Na última quinta-feira, 25 de janeiro, o aumento dos limites nas Marginais de São Paulo completou um ano. As estatísticas preliminares, divulgadas pela prefeitura de São Paulo e pelo sistema Infosiga, do governo estadual, apontaram que o número de mortes nestas duas vias paulistanas aumentou 23% em relação a 2016. Aparentemente é difícil para as pessoas conterem o impulso de relacionar o aumento do número de mortes ao aumento dos limites.
A opinião pública já tratou de fazer esta associação, e o jornal Folha de S. Paulo publicou uma matéria um tanto confusa, na qual despeja algumas informações sobre os limites e em seguida já fala sobre os mortos sem estabelecer uma conexão muito clara entre ambos. Mais ainda: ao traçar o perfil das vítimas e de seus acidentes, corrobora com nosso argumento de que não há dados ou estudos suficientes para determinar as causas dos acidentes fatais em São Paulo (e no Brasil), embora faça uma argumentação contrária: para o jornal os dados não são suficientes para descartar o aumento dos limites como efeito — como se o fator velocidade fosse intrínseco a qualquer acidente.
O número de mortes aumentou mesmo?
Sim. O número de mortes nas marginais aumentou em termos absolutos. Em 2017 foram 32 vidas perdidas; em 2016 foram 26 — e 32 é maior que 26, portanto o número de mortes aumentou.
Porém estamos falando de um número fora de contexto. Uma pessoa de 70 kg pode ser considerada obesa? Aposto que sua resposta é “depende”. Se esta pessoa tiver 1,40 m de altura e 10 anos de idade, sim, ela é obesa. Mas se estivermos falando de um adulto de 1,80 m? Então antes de apontar o dedo para as placas de 90 km/h, precisamos contextualizar os números.
Nenhuma estatística de mortes no trânsito usa números absolutos — exceto em sua meta de zerar as mortes. Em todos os países do planeta a estatística é feita relacionando o número mortes por 100.000 habitantes e/ou o número mortes por 100.000 veículos. Assim você tem um quadro mais preciso da violência no trânsito. A população de São Paulo aumentou menos de 23% — o aumento foi de cerca de 0,6% segundo o IBGE. A frota paulistana também não aumentou 20% entre 2016 e 2017 — a estatística é imprecisa, mas o crescimento anual raramente supera 1%. Então podemos dizer que o número relativo de mortes aumentou?
Não. Primeiro porque estamos falando da população e da frota da cidade inteira, e o número de mortes diminuiu se considerarmos a cidade toda. Ele aumentou em algumas ruas e diminuiu em outras. Nas Marginais aumentou. Então precisamos fazer uma análise localizada. Como? Descobrindo o número de pessoas e/ou de carros que circularam pelas Marginais em 2017. Aqui mora nosso primeiro problema.
A Companhia de Engenharia de Tráfego ainda não divulgou seu relatório anual de volumes e velocidades — que estuda o volume de carros que circulam diariamente nas ruas paulistanas e suas velocidades médias. Então não temos como saber se o número de carros nas marginais aumentou ou diminuiu. Não podemos contextualizar o número absoluto de mortes. E sem esse contexto não temos um ponto de partida. Se o volume de tráfego aumentou 40% nas Marginais em 2017, a mortalidade diminuiu. Se o volume de tráfego diminuiu 40%, esse aumento é muito mais grave do que parece. Então entender este contexto não é uma questão de embasar argumentos, mas entender a situação real da segurança nas marginais para poder combater os fatores de risco com eficiência.
Outro erro no debate é analisar a variação mensal ou em relação ao ano anterior — que é ainda pior sem este contexto. O número de mortes no trânsito paulistano vem diminuindo desde 2007. Sim: são 10 anos de queda nas fatalidades. Quatro gestões, três partidos diferentes. Limites iguais, limites mais baixos, limites mais altos. Mais gente, mais carros, mais motos. Mas o discurso político-ideológico-midiático faz parecer que a situação é pior porque observamos um aumento pontual – ao menos por enquanto. Quando se analisa a série histórica (uma expressão que o ex-prefeito Fernando Haddad popularizou em suas justificativas técnicas), você tem um panorama mais abrangente da realidade do trânsito: ele está mais seguro. Nas Marginais, inclusive — mesmo com o aumento no número de mortes em 2017, o número de vítimas é o segundo menor em 10 anos.
