FlatOut!
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Car Culture

A expectativa e a realização de correr na Serra do Rio do Rastro

Ricardo Gouveia (ou R37) é um velho amigo do FlatOut. Você já o conheceu em nossos vídeos no YouTube ou em nossos track days de fim de ano. Ricardo estava preparando um Chevette de pista há anos, e havia planejado aprontá-lo para a Subida da Serra do Rio do Rastro em janeiro deste ano. Quase deu tempo, mas ele acabou não aprontando o carro a tempo.

Em setembro, ele foi à Serra do Corvo Branco, em Santa Catarina, para acompanhar a primeira edição da Subida de Grão-Pará e aproveitou para, finalmente, conhecer a Serra do Rio do Rastro pessoalmente. Dois meses depois, ele estava ao pé da serra, com seu Chevette, alinhando para subir a Serra o mais rápido possível. Como isso aconteceu? Como ele se saiu? Bem… eu achei melhor que ele contasse com suas próprias palavras. – Leo 


 

Caras… eu ainda estou caindo na real sobre o que aconteceu na Serra do Rio do Rastro. Esse sentimento de satisfação, que vem depois de uma competição com um bom resultado, é viciante. Estou falando de cumprir uma meta — seja ela o P1 ou não. Cumprir uma meta, realizar um sonho — sei que em qualquer setor da vida todos nós já experimentamos algo parecido.

No meu caso, desde pequeno sempre tentei satisfazer esse vício como piloto, até que mais para frente eu conheci o prazer de misturar o sentimento do piloto com o sentimento de orgulho de quem conduziu um projeto num carro. Opa, descobri que o negócio vai escalando.

Aí veio a Mil Milhas 2023, onde vencemos na categoria dos clássicos construindo um Fusca (Copa Fusca) em poucos meses e um novo sentimento foi desbloqueado, o sentimento de fazer tudo isso em equipe. Sensacional, foi histórico.

Mas desta vez acredito que tenha experimentado subir mais um degrau dessa escada. Como disse no começo, ainda estou caindo na real. Vou contar um pouco de como foi, vamos então falar de subidas de montanha.

Não posso deixar de “começar pelo começo”. Sempre acompanhei as subidas de montanha que meu pai participava, na época dele acontecia uma por ano no pico do Jaraguá, em São Paulo/SP, organizado pelo DKW Auto Union Clube do Brasil. Assim que tive oportunidade me enfiei para participar, foi lá na edição de 2009, creio que duas antes do fim definitivo daquele evento.

Andei com um Kadett 1998, carrinho que eu usava para trackdays e dia-a-dia — seria ele também a primeira cobaia do que um dia seria a minha marca de molas, a R37. Esse evento era dedicado majoritariamente a carros antigos e clássicos, coisa que o Kadett não se enquadraria, mas acabei sendo liberado.

Coloquei o carro meio escondido, deixei que quase todo mundo subisse e fiz a minha subida discretamente. Era uma subida e pronto, caso algo desse errado teria que esperar para andar no ano seguinte, mas era bem dinâmico pois o evento começava cedo e terminava para uma confraternização no almoço. Acabei fazendo uma subida muito boa, bom resultado e muita diversão. Mas isso faz tanto tempo que mal lembrava como era participar de um evento assim, afinal se passaram 15 anos.

Chegamos finalmente aos dias atuais, onde novamente os eventos de subida de montanha voltaram ao Brasil, cabe aqui um merecido elogio aos que têm coragem de assumir e organizar estes eventos, o Silvio em São Paulo, Rafa e JP do Friends no Paraná e em Santa Catarina, e finalmente Igor, Guilherme e o grupo Dia de Pista, que são os meninos da subida de Grão-Pará.

Andava acompanhando estas subidas de longe, somente pelas redes sociais e curtindo bastante, impressionado com a coragem dos pilotos e observando o crescimento da modalidade. Pessoalmente fui somente às duas etapas de Mairiporã — era o mínimo pois são quase quintal de casa.

Foi quando entrou em cena o Eduardo Cenci, “o brabo” do BRZ 101% original que fez um barulho imenso pegando um P2 na primeira edição da subida do Rio do Rastro — e que agora apavora de Cayman 982 GTS 4.0 também 101% original. Velho conhecido, tiramos bons pegas em trackdays, lá nos tempos de NDA Racing e Time HCC.

