Ela é de uma época na qual os carros eram bestas quase indomáveis – e seus pilotos, heróis. Os esporte-protótipo do início da década de 1970 eram tão insanamente velozes que, não raramente, eram mais rápidos do que os carros de Fórmula 1 da mesma época. Esta escultura rosso corsa também representa o auge da disputa épica entre Porsche e Ferrari – algo que tomou proporções tão grandes que ainda divide fãs até hoje, nas pistas e nas ruas.
A história da 512 S está ligada diretamente ao nascimento do Porsche 917, que por sua vez surgiu de uma oportunidade anunciada no meio de 1968 pela comissão esportiva internacional da FIA – a CSI. Para estimular participações na categoria de esporte-protótipos Grupo 6 no campeonato de 1969, ela reduziu a exigência de produção para homologação de 50 para 25 unidades. Esta decisão tinha em vista facilitar a homologação de veículos de produção limitadíssima e que ainda competiam, apesar de defasados, como o Lola T70 e a Ferrari 250 LM.
Só que isto criou uma brecha: a Porsche viu sua chance de ouro para tentar conquistar sua primeira vitória em Le Mans. Em dez meses, a equipe de Stuttgart desenvolveu o 917, baseado no 908, mas com uma série de novas tecnologias (como o seu primeiro motor de doze cilindros) e materiais (como titânio e magnésio). Em junho de 1969, o 917 estreava em La Sarthe. Apesar de sequer terem completado a prova, o ritmo dos 917 convenceu a Ferrari, que competia com os pequeninos 330 P4, a mudar totalmente o foco – eles precisavam de algo que respondesse de igual para igual para Stuttgart. Eles precisavam de um protótipo de cinco litros do Grupo 6.
E assim, o projetista Mauro Forghieri liderou um dos programas mais intensos, custosos e velozes da Ferrari – que torrou boa parte da grana das ações vendidas para a Fiat em junho de 1969. Nove meses depois, nascia a Ferrari 512 S, com seu V12 de alumínio de 4.993,53 cc e 550 cv a 8.000 rpm. Com 856 kg, ele tinha uma desvantagem de quase 60 kg em relação ao 917, mas sua dinâmica dócil e recheada de aderência mostrou que, em pistas sem grandes retas, a diferença era pequena para os Porsche – especialmente depois da primeira atualização de carroceria e mecânica, feita para a prova de Sebring. Lá, Mario Andretti conquistou a primeira vitória da 512 S.
Mas aquelas 24 Horas de Le Mans de 1970 não eram para a Ferrari – e não era só pela monstruosa reta Hunaudières (Mulsanne é o nome do cotovelo no fim dela). Apesar de Nino Vacarella ter ficado atrás da pole do Porsche 917 de Vik Elford por apenas 0,3s, seu carro não durou sequer meia hora – e quase todos os outros 512 S sofreram acidentes ou quebras: Reine Wisell, Derek Bell, Clay Regazzoni, Mike Parkes e Jackie Ickx (foto abaixo, registrada há poucos anos), que sofreu um grave acidente durante a madrugada, quando estava na segunda colocação. Assim, quem cravou (merecidamente) seu nome na história foi o Porsche 917.
A história desta Ferrari mostra a diferença que poucos meses fazem no desenvolvimento de um carro. Com o espírito mais calmo após o stress que é toda prova de Le Mans, Forghieri pôde trabalhar num aprimoramento da 512 S que teria sido letal para a Porsche caso tivesse nascido antes – a série M, ou Modificato. Mauro atualizou 15 dos 25 protótipos produzidos com esta revisão, que trazia 41 kg a menos, um nariz de melhor penetração aerodinâmica, suspensão reprojetada, freios traseiros maiores, e um motor bem mais bravo, girando 1.000 rpm a mais (agora, 9.000) e empurrando 60 cv extras.
A Ferrari 512 M estreou na última prova do campeonato de 1970, na Áustria. Durante a corrida, Ickx dominou a prova a ponto de bater o seu próprio recorde feito com sua Ferrari de Fórmula 1, estabelecido dois meses antes. Ele e seu companheiro de equipe Ignazio Giunti foram forçados a abandonar com problemas no alternador – mas o domínio estava provado, e foi confirmado nos 1000 km de Kyalami (prova extra-oficial), quando Ickx e Giunti terminaram duas voltas à frente do Porsche.
Só que este domínio foi nada mais do que efêmero. A maior parte das provas do campeonato de 1971 favorecia os protótipos menores do Grupo 5 – e a própria Ferrari decidiu interromper o desenvolvimento dos modelos de cinco litros para se focar no 312 PB. Se é verdade que este vai-e-vem da equipe de Maranello entre seus programas de esporte-protótipo e Fórmula 1 causou muitos problemas para a Ferrari nesta época, por outro lado também é verdade que sua decisão, desta vez, foi acertada: o 312 PB conquistou os campeonatos mundiais de 1972 e 1973. Mas isso é outra história.
Agora, aumente o volume – com gosto, pois este é um dos roncos mais musicais da história!