Se existem carros híbridos, por que não existem motos híbridas? Há algumas razões, de acordo com Kevin Cameron, editor-chefe da revista Cycle World e autor de dezenas de livros técnicos e sobre a história das motos. Primeiro, elas não são sujeitas aos mesmos padrões de economia de combustível e emissão de poluentes que os carros – de modo que as fabricantes simplesmente não precisam investir em motos híbridas.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicos, histórias de carros e pilotos, avaliações e muito mais!
Segundo, um conjunto híbrido ocupa mais espaço e gera peso extra – duas características que dificultam sua implementação em veículos de duas rodas. Seria um investimento não justificado e até nocivo. Por esta mesma razão, motos elétricas também não são comuns. E as que existem ainda enfrentam resistência do público – mais que os carros elétricos.
Esta resistência natural a mudanças que as motos apresentam em relação aos carros é recorrente. Se já em 2003, com o Golf R32, a Volkswagen trouxe seu primeiro carro com câmbio de dupla embreagem produzido em larga escala, foi só em 2009 que a Honda trouxe a primeira moto com este tipo de câmbio, como opcional na esportiva estradeira VFR1200F.
Novamente, uma das principais razões para não existirem tantas motos com câmbio de dupla embreagem é o packaging – o custo de desenvolvimento de um sistema compacto o bastante para uma motocicleta acaba limitando seu uso a modelos maiores e mais caros (caso da mais recente Goldwing, que tem câmbio de dupla embreagem e sete marchas). Além disso, já existem câmbios sequenciais com sistema quickshift que dispensam o acionamento manual da embreagem na maior parte das situações.
Mesmo os sistemas de injeção eletrônica levaram tempo para se tornar o padrão nas motos menores – eles são mais confiáveis, mas a sensação de velocidade na arrancada é superior em uma motocicleta carburada, o que levou os motociclistas a preferirem o método antigo de alimentação.
Com tudo isto em mente, não fica difícil entender por que as motos com motor turbo nunca pegou. Na década de 1980, as quatro grandes fabricantes japonesas de motos – Honda, Yamaha, Suzuki e Kawasaki – protagonizaram uma breve, porém intensa briga de motos turbinadas. Nenhuma delas, porém, conseguiu convencer ao público de que colocar um caracol no motor de uma motocicleta era boa ideia.
O primeiro carro produzido em série com motor turbo foi o Oldsmobile Turbo Jetfire, de 1962. O primeiro esportivo com motor turbo foi o BMW 2002 Turbo, de 1973. Mas só em 1982 foi que a Honda apresentou a primeira motocicleta de rua com motor turbo: a CX500 Turbo. Sua proposta era ter desempenho de uma moto de 1.000cc usando um motor de 500cc.
Mais precisamente, o motor era um V-twin de 497 cm³ com injeção eletrônica (outro pioneirismo) sistema de arrefecimento líquido e comando no bloco. O turbocompressor era um IHI-Kawajima que operava a elevados 1,24 bar, e começava a atuar de repente por volta das 6.000 rpm – com um soco violento seguido de uma transformação completa no comportamento da moto. Era praticamente um botão de liga-desliga – e podia derrubar os desavisados.
Com 82 cv a 8.000 rpm, a CX500 tinha mesmo potência equivalente à de uma moto maior. Mas só era possível desfrutá-lo em rodovias livres, com longas retas e pouca fiscalização. No resto das situações, incluindo uso comum, ela andava menos que uma moto de 500 cm³ naturalmente aspirada – e ainda bebia mais combustível por conta dos 235 kg em ordem de marcha, peso elevado para uma motocicleta com seu deslocamento.
A solução foi, em 1983, aumentar o deslocamento para 674 cm³, dando origem à CX650T. Os 87 cv não representavam um aumento muito grande na potência, mas o turbo começava a atuar bem mais cedo, às 4.500 rpm. Com isto, melhorava-se consideravelmente o desempenho em baixas rotações. Capaz de ir de zero a 100 km/h em 3,4 segundos e com velocidade máxima de 226 km/h, a CX650T não ficava atrás de motos com motores bem maiores, como a Kawasaki Z 1300 (que tinha seis cilindros) e a Suzuki GS 1000 Katana.