De lá para cá mantivemos os bons papos sobre engenharia, daqueles longos e excelentes debates com muito respeito onde sempre saímos com algum crescimento, e também evidenciando uma divergência filosófica entre manter carros originais ou fazer upgrades, mas sempre apaixonados pela tocada esportiva.

Esse maluco tentou me incentivar a andar com o Fusca, aquele Copa Fusca, na Subida do Rio do Rastro em 2023. Retruquei explicando que o carro é muito baixo e com pouco motor, e que além disso eu estava ativo no campeonato Copa Fusca GT Oil, não valeria tirar o carro do setup andando numa prova sem o mesmo regulamento. De imediato veio a resposta que me tirou a paz nos dias seguintes: “Mas não tinha um Chevette que você pensava em fazer, mas nunca levou em frente? Vai com ele, oras!”

Não teve jeito: desafio aceito. Hora de fazer acontecer o projeto desse Chevette. Naquela altura ele era uma carroceria montada, e um monte de peças acumuladas em volta. E uma vontade de fazer o máximo de coisas do meu jeito, e de fazer eu mesmo tudo o que desse.

Tudo começaria com a carroceria. já era decidido que eu não aceleraria um carro 1976 sem uma gaiola. Os trabalhos se iniciaram com a gaiola em Jarinu/SP, onde me juntei com o velho amigo Julio Marino, que hoje mexe menos com carros mas virou um soldador excelente e topou soldar enquanto eu trabalhava os tubos. Nessa fase consegui também resgatar um pouco da essência da saudosa Yunick Speedshop, com uma força de um lado pelo Pablo e de outro lado pelo Tiago. Em paralelo fazia o eixo traseiro com o Leo da Pig Lips em Campinas.

Julio Marino e a sua arte nas soldas

Porém o tempo estava correndo muito e estava escasso, decidimos parar a gaiola nos 80% e levar o carro para onde seria a base definitiva, a garagem da casa da minha avó, que está sem movimentação nos últimos 25 anos. A casa tinha tudo o que precisava por perto, auto peças, posto de gasolina, mercado, pizzarias e assim vai.

Nessa segunda fase muitos outros amigos chegaram para fazer a diferença. Raphael Cassetari, Matheus Eisenmann, Alexandre Barbosa, Andreas Visnardi, Bruno Massa, Rafa Paschoalin, Daniel Pontes, Dennis Canteruccio, Erik Futigami, Fernando Prado, Bruno Martinez, Patrick Galera, Paul Henri, Ricardo Cassetari, Rodrigo Corbisier e Rodrigo Mourão. Ah, Guilherme Pfeilsticker, o melhor conselheiro remoto que eu poderia ter. Com essa turma fizemos toda a montagem do carro enquanto em paralelo eu fazia a montagem do motor com o Marco Liasch.

Nessa hora o bicho pegou, num carro antigo desses tudo precisa ser pensado e adaptado. É nessa hora que ter um bom torneiro também se torna fundamental. Muito tempo foi investido na oficina do meu amigo torneiro Rogério pensando juntos em soluções. Num carro moderno existem várias marcas oferecendo produtos aftermarket, em todo canto do mundo, já nesses antigos ou você cria as peças ou a coisa não sai.
Pensa num carro onde tudo foi alterado ou trocado, seja por melhoria em performance ou simplesmente por resistência para a nova utilização.

O projeto é muito complexo. Soma a isso a vontade enorme que sempre tive de reposicionar o motor do carro (endossado pelo regulamento das categorias de clássicos que dizem explicitamente: O Chevette pode recuar o motor em 150mm), e esses doentes dos meus amigos toparam. Só por causa disso mais um monte de adaptação e solução foi necessária, mas é aquele famoso “já que…”.

Carro montado, demos a partida. Sucesso! — porém não tanto. Essa partida aconteceu na véspera da subida e decidimos não ir. Faltava acertar carburadores (pois é, levei a sério o rolê do old school), faltava uma lista de coisas ainda e seria uma loucura enorme pegar tanta estrada para andar com um carro nada validado.

