“O ar não ferve”. O argumento da Volkswagen para justificar a ausência de um sistema de arrefecimento líquido no Fusca (e nos outros modelos da família) nunca deixou de ser verdadeiro. De qualquer forma, a Volks não foi a única fabricante na história do automóvel a dispensar o radiador e o fluido na hora de resfriar o motor.
Sendo assim, pouco depois de falar sobre os carros com motor traseiro que não são Volkswagen ou Porsche, chegou a hora de falar sobre os carros com motor arrefecido a ar que não são Volkswagen ou Porsche – porque, lembre-se, o motor dos primeiros Porsche era derivado do projeto da VW. Era tudo em família.
Mas antes de começar, precisamos explicar como funciona um motor arrefecido a ar.
Em um motor de arrefecimento líquido, o responsável por resfriar o motor é o fluido que circula pelos dutos de arrefecimento do bloco e do cabeçote do motor, recebendo o calor dos componentes e o dissipando no radiador, que transfere o calor para a atmosfera.
Nos motores com arrefecimento a ar, o processo é bem mais simples: o ar circula diretamente sobre os componentes quentes do motor, extraindo o calor deles e o despejando diretamente na atmosfera. Por isso, muitos motores arrefecidos a ar trazem aletas de metal chamadas “dissipadores de calor”. A ideia é aumentar a superfície sobre a qual o ar atua e, consequentemente, a eficiência do arrefecimento.
No caso do boxer arrefecido a ar da VW, o ar é admitido para dentro da capela, onde uma ventoinha faz o papel de circular o ar e resfriar o motor. Um radiador de óleo também fica lá, pois o lubrificante também absorve o calor dos componentes e auxilia no processo
Ao abandonar o sistema de arrefecimento líquido, o motor ganha em simplicidade e perde peso – razão principal para que a Volkswagen optasse pelo arrefecimento a ar no motor do Fusca. E é por isto que, por exemplo, as motos mais baratas ainda contam com motores arrefecidos a ar: eles são mais leves, mais simples e mais baratos.
Então, vamos dar uma olhada em outros carros que tiveram motores arrefecidos a ar, fora os oferecidos pela Volkswagen e pela Porsche.
Tatra
A fabricante tcheca Tatra, fundada em 1850, começou a produzir automóveis em 1897 e, por muito tempo, apostou nos motores arrefecidos a ar. Saca só: o Tatra 11, de 1923, era um carro pequeno e barato que usava um flat-2 de 1,1 litro.
O Tatra 603, por sua vez, foi um carro de luxo com motor na traseira e visual bastante peculiar, movido por um V8 de 3,5 litros e 99 cv.
Já os Tatra projetados por Hans Ledwinka na década de 1930 guardavam muita semelhança com o que viria a se tornar o Volkswagen Fusca – no visual e na concepção mecânica, que consistia em um motor boxer na traseira.
Todos estes eram arrefecidos a ar – bem como aquele que foi o último carro de passeio fabricado pela Tatra, o 700, que foi produzido entre 1996 e 1999 e também tinha um V8 de 3,5 litros na traseira. Arrefecido a ar.
Trabant
O Trabant, carro que se tornou símbolo da queda do Muro de Berlim, também usou um motor arrefecido a ar durante boa parte de sua vida. Quando o carro foi lançado, em 1957, o motor era um dois-tempos de dois cilindros em linha que deslocava 500 cm³ para entregar 18 cv e, simples ao extremo, tinha apenas cinco partes móveis. Mais tarde, em 1962, o deslocamento aumentou para 600 cm³ e a potência, para 23 cv.
Foi só em 1991 que o Trabant adotou o arrefecimento líquido – quando sua fabricante, a VEB Sachsenring, fez um acordo com a Volkswagen para que a companhia fornecesse motores mais modernos, com quatro cilindros e 1,1 litro de deslocamento, iguais aos usados no Polo da época.
ZAZ Zaporozhets
Os ZAZ Zaporozhets forma uma série de veículos urbanos produzidos na Ucrânia entre 1960 e 1994 e, ao longo destes 34 anos, sempre foram movidos por motores arrefecidos a ar que ficavam na traseira.
A primeira geração, lançada em 1960 e batizada de 965, era um projeto feito com base no Fiat 600, e lembrava bastante o italiano em suas formas. Um detalhe crucial, porém, era que o Fiat 600 usava um motor arrefecido a água (nem todos sabem disso), enquanto o Zaporozhets tinha um motor V4 arrefecido a ar de 746 cm³ e 23 cv.
