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Car Culture

A improvável história da fábrica de supercarros da Croácia que agora é parte da Bugatti

Bilionários de 30 anos são coisa rara. A maioria deles desenvolveu algum produto/serviço revolucionário para a internet ou para o sistema financeiro que, ao ser comprado, despejou bilhões de dólares nas contas dos criadores. Um deles, contudo, fez algo ainda mais impressionante que se tornar bilionário aos 30 e poucos anos: ele se tornou bilionário fundando uma nova marca de automóveis nos anos 2010.

É claro que não estou falando de Elon Musk. Primeiro, porque a Tesla foi criada nos anos 2000. Depois, porque Musk se tornou bilionário aos 40 anos, quando a Tesla começou a fazer sucesso de verdade com o Model S.

O sujeito em questão veio da Croácia — o último país de onde você esperaria uma fabricante de carros modernos. A essa altura você já sacou que estou falando de Mate Rimac, fundador da empresa que leva seu nome — e que, desde 2021, é parte do Grupo Volkswagen por meio de uma fusão com a Bugatti promovida pela Porsche.

Parece loucura para quem não acompanhou a trajetória da marca e os motivos que fizeram a Porsche se interessar pela Rimac Automobili para criar a Bugatti-Rimac. Especialmente porque, enquanto isso acontecia discretamente, todos estavam de olho nas aventuras espaciais futuristas de Elon Musk e no valor de mercado da Tesla chegando ao trilhão de dólares. Como e por que Mate Rimac voou abaixo dos radares?

Bem, é uma história impressionante, porque ela começou há apenas 11 anos. Pense no que você fez nos últimos 11 anos. Nesse mesmo tempo, Mate Rimac foi de uma oficina que convertia BMW E30 em veículos elétricos a sócio da Bugatti. E não é só o curto período em que ele realizou tudo isso que impressiona, mas também o fato de ele não foi bancado pela indústria, não vem de família rica e não está em uma potência automobilística global.

Mate Rimac nasceu em 1988, na antiga Iugoslávia, onde hoje fica a Bósnia e Herzegovina — o que significa que sua infância foi marcada por uma guerra civil separatista que levou sua família a se refugiar na Alemanha entre 1991 e 2000. Aos 12 anos Rimac chegou à Croácia, onde terminou seus estudos e ingressou na Universidade de Zagreb onde não estudou engenharia, como alguém poderia imaginar, mas administração de empresas.

O que acontece é que Rimac desenvolveu gosto pelos carros durante sua infância na Alemanha, ao mesmo tempo em que se interessou por eletrônica, muito inspirado por seu compatriota Nikola Tesla. Foi por ali que ele descobriu sua capacidade de realizar coisas. Ainda no ensino médio, Rimac desenvolveu uma luva robotizada capaz de substituir o mouse e o teclado de um computador. Um dos seus professores viu potencial e o incentivou a inscrever o projeto em um concurso na Coréia do Sul, representando a Croácia e… venceu a competição.

O passo seguinte em direção à Rimac Automobili aconteceu em 2008, quando Mate comprou um BMW E30 para disputar corridas. Quando o motor do Bimmer foi para o espaço, em vez de retificá-lo, Mate fez aquela conversão básica com motor de empilhadeira que vemos com alguma frequência por aí e começou a disputar corridas de arrancada e torneios de drifting — afinal, não dava para ir muito longe com um carro elétrico.

Junto dos amigos, ele aprimorou o carro e, quando começou a ganhar as provas, percebeu que poderia fazer disso um negócio. Especialmente porque o BMW tem nada menos que cinco recordes mundiais homologados pela FIA.

Em 2010, em um golpe de sorte, uma família real do Oriente Médio o procurou, perguntando se ele conseguiria fazer um supercarro elétrico. Rimac topou. Já na faculdade de administração, ele desenvolveu um plano de negócios e usou o BMW como prova de capacidade técnica para entregar a encomenda. Nascia assim a Rimac Automobili, a mais bem-sucedida fabricante de carros da Croácia.

