Continuando a sequência de corridas surpreendentes na temporada de 2021 na Fórmula 1, o Grande Prêmio do Azerbaijão foi repleto de emoções fortes. Especialmente o final da prova – que, na prática, tornou-se um showdown de duas voltas, com direito a relargada estática, por causa de um acidente com Max Verstappen.
Verstappen perdeu um dos pneus, bateu no muro e rodou, levando à bandeira vermelha que interrompeu a prova. Na relargada, os pilotos mantiveram as posições em que estavam no momento da interrupção, com Sergio Pérez na ponta e Lewis Hamilton em segundo.
Quem acompanhou a prova lembra perfeitamente do que aconteceu. Pérez não largou muito bem e, já na curva 1 do circuito de Baku, Hamilton avançou para tomar a dianteira. E foi aí que o momento mais chocante ocorreu: os freios dianteiros de Hamilton travaram as rodas e, deslizando em alta velocidade, o britânico da Mercedes foi forçado a se jogar para a área de escape.
Resultado: Sergio Pérez vencedor, com 25 pontos, subindo duas posições e abocanhando o terceiro lugar no campeonato; e Lewis Hamilton na última posição, ficando sem pontuar pela primeira vez desde o GP da Áustria de 2018 – 54 GPs atrás, para colocar as coisas em perspectiva. Verstappen, apesar do incidente desastroso, segue na liderança do campeonato com 105 pontos, enquanto Hamilton vem em segundo com 101 pontos. Essa temporada promete.
Embora a corrida tenha sido interrompida pelo acidente de Verstappen, o que realmente está na boca do povo é a trapalhada de Hamilton. Depois da corrida, o piloto falou com a equipe pelo rádio, e o diálogo imediatamente colocou uma luz sobre o que aconteceu.
“Será que eu deixei o botão mágico ligado? Eu podia jurar que desliguei”, foram as palavras de Hamilton. Mas que botão mágico é esse? O que ele faz? E por que ele causou o travamento das rodas dianteiras?
Botão mágico
Como explica o vídeo rápido e rasteiro do canal WTF1 (veja acima), fala-se nesse tal “botão mágico” da Mercedes-Benz desde 2015, quando Peter Bonnington, engenheiro do carro de Hamilton, disse ao piloto para desligar o “botão mágico” durante o Grande Prêmio de Mônaco.
Trata-se de um dos mais de 20 botões que um carro de Fórmula 1 moderno costuma ter no volante, em média. No caso da Mercedes, estamos falando de 25 botões e seletores diferentes. Desses vinte e cinco, cinco são usados para controlar diversos aspectos do funcionamento dos freios, entre eles, o tal magic button. Três outros controlam o diferencial e definem a distribuição de torque entre as rodas traseiras. Os restantes controlam diversas outras funções do carro, como ajustar o acerto do motor (ou Power Unit, como a Mercedes chama), acionar o rádio, ativar o DRS (Drag Reduction System, usado para reduzir o arrasto e ganhar velocidade em ultrapassagens), ou mesmo mudar as informações que aparecem na tela.
Sim, são botões pra caramba. E, como você deve imaginar, acioná-los durante a corrida é uma tarefa complicada que requer prática e precisão – e essa última é algo difícil de se obter usando luvas em um carro de Fórmula 1 a 300 km/h ou mais.
Hamilton pode isso na pele no final do Grande Prêmio do Azerbaijão. Ele provavelmente acionou o “botão mágico” sem querer em algum momento, enquanto se preparava para a relargada, e todos viram as consequências.
O que ele faz?
Como dissemos mais acima, o “botão mágico” atua sobre os freios. Mais especificamente, ele é usado para alterar o equilíbrio dos freios e priorizar os dianteiros. O objetivo, porém, não é alterar o comportamento do carro, e sim aquecer mais rapidamente os freios e pneus.
É aí que entra a tal mágica – que, na verdade, é um processo surpreendentemente simples. Ao deixar o balanço dos freios mais dianteiro, aumenta-se o calor produzido pelas frenagens. Consequentemente, os freios se aquecem mais rápido e os pneus também. E estamos falando de temperaturas altíssimas: para funcionar da forma ideal, os freios precisam atingir nada menos que 500°C. Abaixo dos 400°C, a capacidade de frenagem fica comprometida.
O botão fica atrás do volante, pouco acima da aleta para trocar as marchas. De acordo com a Mercedes, o balanço dos freios fica normalmente entre 53% e 57% nas rodas dianteiras, e o restante nas rodas traseiras. Com o “botão mágico” acionado, porém, mais de 75% da força de frenagem podem ser direcionados para a roda dianteira. O que, nas palavras do próprio Hamilton após a corrida, o deixou praticamente sem freios nas rodas de trás. Nas conversas com a equipe pelo rádio, os engenheiros dizem que o piloto provavelmente apertou o botão por engano enquanto se preparava para largar de novo.