Restou fazer um vídeo relatando essa história toda, que acabou sendo uma das postagens com maior interação do meu instagram. Esse tipo de coisa, de tentar e nem sempre dar totalmente certo, é vivenciada por todas as tribos automotivas, nem sempre temos contato com esse lado da coisa, mas ele acontece e acontece muito. Como eu disse no vídeo e é muito verdade, saímos daquilo com sentimento de vitória.

Ok, mas e agora?

Após a subida que não fomos, fizemos um detox do projeto. Eu precisava voltar a focar 100% em trabalho, tomar um fôlego e seguir a vida. Foram com facilidade uns seis meses sem evoluir o Chevette, apenas fazendo o trabalho com as molas, atendendo os clientes de pista e me dedicando ao campeonato da Copa Fusca onde vínhamos brigando pela liderança do campeonato 2024 — eu e minha dupla Iures Delfino. Ele mesmo, o recordista do Rio do Rastro e outro grande amigo. Tivemos que parar o campeonato no meio, mas essa aventura renderia outro relato enorme, deixa de lado e vamos voltar ao foco.

Nesse meio tempo outro acontecimento histórico: venci como piloto o MBR 2024 na categoria FWD-T Pro, num Gol rojão feito pela Made for Street Motorsports. Carro bruto demais, animal de tocar, e equipe nem se fala. Que galera!

No dinamômetro da A Spec

Os meses estavam passando, e com a subida de 2024 se aproximando, era a hora de voltar a dedicar uma boa parte da rotina ao projeto, o fôlego necessário havia sido tomado. Uma nova e enorme lista de coisas a fazer foi feita. Duas semanas foram passadas no dinamômetro da oficina A-Spec em Arujá. Chegamos a 120whp, mas faltava acerto para giros baixos, faltavam mais muitas horas de trabalho em carburadores e distribuidor. Aquele gosto por ser old school estava cobrando seu preço, mas de pé embaixo e giro alto já funcionava. Entendi que era o necessário e pronto. De volta para a base, a garagem da vovó.

Na casa da vovó

Hora de trabalhar na lista. Fomos zerando ítem a ítem e havia um shakedown programado para o ECPA. Algumas coisas se complicaram na úiltima hora, como vazamentos de óleo no retentor do eixo traseiro e também um pedido da organização para que o carro tivesse setas, coisa que faz sentido mas não havia passado na nossa cabeça. Shakedown abortado, mas ganhei a chance de trabalhar mais no carro. Deu para zerar 100% da lista de coisas fundamentais e começar a puxar coisas extras, aquela parte que seria um bônus. E assim foi.

Chegou o dia da viagem, carregamos o carro e partimos. Eu e os parceirassos Rodrigo Mourão, Matheus Eisenmann e Dennis Canteruccio. A caminhonete zerada e espaçosa, e a carretinha bem em dia pois o Daniel e o Mourão cuidaram da revisão dela, agora aparentemente ela anda mais reto que antes, pudemos ter um ritmo bom de estrada sem preocupações. Ainda bem, pois mesmo assim foram 22 horas de viagem, muito trânsito na estrada.

Antes de sair apenas uma parada para comprar óleo.

Chegando quinta a noite na casa que alugamos, com muita dificuldade pela neblina, demos uma boa descansada, acordamos e trocamos o óleo do Chevette antes de partir para o credenciamento e vistoria. Vale um elogio à casa e ao lugar, tudo nessa região é lindo. Ficamos nela eu, Mourão, Dennis e Matheus, depois chegaram o sempre animado Guh do canal Speedy 008 e a Cris.

Primeiro compromisso agendado do evento: credenciamento e vistoria.

 

Sexta-feira, dia 1: os preparativos

Aproveitamos o carro no chão para sangrar freio e um leve giro na manha para cá e para lá. Justamente experimentando o freio. Isso era algo que ficou na minha cabeça a viagem toda, e de fato não teria muita solução imediata. Nesses carros mais antigos o pedal de freio acaba baixando, basta assistir onboards por exemplo dos Opalas da Old stock. No meu caso um pouco mais acentuado o efeito pois selecionei cilindros para deixar o pedal mais macio.

