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Car Culture

A incrível trajetória de Mauro Forghieri

Em 1961 Enzo Ferrari então tomou a decisão mais improvável de sua carreira: promoveu ao cargo de diretor técnico um jovem engenheiro de 27 anos chamado Mauro Forghieri, que havia concluído o curso de engenharia mecânica apenas dois anos antes. Diretor técnico da Ferrari aos 27 anos, com dois anos de carreira. Dá para imaginar isso?

Não foi um ato de excentricidade bruta. Aconteceu porque Forghieri foi quem sobrou da famosa “grande debandada” da Ferrari. O episódio foi uma série de demissões resultantes de um motim dos diretores da Ferrari, insatisfeitos com o comando de Laura Ferrari, a esposa de Enzo, que assumiu temporariamente a direção da fábrica enquanto seu marido se recuperava de uma série de problemas pessoais.

Os funcionários revoltosos basicamente entregaram a Enzo Ferrari um documento no qual pediam que ele escolhesse entre manter sua esposa no comando ou perder todos os diretores e engenheiros. É claro que, diante da afronta, ele mandou todo mundo embora.

Mauro Forghieri era apenas um engenheiro iniciante que, sabiamente, não tomou partido nessa que se tornou uma das manobras mais estúpidas da história da indústria (quem em sã consciência pede para o chefe “demitir” a própria esposa?), e, por isso, não foi demitido. Ao contrário: foi promovido por Enzo.

Sua primeira missão era simples: concluir, juntamente com Sergio Scaglietti o projeto mais recente da empresa, a Ferrari 250 GTO. Depois Forghieri ainda foi responsável pela evolução da 156 “Sharknose”, que ganhou um design mais aerodinâmico em 1963 e projetou a nova Ferrari 158, que venceu o título de pilotos e construtores da Fórmula 1 em 1964. Tudo isso com menos de dez anos de carreira.

Forghieri e Surtees em Le Mans
Levando a Ferrari sozinho

E aquela não foi sorte de principiante. Dez anos depois no fim da temporada de 1972 a Ferrari estava com sérios problemas na Fórmula 1: seus pilotos já não eram mais tão competitivos fazia quase uma década. Foi quando Mauro Forghieri projetou um V12 de 180 graus, com potência de sobra e baixo centro de gravidade para o 312B e seus sucessores.

E ele ainda teve a sorte de, por uma derrapada na equipe de F1 com o carro de 1973 (o Spazzaneve), ir parar na divisão experimental da Ferrari, onde desenvolveu alguns conceitos que se tornariam úteis no futuro. Em 1978 Forghieri apresentou a Enzo Ferrari o projeto conceitual de uma transmissão inovadora, com atuadores hidráulicos e comandos no volante para as trocas de marcha — um para trocas ascendente, outro para trocas descendentes.

Sim, Forghieri concebeu o câmbio automatizado da Fórmula 1. E eles só não colocaram em prática o conceito porque não havia recursos técnicos para tirar o conceito do papel, então o projeto foi engavetado até os anos 1980, quando John Barnard o colocou em prática.

Também foi ideia de Mauro Forghieri o desenvolvimento de um sistema de tração integral para a Fórmula 1, um conceito que nunca saiu do papel, mas acabou na Ferrari 408 4RM, um conceito de tração integral desenvolvido ao longo dos anos 1980 que foi o ponto inicial do sistema de tração da Ferrari FF. Pois é, o SUV Ferrari tem um dedo de Forghieri.

O engenheiro, contudo, não viu a 408RM pronta na Ferrari. Em 1987 ele foi convidado por Lee Iaccoca para trabalhar na Lamborghini, então sob o comando da Chrysler, e virou a casaca.

Ele foi alocado na Lamborghini Engineering, a precursora da atual Squadra Corse, e desenvolveu o motor V12 3512 de Fórmula 1 que estreou nos Lola/Larousse no GP do Brasil de 1989 — curiosamente, o mesmo onde seu conceito de câmbio semi-automático foi usado pela primeira vez.  O motor também foi usado no Lotus 101 e no McLaren MP4/8B, que foi testado por Ayrton Senna em 1993, antes de ir para a Williams.

A passagem de Forghieri pela Lamborghini foi curta. Sem envolvimento com nenhum carro de rua, ele deixou a empresa em 1992 para participar do renascimento da Bugatti com o EB110 e o conceito EB112, junto de Paolo Stanzani, Marcelo Gandini e Nicola Materazzi. Em 1994, Forghieri deixou a Bugatti e atuou como consultor técnico no julgamento sobre a morte de Ayrton Senna, no GP de San Marino em maio daquele ano.

No ano seguinte, Forghieri, então com 60 anos, fundou o Oral Engineering Group, uma empresa dedicada a pesquisa e desenvolvimento de componentes mecânicos para a indústria automobilística, motociclística, náutica e kartista. Entre os clientes da Oral estão a BMW, Bugatti e Aprilia. Foi esta empresa quem transformou a Ferrari Pinin — aquele sedã conceitual de quatro portas, estacionário — em um veículo funcionante, e também foi ali que parte do projeto do V10 aspirado de Fórmula 1 da BMW foi desenvolvido.

Seu último projeto foi o Project 1221, que visava fazer um supercarro movido a turbina a gás, capaz de chegar a 430 km/h. O projeto, contudo, não foi adiante e o último resquício, seu site oficial, foi tirado do ar em 2020.

Mauro Forghieri morreu no último dia 2 de novembro, aos 87 anos.