Dez anos em queda
Em 2007 o número de mortes no trânsito de São Paulo era 1.566. Em 2017 foram 883 mortes. Comecei em 2007 porque é o início da série usada pela CET. Nestes dez anos o número de mortes no trânsito reduziu 43% — e segue caindo. Nestes mesmos dez anos a população da capital aumentou de 10.900.000 em 2007 para 12.100.000 em 2017 — uma variação de 10%. Isso significa que em 2007 o índice de mortes no trânsito era de 14,36 por 100.000 habitantes. Em 2017 este índice é de 6,88 por 100.000 habitantes. A redução proporcional, portanto, não foi de apenas 43%, e sim 52%.
Contextualizando os números com base na variação da frota paulistana, em 2007 São Paulo tinha 6.000.000 de veículos registrados. Em 2017 a frota da cidade era de 8.500.000 veículos — um aumento de 41%. Nesse caso, o índice de mortes era 26,1 por 100.000 veículos em 2007 e 9,8 por 100.000 veículos em 2017. Uma redução de 62% em 10 anos.
Agora a pergunta de um milhão de reais: por que os acidentes fatais diminuíram? Bem… boa sorte procurando a resposta, porque não há um estudo desta série de 10 anos iniciada em 2007 pela CET. Você pode argumentar que foram os limites de velocidade. É possível que a adequação de limites altos demais tenha ajudado sim. Afinal, havia avenidas com travessia de pedestres e limites de 70 km/h — sendo que o máximo recomendável é 60 km/h dependendo da geometria e da utilização da via. Só que o número de acidentes fatais já estava em queda antes das reduções de limites — de pedestres e ciclistas, inclusive. O número também estava em queda antes da proliferação dos radares, e estava em queda antes da obrigatoriedade de airbags e ABS.
E nas marginais?
Nas Marginais o número de mortos era 83 em 2007 (49 na Marginal Tietê, 34 na Marginal Pinheiros). Esse número chegou ao pico de 90 mortes em 2008, com 60 fatalidades na Marginal Tietê e 30 na Marginal Pinheiros. Em 2013 o número era 63 (39 na Tietê, 24 na Pinheiros). Em 2015, que teve os primeiros meses de limites reduzidos, o número de mortes foi 49, em 2016 foi 26 e 2017 foi 32. Na década considerada pela CET, o número de mortes, portanto, diminuiu 62%. O número de 2017, com os limites mais altos durante praticamente o ano todo, é menor até que o número de 2015, com seis meses de limites mais baixos, e 57% menor que 2014, o último ano com limites iguais aos de 2017 — que teve frota e população maiores.
Houve uma queda acentuada de 2015 para 2016, o que pode ser atribuído aos novos limites de 70 km/h. Mas quando os limites de velocidade foram aumentados em 2017, o número ainda foi significativamente menor que em 2015.
Diante disso, como afirmar que o aumento das mortes é relacionado diretamente com o aumento dos limites de velocidade se não sabemos quais fatores efetivamente colaboraram para a redução das mortes na cidade? Se não sabemos se o volume de tráfego nas marginais aumentou ou diminuiu em 2017, e se o número de mortes foi significativamente menor que no último ano com os mesmos limites, mesmo com população e frota maiores?
A resposta é: investigando os acidentes.
Como foram os acidentes fatais de 2017?
Segundo a prefeitura de São Paulo houve 32 mortes decorrentes de 29 acidentes. A prefeitura afirma que nenhum dos acidentes teve relação com o aumento dos limites e que quatro deles aconteceram em áreas onde os limites antigos foram mantidos devido às características da via. A prefeitura também diz que a “imprudência” e a “inexperiência” são os fatores mais relevantes, mas isso não quer dizer muita coisa quando se trata de combater as causas — afinal, o que é considerado imprudência?
Dos 32 mortos, quatro eram pedestres, quatro eram condutores fora de seus veículos em situação de emergência, 22 eram motociclistas e apenas dois eram ocupantes de carros.
A seguir, listamos o que se sabe sobre cada um dos acidentes fatais acontecidos nas marginais em 2017 — a apuração de parte dos acidentes é da Folha de S. Paulo, que teve acesso aos registros policiais. A lista é um pouco extensa, mas é fundamental para entender melhor o que está acontecendo nas Marginais paulistanas.
O primeiro acidente fatal aconteceu em 14 de fevereiro de 2017, às 5:50. Uma professora teve seu carro imobilizado por uma pane mecânica na pista expressa da Marginal Pinheiros. O carro foi parado na faixa da esquerda da pista expressa (abaixo), e em seguida atingido por um motociclista de 48 anos que morreu na colisão. Segundo testemunhas — a dona do carro e um segundo motorista que passava pelo local e chegou a ter seu pneu furado pelos detritos da moto —, o motociclista nem chegou a frear.