Na fila da vistoria

Então para o evento era o que tinha, bastaria ficar de vez em quando bombando o pedal do freio e ele estaria sempre alto. Nenhum “fim de mundo”, perigoso não seria; mesmo com pedal baixo o freio reage bem, mas acaba ficando baixo demais para permitir punta taco por exemplo. Para o longo prazo existem algumas soluções para isso, coisas que posso fazer no meu Chevette mas um opala da Old não poderia por ser limitado no regulamento da categoria.

Vistoria feita, carro ok. Largada promocional no topo da serra, em Bom Jardim da Serra/SC, descida em comboio, para Lauro Muller/SC, onde haveria outra largada promocional.

Legal desses momentos é a interação com os outros participantes, aqueles que já eram nossos amigos e aquelas novas amizades se formando. Destaco aqui o Alessandro Safar, do Maveco laranja, carro que eu já pirei assistindo aquele vídeo “raw” postado pelo Cenci no seu canal de youtube, Bored Engineer, e que pessoalmente era ainda mais incrível. Fora o carro, a caminhonete antiga que ele usa para puxar a carreta, que é linda, e o cara é muito gente fina. Me identifiquei na hora.

Duas coisas estavam me chateando, uma delas que nas largadas promocionais quase todos fizeram borrachões, zerinhos e coisas do tipo. Principalmente o pessoal do drift — esses, percebi que não resistem a nenhum pensamento intrusivo. Foi divertido para caramba.

Segurando a vontade de curtir a largada promocional

Pô… eu tenho um Chevette e nunca dei um zerinho sequer, mas não queria arriscar quebrar algo de transmissão e falhar na missão principal que era a subida. Questionei se haveria uma “chegada promocional” —  claro que não existe. Paciência…

A outra coisa seria a carburação, aquela decisão de deixar o acerto apenas para alta e plena carga tornou a descida em comboio um martírio, então decidimos brincar um pouco de acertos noite a dentro. Giclê para cá, giclê para lá, broca furando aqui e ali, medição de altura de bóia, umas aceleradas de leve e pronto.

O “remap” noturno

Melhorou um monte, essa eu devo ao trio companheiro de viagem, confesso que não tinha mais energia para gastar nisso naquele momento. E três cabeças focadas numa mesma missão fazem milagres. Quase perfeito, melhor seria difícil, esses meus carburadores, um par de Weber 40 que comprei usados e “dei um trato”, estavam sem os injetores da rápida, alguém na história deles achou que seria uma boa idéia retirar. Dá para andar assim, mas já encomendei essas peças para dar uma afinada a mais.

 

Sábado, dia 2: os treinos

Ok, tivemos umas duas horas e meia de sono e chegou a hora de descer para o ponto de largada. Como precisaríamos descer a serra para chegar lá, existia a necessidade de cruzar ela antes das seis da manhã, horário em que o fluxo estaria sendo fechado para o evento. Quem disse que o carro pegava? Juntando o frio e a umidade da manhã, com o novo acerto mais fino e a falta da rápida, o motor a álcool sofria. Muito WD e novamente o apoio fundamental dos amigos, com insistência o brinquedo acordava.

Descendo a serra

Vamos lá, a hora chegou. Seriam duas subidas no treino no sábado e uma para valer no domingo. Caso eu ficasse entre os cinco melhores teria uma vaga no Desafio Rhys Millen, uma tentativa de bater o recorde no trecho usado por Rhys Millen em 2010. Não era a hora de colocar nenhum objetivo, carro andando “ok” estaria ótimo, mas a gente não consegue né?

Então vou revelar os dois objetivos, que seriam mais sonhos: primeiro seria estar entre os 10 primeiros da geral. Depois, conseguir baixar para a casa dos nove minutos.

Primeira subida: uma largada patinando embreagem e evitando trancos, não queria arriscar tudo numa largada que no fim nem faria tanta diferença no tempo total. Quatro curvas depois a intimidade com a dinâmica do carro foi quase que imediata. Primeiro, porque o carro refletiu muito bem a imagem de comportamento dinâmico que eu tinha na cabeça ao estudar e analisar chassi e suspensão, segundo pois o carro se mostrou fácil e também com muito chão frente ao que tinha de motor.