O plano era produzir um carro de 1.000 cv, capaz de ir do zero aos 100 km/h em 2,8 segundos, baseado no know-how obtido com o BMW, por incrível que pareça. O plano de negócios convenceu os árabes a bancar o hipercarro, que ficou pronto a tempo de ser apresentado no Salão de Frankfurt de 2011. Sim: em 2010 ele fez os planos, em 2011 o carro estava em Frankfurt, na forma de conceito.

Na verdade, o carro foi concluído ao longo de 12 horas, enquanto o caminhão que o transportaria da Croácia para Frankfurt o aguardava no pátio — o embarque seria às 17h, mas o carro precisava ser finalizado, o que só aconteceu às 5h da manhã seguinte. A equipe de oito pessoas era exatamente a mesma que construiu o BMW de Mate — e que mais tarde ocuparia cargos de direção na Rimac.

O carro foi revelado ao mundo em 19 de setembro de 2011. Não era 100% funcional, mas foi muito bem-recebido pelo público e crítica. Só havia um problema: o dinheiro da tal família real nunca chegou. E apesar de ter um carro pronto para ser produzido, eles precisavam encontrar uma forma de sobreviver como empresa.

O jeito foi fazer projetos para clientes. Na época poucos na indústria tinham a expertise deles, sem contar a determinação de fazer algo acima da média e além do que foi solicitado. O primeiro projeto foi um carro para uma empresa espanhola que queria usá-lo para demonstrar sua tecnologia de engenharia. A partir dali a Rimac começou a ficar conhecida.

Mais tarde Mate reconheceria que o acordo não-cumprido com os árabes foi positivo, no fim das contas. Sem o dinheiro, eles aprenderam a otimizar os processos e o orçamento, e isso acabou se tornando algo de grande valor para a empresa. Além do conhecimento técnico, eles também tinham agilidade e otimização de produção.

Eles percorreram o caminho contrário das startups modernas: em vez de grandes aportes para executar o projeto, o que eventualmente acaba em desperdício de dinheiro, eles precisaram buscar eficiência em todos os aspectos, o que gerou um grande valor agregado aos seus serviços.

Outro aspecto impressionante — e também improvável — da história da Rimac é que o Concept One não saiu como esperado. Mate Rimac, em entrevista à revista britânica Autocar, disse que o carro saiu como saiu, mas que ele tem muitas falhas e deveria ter sido substituído pelo Nevera mais cedo.

O carro foi feito de forma modesta por uma equipe pequena que jamais havia feito um carro. O projeto previa um monocoque de fibra de carbono, mas ele era um chassi de aço com painéis de fibra de carbono. O carro também é pequeno demais para ser homologado em testes de impacto pois não há espaço para as estruturas de deformação. No fim, Mate Rimac disse que a empresa passou tempo demais fazendo um carro que funciona, mas que tem muitas falhas e “se arrepende um pouco disso”.

O monocoque de fibra de carbono do Nevera, que o Concept One não teve

A questão é que o carro trouxe muita experiência para a empresa, o que começou a atrair clientes cada vez maiores e melhores. Em 2014 eles tiveram o primeiro investimento milionário. Em 2016 veio a segunda rodada, agora de 10 milhões de euros. Com ela, a Rimac passou a ser procurada por Aston Martin, Jaguar, Ferrari e Renault como fornecedora e prestadora de serviços.

Isso também mostrou à Rimac que empresas de tecnologia são mais escaláveis que fábricas de supercarros. Em vez de concentrar 70% do investimento na construção dos carros e 30% na prestação de serviços, a Rimac inverteu essa equação e viu seu valor disparar, o que atraiu a Porsche em 2018 e a Hyundai em 2019.

No fim das contas, a proposta da Porsche — que não sabia o que fazer com a Bugatti — foi a que deu um novo futuro à Rimac que, além de fornecer baterias e conjuntos motrizes para outras fabricantes, também será a responsável pelos futuros modelos da Bugatti.

Nada mau para um garoto que só queria um BMW para acelerar nas pistas.


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