O segundo aconteceu em 4 de março, às 23:00 na Marginal Pinheiros, quando um motociclista de 29 anos foi atingido por um carro que fugiu do local. Sem câmeras de monitoramento, não há mais informações além de relatos de testemunhas sobre um carro “em alta velocidade”.
O terceiro acidente aconteceu dois dias depois, em 6 de março, na Marginal Pinheiros por volta das 23 horas. Um adolescente de 16 anos conduzia uma moto quando foi abordado pela polícia. Ele não parou e iniciou uma fuga que só acabou com sua queda fatal.
Em 10 de março um motociclista de 21 anos morreu ao ser atropelado após forçar a ultrapassagem entre duas carretas e cair sob o rodado de uma delas, segundo testemunhas do acidente. O acidente aconteceu por volta das 20 horas.
O quinto acidente aconteceu também em março, no dia 25 por volta da 1:00 na Marginal Pinheiros. Um homem de 27 anos estava voltando para casa com o irmão na garupa de sua moto quando colidiu com a lateral de um caminhão. Segundo o relato na Folha de S. Paulo, isso é tudo o que se sabe sobre o acidente, conforme o boletim de ocorrência.
Ainda em março aconteceu o sexto acidente. Às 10:40, na altura da Ponte Orestes Quércia, na Marginal Tietê, um homem de 21 anos que trabalhava como motoboy havia somente três meses, forçou uma ultrapassagem entre dois caminhões e teve sua calça presa na carroceria de um dos caminhões. Ele acabou desequilibrado, caiu e foi atropelado pelo veículo.
O sétimo acidente aconteceu sob a chuva do dia 6 de abril de 2017. Um motociclista de 39 anos perdeu o controle de sua moto após uma derrapagem na pista molhada da Marginal Tietê e caiu à frente de um caminhão, que não teve tempo de frear e acabou o atropelando.
O oitavo acidente aconteceu dois dias depois, nas primeiras horas do sábado, 8 de abril de 2017. Um motociclista de 30 anos morreu em um acidente até hoje não esclarecido. Tudo o que se sabe foi relatado por testemunhas que trabalham próximo ao local do acidente na Marginal Tietê, que disseram apenas ter ouvido o barulho e visto a moto caída na pista. Inicialmente foi noticiado que ele fora atingido por um carro, que fugiu sem prestar socorro. Mais tarde, a namorada da vítima disse à Folha de S. Paulo que recebeu uma mensagem de Whatsapp que dizia que seu namorado estava sendo perseguido por outro motociclista quando sofreu o acidente.
O nono acidente fatal aconteceu em 23 de abril, às 6:15. Um motociclista de 29 anos tentou ultrapassar um carro que ziguezagueava à sua frente, mas foi fechado pelo veículo que tocou em sua moto, provocando sua queda. O motociclista morreu no local, mas sua noiva, que estava na garupa, teve apenas ferimentos leves.
A décima morte nas Marginais em 2017 foi a primeira com um pedestre. Um idoso de 75 anos tentou atravessar a Marginal Tietê às 3:00 do dia 25 de abril quando foi atingido por um caminhão Kia Bongo e arremessado na direção de outro veículo que não teve tempo de reagir e também atropelou o idoso. Segundo a família, o idoso passava por um tratamento psiquiátrico, mas nunca teve problemas no caminho que fazia rotineiramente, embora no dia do atropelamento estivesse no sentido oposto do habitual. O motorista do Kia Bongo fugiu, mas o segundo motorista parou para prestar socorro e testemunhar o ocorrido.
A décima-primeira morte aconteceu em 12 de maio, às 3:50. Uma jovem de 19 anos voltava para casa de carona com o gerente do bar onde trabalhava quando a moto em que estavam foi atingida por um carro. A moça morreu no local e o motorista fugiu. Segundo a família, não há mais informações sobre o acidente.
A décima-segunda vítima foi uma garota de 14 anos que estava em um carro atingido por outro carro por volta das 19 horas do dia 27 de maio na Marginal Pinheiros. Segundo as informações apuradas pela Folha de S. Paulo, a garota, sua mãe e um outro passageiro foram arremessados para fora do carro após a colisão — o que indica que, talvez, eles não estivessem usando o cinto de segurança. A motorista que causou o acidente relatou à polícia que seu carro acelerou subitamente e que ela não conseguiu parar o carro.