Antes da largada eu brincava dizendo que estava tudo perfeito para a subida, pois as únicas coisas que eu ainda não conhecia eram o carro e a serra, após essas quatro curvas eu notei que seria mesmo majoritariamente a questão da serra.

Falado sobre ela… rapaz, que serra incrível! Não senti muita sensação de perigo, poucos postes ou árvores, quase todos os trechos têm bons muros de contenção tangentes à estrada, ou bons guard rails, ou tangenciados por pedras com pouca chance de enroscar feio, mas sim bater e raspar. Pelo menos foi a minha leitura. Curvas quase todas bem intuitivas ou com certa visibilidade. Em pilotagem desse tipo, eu priorizo bastante o late apex, aquele famoso “slow in, fast out” para poder ter um bom flow na tocada e ainda assim uma certa segurança.

Primeira subida feita, tempo de dez minutos e um segundo, P10 na tabela geral. Um dos dois objetivos concluído, fiquei contente.

Descida em comboio e vamos para a segunda tentativa.

Dessa vez com um pouco mais de velocidade, a maior dificuldade acabou sendo por conta do acerto: na faixa de 3500 rpm o motor vinha dando uma certa embolada. Claro que a carburação poderia estar melhor, mas entra aí também a questão do ponto de ignição, não trabalhamos curva de avanço nem nada, ficou de lado naquele gerenciamento de tempo escasso.

É claro que a lei de Murphy não perdoa e a maior parte das curvas seria nessa faixa de rpm em terceira marcha. Tive que mudar a tocada e investir em mínimas um pouco menores nas curvas, possibilitando o uso de uma segunda marcha com o motor bem cheio e um tiro ligeiramente melhor nas retomadas. Para não dizer que o chão do carro estava impecável, eu gostaria de um pouco, mas bem pouco mesmo, de grip na frente.

Isso é bem fácil resolver, basta reposicionar os pivôs superiores da suspensão dianteira nas bandejas e está feito, mais cambagem negativa nas rodas dianteiras. Porém não é algo que se faz assim no meio de um evento com pressa. Se cambagem negativa é algo meio básico num setup de carro esportivo eu não deveria ter feito isso antes? Na verdade não, pois caso gripasse demais o carro ficaria exageradamente traseiro e também com pouca cambagem eu garantiria melhores frenagens.

Levei também outras opções de molas para poder variar calibração, mas o setup do palpite inicial se mostrou perfeito. Copiou bem o chão, carroceria com movimentação muito bem controlada, nada raspava nem pegava. Bem no ponto mesmo, dentro daqueles famosos “trade-offs” (prefiro o termo “cobertor curto”) clássicos em qualquer coisa que envolve carros, parecíamos estar muito próximos do “sweet spot”.

Segunda subida concluída, com uma chegada empolgante pela dificuldade a mais gerada pelas nuvens lá do trecho final, e o tempo de nove minutos e cinquenta e três segundos. Sucesso, segundo objetivo atingido e bastaria voltar para o domingo e repetir a dose.

Mas volta aí aquela boa frase, repetida muito pelos amigos da Equipe Oto nas Mil Milhas, “quem tem amigos tem tudo”. Iures Delfino e Rogerio Pita nos convidaram para ir bater um papo no hotel em que estavam hospedados, e demos uma afinada no acerto já pensando em contornar a questão da umidade. Um rolêzinho leve pra validar e, de cara, o carro melhorou bem nessa faixa de 3000 a 4000 rpm. Bingo!

 

Domingo, dia 3: a subida, agora para valer

Vamos para o domingo, dessa vez dormimos mais. Deu até para curtir um pouco mais a casa, baixar e assistir onboards e planejar onde iriam as câmeras para a subida definitiva da competição. Uma câmera pegando o trabalho dos pés, aquelas bombadas de freio que estavam totalmente automáticas, eu já nem percebia que estava fazendo, inclusive muitas frenagens quando não precisava de redução de marchas eu fazia freando com o pé esquerdo, herança dos tempos de kart e ao melhor estilo rally do Eduardo Cenci.

Outra câmera na gaiola me filmando, uma 360 pegando o trabalho da suspensão dianteira. Fora estas câmeras extras, aquela tradicional pegando o onboard virado para a frente.

