostato ficam no topo do bloco.
Em cima, o motor Windsor (sem coletor de admissão e carburador instalados). Embaixo, o Cleveland
A corrente de comando é outro ponto em que os motores diferem: no Windsor, a corrente fica na frente do bolco, com uma cobertura externa que normalmente é feita de alumínio fundido. Já o motor Cleveland tem a corrente instalada em uma extensão na parte frontal do bloco, e a cobertura é uma simples placa de metal, que está mais para uma tampa.
Em cima, o bloco Windsor. Embaixo, o bloco Cleveland
O bloco do motor Windsor é mais alto, com bielas mais longas, e a ordem de ignição dos cilindros é diferente ((1-3-7-2-6-5-4-8 em vez de 1-5-4-2-6-3-7-8). Além disso, tem dois parafusos por mancal, enquanto o Cleveland tem quatro parafusos por mancal, sendo assim mais resistente.
Por que os motores eram diferentes?
V8 Windsor em um Mercury
Na prática, as características do motor Windsor reduziam custos de fabricação e o tornavam mais apropriado para carros de rua, enquanto o Cleveland, mais sofisticado, era mais caro e mais voltado à performance. Dito isto, ambos os motores têm diversas receitas de preparação e é comum ver swaps entre eles, o que dificulta a identificação.
Cleveland 351 em um Mustang Mach 1
E a própria Ford não tornou as coisas muito mais fáceis neste quesito. Para começar, o motor Windsor com 351 pol³ foi fabricado entre 1969 e 1997 (as versões anteriores a 1969 tinham menor deslocamento), o Cleveland foi fabricado entre 1970 e 1974 nos EUA, e uma terceira versão do motor 351, chamada 351M, foi oferecida entre 1975 e 1981.
Um V8 351M com curso e diâmetro ampliados para deslocar 416 pol³ (6,8 litros)
Depois temos o 351M (de Modified ou Michigan, ambos significados não-oficiais, dados pelos fãs da Ford). Ele faz parte da mesma família do motor Cleveland, porém usa o bloco de deck mais alto da versão de 400 pol³ (6,5 litros), que em essência era um 351C com curso ampliado.
Devido a estas diferenças no volume de produção, a família Windsor possui uma indústria aftermarket incomparavelmente mais recheada que as peças de performance para Cleveland, que são raríssimas. Então, apesar de o Cleveland ser um motor originalmente de alta performance, no universo dos V8 preparados, o Windsor é facilmente um vencedor.
Boss 302: o “híbrido” entre o Windsor e o Cleveland
O Windsor e o Cleveland podem ser combinados com algum retrabalho (varetas de válvulas maiores, alguns selos para o bloco e algumas refurações são necessárias). Mas isso foi feito pela fábrica em 1968, quando a Ford criou o motor Boss 302 para competir na Trans-Am. O Boss 302 usava um bloco Windsor reforçado, feito com uma liga especial de níquel, dotado de quatro parafusos por mancal (como o Cleveland) e paredes mais grossas. Os cabeçotes eram uma versão preliminar do que se tornariam os cabeçotes do V8 Cleveland, com suas válvulas maiores e inclinadas, melhorando o fluxo. E as vávulas de escape eram preenchidas com sódio para reduzir a temperatura.
Além disso, o comando de válvulas tinha tuchos mecânicos em vez de hidráulicos, e uma graduação bem mais agressiva. O virabrequim era forjado e as bielas, bem mais parrudas. Com tudo isto, era um motor bastante potente, com algo entre 450 cv e 470 cv nas versões de pista. E, graças ao diâmetro x curso de 101,6×76,2 mm, também era girador, podendo passar dos 8.500 rpm – rotações estratosféricas para um “veoitão” americano.
A versão de rua, oferecida como opcional (uma exigência do SCCA para homologá-lo), era mais mansa, com cerca de 300 cv a 5.900 rpm, e as rotações eram limitadas a 6.150 rpm.