A décima-terceira vítima foi um motociclista de 29 anos que, após uma discussão de trânsito, tentou chutar o retrovisor de um carro, desequilibrou-se, caiu e foi atropelado por um caminhão que vinha logo atrás e não teve tempo de frear. O acidente ocorreu por volta das 9:15 do dia 2 de junho, na Marginal Tietê.
A décima-quarta vítima foi um motociclista de 37 anos que transitava pelo corredor na Marginal Pinheiros quando foi atingido por um carro que tentava mudar de faixa às 17:45 do dia 6 de junho. O motorista permaneceu no local e prestou o depoimento à polícia.
A décima-quinta vítima foi o segundo ocupante de um carro a morrer nas Marginais em 2017. O homem de idade não declarada perdeu o controle de seu carro às 5:00 do dia 7 de junho e bateu em um muro. Ele morreu no local. Ao jornal Folha de S. Paulo, sua filha disse acreditar que, por sofrer de hipertensão, o motorista pode ter sofrido um mal súbito ao volante.
A décima-sexta vítima foi um motociclista de 34 anos que foi atingido por outro motociclista em uma manobra brusca realizada para sair da Marginal Tietê às 7:30 do dia 30 de junho. Ele morreu no caminho para o hospital.
A décima-sétima vítima foi um motociclista que caiu próximo à ponte do Limão, na Marginal Tietê, por volta das 8:00. Não se sabe mais nada sobre o acidente, se houve colisão, se o motociclista se desequilibrou ou se ele teve um mal súbito.
A décima-oitava vítima foi um pedestre de 43 anos que, segundo sua família, trabalhava como ambulante na Maginal Tietê na noite do dia 17 de julho quando foi atropelado. Não há mais informações sobre o acidente.
A décima-nona vítima também foi um pedestre que atuava como vendedor ambulante na Marginal Tietê. O acidente aconteceu às 17:20 do dia 31 de julho. O homem de 34 anos estava no meio da pista quando foi atingido por um carro que mudava de faixa. O motorista disse que não viu a aproximação do vendedor e só percebeu quando o atingiu. Ele chegou a ser socorrido pelo SAMU, mas morreu no local.
A vigésima vítima foi um motociclista de 50 anos que colidiu na lateral de um carro na Marginal Tietê no dia 5 de agosto, por volta das 23:00. Segundo o motorista, o motociclista atingiu a lateral direita do carro e depois atingiu a divisória de concreto da pista central da Marginal. O motorista parou para prestar socorro, mas a vítima não resistiu e morreu no local.
A vigésima-primeira vítima foi uma motociclista de 33 anos. Ela foi encontrada caída a cerca de 20 metros de sua moto por volta das 7:00 do dia 10 de agosto na Marginal Tietê. Não se sabe o que causou a queda, mas o mecânico da família disse à Folha de S. Paulo que acredita que o freio traseiro da moto estivesse com defeito.
A vigésima-segunda vítima foi outro motociclista, de 43 anos. Ele foi atingido por um motorista de ônibus que, segundo testemunhas, transitava em alta velocidade e usava o celular, quando bateu em um carro parado por pane na pista da direita. Com a colisão o ônibus desviou para a faixa ao lado atingindo o motociclista, que morreu no local.
A vigésima-terceira vítima foi uma mulher de 43 anos que circulava na garupa da moto Kawasaki do marido. Por volta das 10:00 do dia 16 de setembro, um carro freou subitamente à frente do casal para atravessar duas faixas e pegar uma saída à direita. O marido da vítima não conseguiu frear a tempo e a moto acabou batendo no carro. A mulher morreu no local.
As três vítimas seguintes morreram todas em um mesmo acidente. Uma motorista de 28 anos embriagada, com a CNH suspensa, e usando o celular atingiu três pessoas por volta das 5:00 do dia 30 de setembro na Marginal Tietê. Os três eram parte de um grupo de amigos que voltava de uma festa e estavam em um recuo da pista fazendo a substituição de um pneu furado.
A vigésima-sétima vítima foi um pedestre que, por motivos não esclarecidos, estava no meio da pista local da Marginal Pinheiros por volta da 1:15 do dia 25 de outubro. Ele foi atingido por um motorista que não percebeu sua presença e morreu no local.
A vigésima-oitava vítima foi um motociclista de idade não divulgada que se desequilibrou na pista expressa da Marginal Tietê e caiu em frente a um caminhão no dia 8 de novembro, por volta das 9:00. Ele morreu no local.
A vigésima-nona vítima foi uma moradora de rua de aproximadamente 40 anos que, segundo relatos, se atirou em frente a um caminhão na tarde do dia 28 de novembro na Marginal Pinheiros.