O efeito prático foi o mesmo de uma freada repentina e fora de hora, o que travou as rodas dianteiras e, consequentemente, fez com que Hamilton passasse direto na curva. Quem comemorou foi Max Verstappen, que conseguiu se manter em primeiro lugar no campeonato graças ao erro de Hamilton, e ainda viu seu colega vencer a prova e subir para terceiro.
O ocorrido levou a comunidade automobilística a questionar se os carros de Fórmula 1 modernos não estão complexos demais, e se a pressão sobre os pilotos pode acarretar erros como o de Hamilton. Mas não é de hoje que um botões apertados na hora errada causam prejuízos à corrida de alguém. Para ilustrar, separamos aqui outros “causos” semelhantes – alguns mais embaraçosos que outros, claro.
Nico Rosberg – GP da Espanha de 2016
O primeiro exemplo também aconteceu com a Mercedes, mas no Grande Prêmio da Espanha de 2016, em Barcelona. Na ocasião, Nico Rosberg era o colega de Hamilton na equipe – e, por um erro de configuração no volante, acabou tirando os dois pilotos da corrida logo na primeira volta.
Hamilton tinha a pole e Rosberg largou em segundo, mas não demorou para que os papéis se invertessem – logo na primeira curva, o alemão conseguiu ultrapassar o britânico por fora, mas não conseguiu manter a velocidade por muito mais tempo. Resultado: na curva 3, ao perceber Hamilton se aproximando, Rosberg tentou evitar uma ultrapassagem mas estava lento demais. Hamilton o atingiu na traseira e os dois foram direto para a brita.
O erro de Rosberg, porém, aconteceu antes da corrida. No volante dos carros dos dois pilotos havia um seletor chamado “Strat” (de Strategy), com até 15 calibragens diferentes para o motor. Através dele, pode-se mudar o mapeamento do powertrain de acordo com diferentes situações, o que muda drasticamente a entrega de força e permite, por exemplo, que se poupe o motor durante uma volta como safety car, ou que se aproveite tudo o que ele tem para oferecer durante os treinos de classificação. É um dos comandos mais utilizados pelos pilotos, que o acionam de forma quase intuitiva.
Embora os detalhes do que ocorreu tenham ficado nos bastidores da Mercedes na época, não é difícil deduzir o que aconteceu.
Antes da corrida, os pilotos usam o seletor “Strat” para pré-selecionar o mapeamento do powertrain que será empregado após a volta de aquecimento (ou apresentação). Isso porque, durante a volta de aquecimento, os carros de F1 modernos utilizam um modo específico para largadas, que reduz a entrega de potência do motor e aumenta a intensidade de atuação do ERS (Energy Recovery System). Quando a volta acaba, o powertrain entra automaticamente no modo que foi selecionado antes da largada, liberando toda a potência disponível.
No carro de Hamilton, tudo aconteceu conforme o previsto – a volta de aquecimento acabou e, logo em seguida, o motor passou a trabalhar na configuração ideal para corridas.
Rosberg, por outro lado, selecionou o modo errado antes de começar a prova. Assim, seu carro não entrou no modo corrreto após a volta de apresentação e continuou com menos força. O piloto só percebeu o problema quando já era tarde demais e não conseguiu tomar distância do colega de equipe – que, no calor do momento, não percebeu que o carro da frente estava muito lento.
Depois da corrida, Nico Rosberg comentou que até apertou o botão de ultrapassagem como forma de tentar obter força extra e segurar-se no primeiro lugar. Mas já não fazia diferença.
Por sorte, aquela era apenas a quinta corrida da temporada e Rosberg teve bastante tempo para correr atrás do prejuízo. Ele terminou o ano de 2016 com seu primeiro título e, cinco dias depois de sagrar-se campeão, anunciou sua aposentadoria como piloto.
Romain Grosjean – GP do Azerbaijão de 2018
Outra confusão com o balanço dos freios também aconteceu no Azerbaijão, porém de forma oposta: Romain Grosjean apertou um botão sem querer e colocou toda a força de frenagem nas rodas traseiras, e não nas dianteiras.
A situação aconteceu em uma corrida importante para a Haas, equipe que Grosjean defendia na época. Depois de largar lá no fim do grid, o suíço conseguiu subir posições ao longo de toda a prova e chegou à sexta posição – um belo resultado que foi jogado fora por conta do engano.
Na volta 40, um acidente entre Max Verstappen e Daniel Ricciardo tirou ambos da corrida e trouxe o safety car para a pista. Grosjean aproveitou para aquecer os pneus e, sem perceber, esbarrou no seletor que controlava a distribuição de força dos freios. E foi um esbarrão feio, porque ele colocou praticamente todo o balanço dos freios para trás.
Ao tocar nos freios, as rodas traseiras travaram na hora. Grosjean perdeu o controle, rodou e acertou o muro. Mesmo com a velocidade relativamente baixa, o impacto foi o bastante para tirá-lo da corrida – e ainda prolongou a estada do safety car na pista.