Outra dificuldade enorme para ligar o carro e desci para a largada. Desta vez insisti que o trio que tanto me ajudou ficasse assistindo lá de cima. No sábado o máximo que eles viam era a largada, sendo que assistindo lá de cima eles poderiam curtir muito mais, vendo a sequência de hairpins que é o trecho mais empolgante da subida e curtindo aquele visual surreal da serra.

O problema seria somente um, como ligar o carro sozinho antes da largada. Aí entram as novas amizades, pedi para o Safar do Maverick um copo de gasolina, tirei as tampas das cubas dos carburadores e enchi de gasolina, essas estavam vazias pois antes de desligar o carro eu funcionei com bomba de combustível desligada até secar totalmente.

A gasolina tem muito mais facilidade nas partidas com motor frio, e também acaba engordando o acerto pela diferença de estequiometria para com o etanol.

Mesmo assim, senti um belo frio na barriga antes de ligar o carro, sem meus amigos e sem os sprays de WD eu me sentia bem pelado. De novo, faço questão de deixar claro que eles nunca me abandonariam, eu tive um trabalhão para obrigar eles a ficarem lá em cima.

Hora da largada, aquele cheirinho de Pódium delicioso e o motor já esquentando, bomba ligada e tudo pronto. Liguei ventoinha e a água estacionou, óleo já esquentando e vamos para a largada. Dessa vez fui praticamente o último a largar, pois o Chevette acabou sendo transferido para a categoria Extreme. Acabei nem sabendo o motivo da troca pois pelo regulamento eu achava que me enquadraria na Pro Stock aspirado, mas também nem liguei.

Primeiro, porque confio na organização. Depois, por que nunca liguei muito para as categorias pois gosto de ver como o resultado fica perante a geral, e por último fiquei feliz pois caso a troca tenha sido por performance, não existiria um elogio mais sincero que esse.

Subida final iniciada, mais uma vez aquela largada bem ao estilo vovô. De cara já percebi que baixaria muito o tempo, o flow nas curvas do asfalto pôde ser muito melhor com o motor mais liso naquela faixa de rpm.

Sem mais baixar a mínima e descer para segunda marcha, agora era de terceira e mais no limite dos pneus. Claro que sempre existem aqueles trechos onde por não conhecer totalmente a serra a gente tira o pé em curvas meio cegas e depois descobre que elas poderiam ser feitas de pé cravado, mas isso na minha opinião é bem aceitável, erro mesmo considero apenas um, uma curva de raio decrescente que julguei mal (mas sei que nunca mais esquecerei dela; se tem uma que decorei para sempre foi ela), na hora que ela fechou eu precisei agir rápido e dar um leve toque no freio e lidar com um pouco de saída de frente.

O que ajudou demais nessa hora foi a distribuição de freio, que estava mais para trás com relação a sábado, lembra daquela lista bônus que deu para zerar nas vésperas do rolê? Pois é, nessa lista estava o ajuste de bias nas mãos do piloto com aquele knobzinho vermelho, coisa linda. Faltou mesmo apenas o freio de mão hidráulico, numa emergência seria acionado.

Mas não chegou a ser um susto, apenas uma grande perda de tempo, principalmente pois precisei reagir rápido puxando para segunda e tentando uma rápida retomada para me recuperar dessa estagnada, coisa que não aconteceu rápido como deveria pela falta dos injetores de rápida nos carburadores.

Vamos em frente, ainda bem rápido e sabendo que o tempo com certeza estava baixando bem, estava já na parte de concreto e aproximando do trecho de subida forte, aquele dos onze hairpins. Nessa hora percebi a temperatura do motor passando dos 100 graus, fiz mais umas curvas e vi a temperatura chegando aos 105.

Foi meio rápida essa subida de temperatura e a coisa ia complicar. Antes de qualquer desejo meu de completar a subida, estava a vontade de não atrapalhar o evento derramando líquido de arrefecimento na pista estourando alguma mangueira, ou coisa pior. Nessa hora entra uma vantagem de brincar de ser old school, e também hora de lembrar daqueles rolês de “carro véio”.