A trigésima vítima foi um homem de idade não divulgada, que foi atropelado enquanto socorria vítimas de um outro acidente ocorrido na manhã do dia 16 de dezembro. Ele passava pelo local de moto quando parou para socorrer os feridos e acabou atropelado por outro motociclista junto com outra pessoa que o ajudava. O homem e as vítimas do outro acidente foram socorridos pelo SAMU, mas ele acabou morrendo no hospital.
A trigésima-primeira vítima foi um motociclista que perdeu o controle de sua moto na madrugada do dia 18 de dezembro e acabou colidindo contra um poste. Não se sabe se ele estava em alta velocidade ou se perdeu o controle devido à pista molhada.
Não encontramos detalhes sobre o trigésimo segundo acidente, mas segundo as informações do InfoSiga, trata-se de um motociclista menor de idade que sofreu acidente na Marginal Pinheiros.
Onde estão os estudos e relatórios?
Como você pode perceber ao ler as descrições dos acidentes, os detalhes são escassos. Pouco se sabe sobre as condições em que os acidentes aconteceram — e o pouco que se sabe foi relatado por testemunhas ou sobreviventes.
É possível que a situação tenha sido influenciada pelo aumento de velocidade? Sim, é possível. Mas também é possível que eles tenham acontecido em velocidades bem inferiores aos antigos limites.
Vimos ao menos duas hipóteses de falha mecânica, vimos casos de motociclistas que se desequilibraram (o que pode indicar pneus em mau estado, irregularidades da pista, excesso de velocidade, falha mecânica, distração, uso de celular, falta de perícia do condutor etc), vimos uma situação em que pessoas foram arremessadas do carro (o que pode indicar falta do cinto de segurança), vimos um único acidente que matou três pessoas, causado por uma motorista que não deveria estar dirigindo. Vimos dois casos de vítimas com histórico de problemas de saúde.
Sabe-se que os acidentes aconteceram em sua maioria à noite — quando há menos carros e a velocidade é maior, mas também é quando as pessoas estão mais cansadas e/ou menos atentas, quando a visibilidade é menor e quando as pessoas retornam de festas e eventos sociais. A maioria dos acidentes aconteceu com motociclistas — cuja velocidade excessiva no corredor (não necessariamente acima dos limites) já foi apontada como fator relevante por um estudo de acidentes da CET de 2011.
Mas não se sabe se alguma vítima ou causador do acidente usava o celular enquanto conduzia. Não se sabe se alguma vítima ou causador do acidente estava embriagada ou sob efeito de substâncias tóxicas ou medicamentos. Não se sabe se alguma vítima teve um mal súbito. Não se sabe em que velocidade o acidente aconteceu. Em alguns casos não se sabe nem como o acidente aconteceu.
É por isso que precisamos controlar o impulso ideológico, a torcida futebolística — que houve quando os limites foram reduzidos (“Não vai mudar nada!”) e quando eles foram aumentados (“Mais gente vai morrer!”). Estas pessoas morreram e nós nem sabemos como.
E não temos como saber porque o governo não gera dados suficientes, porque as mortes não sao investigadas — somente 6% de todas as mortes violentas têm investigação no Brasil. Pior ainda: a prefeitura de São Paulo disse que não é preciso fazer estudo algum, mas também não apresenta as causas dos acidentes fatais — o último estudo foi publicado em 2011! Precisamos saber como estas pessoas morreram porque as famílias têm o direito de saber, mas principalmente porque as políticas públicas de segurança no trânsito precisam ser baseadas em fatos concretos.
Precisamos saber se a geometria das vias está correta (“curva perigosa adiante”, quem nunca viu?). Se a qualidade da pavimentação tem influência nas quedas de motociclistas. Se a qualidade dos capacetes é suficiente para protegê-los. Se o mobiliário urbano não está os matando. Se o uso de celulares está causando acidentes (como nos EUA e Europa). Se os limites são altos demais.
A campanha é voltada aos motoristas, mas os pedestres — chamados “smartphone zombies” — já são uma preocupação
Como já dissemos anteriormente, o trânsito é formado por três elementos básicos: veículo, via e pessoas. Antes de se apontar causas e consequências de acidentes e fatalidades, precisamos ter informações suficientes sobre as condições de cada um destes elementos na circunstância do acidente. Sem isso corremos o risco de lutar contra moinhos de vento, desperdiçando nossa energia em ações que não serão realmente eficazes para reduzir o número de pessoas que perdemos no trânsito todos os anos. Ao apontar para um vilão sem saber se ele é mesmo um vilão, estamos apenas nos enganando e matando uns aos outros.