Monopostos com tecnologia híbrida e motores V6 sobrealimentados que podem até girar menos e não roncar tão bem, mas estão mais confiáveis, eficientes e mais potentes que nunca (apesar das restrições do regulamento). A Fórmula 1 nunca esteve tão avançada, mas junto com o avanço, veio o marasmo. Sabemos que isto tem jeito, e até fizemos uma lista de mudanças que a F1, agora sob nova administração, deveria se preocupar em promover caso queira salvar a categoria de uma morte dolorosa e não tão lenta assim. Mas e se o problema for, na verdade, o modo como a gente enxerga a categoria – literalmente?
A fotografia automobilística é uma arte bela porque trata de preservar, congelado no tempo, a imagem de um ato de velocidade. Estáticos, para sempre, automóveis feitos exclusivamente para andar no limite o tempo todo, pois sua razão de ser é aproveitar ao máximo tudo o que se tem em termos de engenharia de competição na atualidade.
E, da mesma forma, com os atuais equipamentos de fotografia é possível retratar de forma impressionante o mundo das corridas de Fórmula 1 de uma maneira imersiva e detalhadíssima. Fotos em 360 graus, vídeos em 360 graus, imagens com gigapixels de resolução. Por isto, pode parecer absurda a ideia de fotografar uma corrida de F1 usando uma câmera mais antiga que a própria categoria. No entanto, é este contraste que torna as fotografias feitas por Joshua Paul, fotógrafo da revista Lollipop, dedicada exclusivamente a fotografias da Fórmula 1.
Fernando Alonso em Abu Dhabi, 2016
A ideia não é simplesmente documentar a Fórmula 1 como ela é, e sim apresentá-la sob diferentes visões artísticas. O resultado são ensaios muito mais conceituais, como este todo em preto e branco.
Claro, ensaios em preto e branco são até clichê hoje em dia, assim como a própria fotografia com câmeras vintage – há algum tempo as câmeras analógicas vêm sendo resgatadas por fotógrafos em todo o mundo –, mas nenhum deles usa uma Graflex 4×5 fabricada em 1913. A Graflex é a fabricante das famosas Speed Graphic, tradicional câmera fotográfica que era onipresente na imprensa americana na primeira metade do século XX. A Speed Graphic era uma câmera portátil, leve e resistente para documentar situações de forma rápida e prática… há 104 anos. Mas não dá para chamar isto…
… de portátil, não é? Não hoje em dia.
O desafio de carregar uma câmera enorme como esta compensa. Joshua é um dos fundadores da Lollipop, e diz que uma das missões da revista é “retratar a paixão, os detalhes e os momentos que fazem da Fórmula 1 uma obsessão”. Isto significa fotografar as corridas em si e os bastidores durante todo o fim de semana, buscando uma técnica diferente em cada matéria. Joshua se inspirou a usar uma câmera antiga depois de ver um ensaio em preto-e-branco da Indy 500 de 1969. Depois disto, dedicou-se a assistir algumas provas empunhando (ou seria vestindo) sua Graflex. As fotos tiradas por ele nos últimos anos foram publicadas em um ensaio na edição de março da Lollipop, e também na página da revista no Instagram.
Kimi Raikkonen ficou curioso com a Graflex durante o GP da Espanha em 2017
MUITO curioso
Lollipop, caso você não tenha percebido (ou não entenda muito bem inglês) é o nome internacional do “pirulito”, aquela placa que um dos mecânicos da equipe coloca na frente do piloto durante os pit stops – que tem esse nome justamente por parecer um pirulito gigante.
O formato digital não afeta a percepção de que estas fotos estão, de fato, com a cara do início do século passado. A vinheta nas bordas, muito reproduzida em softwares de edição para dar um efeito vintage às fotos, é de verdade aqui. Somado à textura granulada dos filmes (principalmente nos de maior sensibilidade) e à perda de nitidez na borda das fotos o que se tem é um autêntico registro antigo de um acontecimento atual.
A foto acima, que mostra o campeão de 2016 Nico Rosberg nos boxes do GP do México, é um bom exemplo destas características: note como os contornos estão pouco definidos e a textura granulada. Perceba também como a latitude da foto é bastante generosa – ou seja, tanto o plano de fundo quanto os elementos no primeiro plano da foto são iluminados de forma satisfatória. Com uma câmera digital moderna, o fundo ficaria estourado ou o primeiro plano ficaria escuro demais. Só as mais modernas e caras vêm revertendo este efeito.
A vinheta desta foto, bastante pronunciada, é um efeito bastante comum em filtros digitais modernos. Esta foto mostra Max Verstappen, da Red Bull Racing, entrando nos boxes durante o GP da Espanha de 2017, em Barcelona.
A pose dos três mecânicos da McLaren complementa perfeitamente a estética vintage da foto – é fácil imaginar exatamente esta mesma cena há 80 ou 90 anos, graças ao modo como a foto foi tirada e revelada.
Mesmo um retrato simples como este de Daniel Ricciardo no GP da Itália em 2015 ganha muita dramaticidade com as texturas carregadas e as bordas desfocadas da Graflex.
Outra foto que explora muito bem o desfoque nas bordas dos objetos. Aqui, o efeito de profundidade de campo é bastante interessante, lembrando muito o efeito de tilt-shift usado para dar o efeito de “miniatura” na fotografia automotiva e panorâmica. Na foto, os mecânicos empurram o carro de Nico Rosberg para os boxes durante o chuvoso GP da Hungria de 2015.
Uma das nossas favoritas é esta: no GP do Canadá em 2015… ou seria 1915?
Lewis Hamilton na curva La Racasse, no GP de Monaco de 2014.