Peguei quatro momentos de frenagens mais fortes, para minimizar a perda de tempo, e desliguei a ignição enquanto freava com o pé esquerdo e mantinha o acelerador todo aberto com o carro engatado, o fluxo de mistura ar e álcool passava pelo motor, dando uma bela lavada e derrubando um pouco a temperatura. Legal era quando ligava a ignição de volta e o carro dava umas escapadas bem divertidas quando pegava de novo no tranco.

Sucesso nessa missão, deu para chegar no final, inclusive fazendo a última curva tão forte a ponto de estar contra esterçando e passando perto da bandeirinha de chegada, prazeroso demais.

Vale destacar outra coisa divertida, que eram as pedaladas na embreagem nos hairpins. O objetivo principal era manter o motor acordado, mas acabava sendo também uma forma de provocar a traseira e rotacionar mais rápido o carro nessas curvas bem fechadas. A agilidade do Chevette nessa hora encantava, só seria talvez útil também uma direção hidráulica.

Tempo da subida foi em nove minutos e trinta e seis segundos, sensacional. Tempo que teria me deixado em segundo ou terceiro nas duas edições anteriores do evento se não me engano, e apenas a um segundo de estar em quinto e dentro do desafio Rhys Millen.

Assim que desliguei o carro percebi que a câmera onboard principal estava sem cartão, naquela loucura noturna de cartão passando de mão em mão. Culpa minha. Ainda neguei uma ajuda do Cenci de revisar as câmeras de última hora antes da largada. Vacilo, paciência, já foi. Daria ainda para girar o take da câmera 360 para frente e ter uma edição prejudicada mas com os mesmos quatro ângulos.

Abandonei o carro lá em cima e corri para descer de carona com o Cenci, queria muito estar na largada do desafio, que é mais para o meio da montanha, e ajudar nos preparativos junto com o Iures e o preparador dele, o Pita da Garage Motorsports. O Iures disse que talvez precisassem mesmo de alguma mão. No fim não ajudei em nada, pois não precisou, mas fiquei por perto e de prontidão.

Largada dada, o Iures foi. O cara perseguiu esse recorde do Rhys Millen nos dois eventos anteriores, sempre tendo algum problema bobo e perdendo as oportunidades. A coisa era séria, era um dos maiores objetivos pessoais do Iures. Convivemos o ano inteiro, seja correndo de Fusca ou em cima do Lancer. Algumas diárias de pista eu acabo indo com eles, dando alguns insights de acerto de chão e sendo um braço direito para o cara. Mas sendo realista, 99% do tempo apenas presenciando o trabalho impecável desses caras.

O pódio: Eduardo Cenci (de branco, à esquerda), Iures Delfino (ao centro) e Ricardo (à direita)

Resumindo, talvez eu seja uma das testemunhas de como esse objetivo era sério, e entendendo a grandiosidade que teria tal feito no cenário. E isso me gerou uma ansiedade e um frio na barriga gigante, que eu não tive em nada relacionado a mim ou ao Chevette. Animal, adrenalina absurda. O Cenci também subiu para o desafio, ele era segundo geral do evento.

Mas essa parte deixo para eles contarem melhor.

Evento encerrado, voltamos.

Voltando para casa

A galera que participou do projeto foi sempre sendo a primeira a receber todas as notícias o tempo todo, agora precisamos de um encontro para um debrief, dar risadas e contar nossas piadas ruins enquanto brigamos sobre colocar ou não a borda de chocolate na pizza de margherita.

Teremos Mil milhas em janeiro de 2025 com o Camaro do Mourão, onde seremos os dois pilotos, apenas, para as 12 horas de prova. Bem arrojado o plano, e o carro tem ainda dois meses de desenvolvimento até a prova, uma bela de uma missão. Algo para o MBR também vai acontecer. Copa Fusca, adoraria. E assim vai.
Mas e o Chevette?

Já estou com saudade de moer o bichinho, e pensando sobre como voltar mais forte para o ano que vem. Eu tinha certeza que um Chevette feito para andar rápido tinha potencial, e mesmo assim me surpreendi. O carrinho é incrível demais. Nasceu finalmente o conceito do Chevette R37, e nasceu muito bem.

Obrigado, Serra do Rio do Rastro! Nos vemos em 2025.