Heikki Kovalainen – GP da Austrália de 2008
Este exemplo é especialmente tocante porque aconteceu na estreia de Heikki Kovalainen como piloto da McLaren, durante o Grande Prêmio da Austrália em 2008. O finlandês, recém-saído da Renault, havia feito um belo treino de classificação e largou em terceiro, atrás de Lewis Hamilton e Robert Kubica.
Kovalainen fez uma boa corrida e manteve-se no primeiro pelotão. Na da penúltima volta ele estava em quinto, atrás Hamilton (que vinha na ponta), Nick Heidfeld, Nico Rosberg e Fernando Alonso. Ao fim da volta, ele conseguiu ultrapassar Alonso e já se preparava para comemorar o quarto lugar – fora do pódio, mas um bom resultado em sua estreia na nova equipe.
Então, para decepção geral, Kovalainen apertou sem querer o botão que liga o limitador de velocidade do carro – comando usado, como é de conhecimento geral, dentro dos boxes. O carro perdeu velocidade na hora e Fernando Alonso recuperou o quarto lugar.
Foi um erro bobo e totalmente evitável, pelo que disse o próprio Kovalainen depois da corrida.
“Eu tirei a mão do volante para ajeitar a viseira do capacete e acabei acertando o botão [do limitador] com o pulso. O botão fica bem longe do volante, mas eu acabei apertando e o limitador ligou. Quando vi que o carro perdeu potência, minha reação foi de alguma forma apertar o botão de novo. Por alguma razão achei que ele fosse o problema. Deu certo e o carro começou a andar de novo.”
Mas já era tarde. No fim das contas Kovalainen terminou em quinto – tudo aconteceu muito rápido e o carro de trás (a Williams de Kazuki Nakajima) não teve tempo de ultrapassá-lo.
Depois do ocorrido, a McLaren mudou a posição do botão para evitar novos contratempos como esse.
Nigel Mansell – GP do Canadá de 1991
Como muita coisa que envolve Nigel Mansell, esta história é um tanto confusa e meio cômica.
Em 1991, Mansell estava na Williams e seu maior rival era Ayrton Senna. O brasileiro já estava buscando seu terceiro título e já havia vencido as quatro primeiras provas – Estados Unidos, Brasil, San Marino e, claro, Mônaco. Mansell, vice líder àquela altura, vinha de três DNFs e terminou o GP de Mônaco em segundo.
O GP do Canadá, em Montreal, tinha tudo para ser a redenção de Mansell. O revolucionário Williams FW14, que àquela altura já tinha câmbio semi-automático (outros sistemas eletrônicos, como suspensão ativa, controle eletrônico de tração e freios ABS, foram adicionados em 1992 no FW14B), fez sua parte e ajudou o britânico a segurar-se na ponta do começo ao fim da prova. Para ajudar, na volta 25 Ayrton Senna teve um problema com o alternador e foi forçado a deixar a pista antes da hora.
Com uma boa distância de Nelson Piquet (Benetton), que vinha em em segundo, e do colega de equipe Riccardo Patrese em terceiro, Mansell teria vencido a corrida se não fosse por, bem… por ele próprio.
Faltando apenas uma volta, Mansell havia conseguido tomar quase um minuto de distância de Nelson Piquet. Exatos 57 segundos. Então, antes do último grampo do circuito – a Epingle du Casino – o Williams FW14 sofreu um stall e simplesmente parou enquanto contornava a curva.
Piquet, evidentemente, continuou de pé cravado e garantiu a vitória – a 23ª e última de sua carreira na Fórmula 1.
O que aconteceu é motivo de controvérsia até hoje. A explicação de Mansell depois da corrida envolveu problemas no câmbio – que, verdade seja dita, eram recorrentes com o FW14 àquela altura e já haviam prejudicado o piloto anteriormente.
“Eu quase não consigo acreditar. Quando entrei no grampo, eu reduzi da quinta marcha para a quarta, como fiz nas outras 68 voltas, mas o câmbio entrou na neutra e o motor morreu quase simultaneamente, como se fosse um problema elétrico. O carro só parou, simples assim.”
A Williams, na época, foi mais concisa e limitou-se a dizer que o carro teve “um problema elétrico”.
Contudo, há outra teoria – bem mais popular e um tanto cômica – que diz que, na verdade, Mansell desligou o motor sem querer enquanto acenava para o público.
Até mesmo o site da Fórmula 1, em um artigo de 2003, diz que o mais provável é que Mansell tenha se descuidado e deixado o giro do motor cair demais. Com isso, os sistemas elétricos e hidráulicos do FW14 deixaram de funcionar, incluindo o câmbio. Evidência disso é que, ao retornar para os boxes, o carro foi ligado de novo e tudo funcionava normalmente. Incluindo o câmbio.
Mansell ainda ficou com o sexto lugar e marcou seu primeiro ponto. E a imagem abaixo mostra o quanto ele ficou satisfeito com o resultado.
Sabe aquela conversa de que não se pode cantar vitória antes da hora? Pois é…