Yamaha, Suzuki e Kawasaki, percebendo o potencial da Honda CX Turbo, não demoraram a responder. A Yamaha trouxe, ainda em 1982, a XJ650T. Ela tinha um quatro-cilindros em linha arrefecido a ar, comando duplo no cabeçote e quatro carburadores Mikuni – mas, apesar do turbocompressor Mitsubishi, chegava a “apenas” 75 cv. Como na Honda, seu turbo só agia a partir das 6.000 rpm, sem linearidade. Com velocidade máxima de 203 km/h e aceleração de zero a 100 km/h em 5,3 segundos, a Yamaha XJ650T não conseguia superar a Honda em desempenho – embora ainda fosse rápida para os padrões da época.
Suzuki e Kawasaki vieram um pouco depois, em 1983. A Suzuki apresentou sua XN85D, que apostava em uma configuração similar à da Yamaha – 650 cm³, arrefecimento a ar e comando duplo no cabeçote – porém com injeção eletrônica. A vantagem numérica, porém, era mínima: ela tinha 76 cv em vez de 75 cv. O turbo também era acionado tardiamente, às 5.500 rpm.
A Kawasaki GPz 750T, mostrada praticamente ao mesmo tempo, era a que tinha o maior motor – um quatro-cilindros de 738 cm³, com comando no cabeçote, injeção eletrônica, que chegava aos 98 cv. O turbocompressor Hitashi já se fazia sentir às 5.000 rpm e sua atuação era mais progressiva, o que por si só já representava uma boa vantagem. Seu desempenho no zero a 100 km/h só perdia para a opção da Honda: 4,8 segundos. A velocidade máxima era de 232 km/h.
Ficava evidente que as quatro fabricantes brigavam por atenção e números – todas elas tinham visual chamativo, com o exagero típico da década de 1980, e todas elas buscavam mostrar que, com a indução forçada, o teto de desempenho das motocicletas tinha potencial para aumentar bastante.
No mundo real, porém, elas eram motos pouco práticas, que bebiam muito combustível e podiam até ser divertidas para brincar em uma tarde. A longo prazo, porém, sua selvageria e o custo de manutenção do sistema turbo – além do alto peso que prejudicava a condução e aumentava o consumo de combustível – não justificavam o valor elevado das motos.
O próprio Kevin Cameron criticou o turbo lag destas motos em seu livro Turbocharging, Supercharging and Nitrous Oxide, publicado em 2008, no qual ele dizia que não havia meio de utilizar aquelas motos no dia a dia sem se frustrar. “O turbolag é um problema sério nestas motos. A não ser que você seja um piloto de arrancadas, na maioria do tempo você vai rodar abaixo da faixa de atuação do turbo. Em motos esportivas, o turbo não é muito útil”.
Mesmo os carros sofriam com turbo lag naquela época, mas nas motos esta questão era mais séria. Não demorou para que o público percebesse, de forma quase inconsciente, que o melhor ainda era apostar em um deslocamento mais alto – a moto respondia com mais ânimo em todas as faixas de rotação, entregava a força de forma mais gradual e controlável, e ainda bebia menos combustível.
Como resultado, a briga das motos turbo foi efêmera: já em 1983 a Yamaha descontinuou sua XJ650T. As outras motos turbo saíram de linha em 1985 – e nenhuma delas vendeu mais que 8.000 unidades. Suzuki XN85D foi a que teve piores vendas – menos de 1.200 exemplares em três anos.
Publicações da época apontavam que uma solução seria adotar um turbo de duplo fluxo. Na época, porém, sequer os automóveis traziam esta tecnologia, que ainda estava em uma fase muito preliminar.
Assim, as motos com turbocompressor acabaram caindo no ostracismo, e as fabricantes japonesas voltaram a se concentrar no desenvolvimento de motores naturalmente aspirados de alto giro. Somente 30 anos depois, em 2015, foi que uma grande fabricante trouxe um motor sobrealimentado ao mercado – com a Ninja H2, que em vez de um turbo adotou um supercharger para chegar aos 200 cv em seu quatro-cilindros de 998 cm³.