O Zaporozhets 965 foi produzido até 1969, e conviveu por alguns anos com seu sucessor, o 966, introduzido em 1966. Embora a plataforma fosse a mesma, o Zaporozhets 966 tinha um visual completamente diferente, com carroceria de três volumes e carroceria que lembrava uma versão em escala do Chevrolet Corvair.
O motor também era maior: agora deslocando 1,2 litro, o motor V4 entregava 40 cv. Isto garantiu ao Zaporozhets relativa longevidade: ele só deixou de ser produzido em 1994.
Fiat 500 e 126
Lançado em 1957, o Fiat 500 clássico era o “Fusca italiano”: carroceria com linhas para lá de simpáticas, quatro lugares, preço baixo e um motor arrefecido a ar na traseira – um dois-cilindros de 479, 499 ou 594 cm³. A receita acertou na veia, e o 500 foi um dos carros mais populares de seu tempo na Itália, mesmo com apenas 13 cv na versão de 479 cm³.
Na real, a pouca potência não era um problema tão grande caso você fizesse mesmo questão de acelerar: com uma ajudinha da preparadora austríaca Abarth, que logo se tornou a preparadora “de fábrica” da Fiat, o 500 se transformava em um carro de corrida bastante competente – os carros preparados por Carlo Abarth tinham motor com deslocamento ampliado para 595 ou 695 cm³, alcançando pouco menos de 40 cv. Claro, ainda é pouco, mas é quase o triplo da força original.
Já o Fiat 126, lançado em 1972, não foi tão popular assim na Itália – ele era, em essência, um Fiat 500 com uma carroceria mais quadrada, cujas formas lembravam uma versão em escala do 127 (este, o hatchback que deu origem a nosso conhecido Fiat 147). O que não significa que ele vendeu pouco na Europa: até 1977, o 126 teve mais de 1,3 milhão de unidades vendidas.
Se contarmos a produção polonesa, que durou até o ano 2000 pela divisão Polski Fiat, este número salta para 4,6 milhões de unidades.
Chevrolet Corvair
O Corvair pode ser considerado o “Fusca da Chevrolet”. E não apenas porque seu objetivo era combater os carros importados que já começavam a invadir o território americano na década de 1960 (o que incluía o Fusca), mas por sua própria concepção mecânica.
Tal como o Besouro, o Chevrolet Corvair tinha um motor boxer refrigerado a ar na traseira — porém com seis cilindros, como o Porsche 911 de 1963. E, assim como a família “a ar” da Volks, o Chevrolet teve diversas opções de carroceria: cupê, sedã, conversível, perua, furgão e picape estão entre elas.
O visual era discreto para a época, porém carismático, e o motor “Super Turbo Air” de 2,3 litros tinha 80 cv ou 95 cv e garantia desempenho mais do que aceitável para um modelo de entrada. Apesar do nome, nenhum deles era equipado com turbocompressor.
Citroën 2CV e GS/GSA
O Citroën 2CV era conhecido como “guarda-chuva sobre rodas”, dada a simplicidade extrema de seu projeto – a carroceria usava chapas planas de metal corrugado para as laterais e portas e havia diversos componentes que eram encaixados, e não parafusados.
Suas linhas arredondadas eram bastante peculiares, e o motor na dianteira era arrefecido a ar – um flat-2 que podia deslocar entre 375 cm³ e 602 cm³, com potência entre 9 cv e 29 cv. A tração também era dianteira, e a força era levada às rodas através de uma caixa manual de quatro marchas.
O outro Citroën com motor arrefecido a ar foi o GS. O compacto foi fabricado entre 1970 e 1986, ao longo de uma única geração (ainda que uma reestilização tenha sido promovida em 1979, quando o carro passou a se chamar GSA) e, aproveitando conceitos introduzidos anos antes com o Citroën DS, tornou-se referência de modernidade no segmento de entrada europeu.
Ele ficava entre o 2CV e o DS, e tinha um flat-4 arrefecido a ar que, era em essência, composto por dois motores de 2CV um atrás do outro.
O motor podia deslocar entre um litro e 1,3 litro e entregava algo entre 55 cv e 61 cv. A carroceria poderia ser sedã de quatro portas, hatchback de quatro portas, perua de quatro portas ou furão (van) de duas portas, sempre de dois volumes.
Honda 1300
Produzido entre entre 1969 e 1973, o Honda 1300 era um sedã de motor dianteiro que foi concebido desde o início para ter um motor arrefecido a ar. O Sr. Soichiro Honda era bem claro quanto ao que pensava: já que nos motores arrefecidos a água é o ar quem resfria o fluido, por que não descomplicar as coisas e fazer com que o ar arrefeça o motor desde o início?
O motor de 1,3 litro podia ter apenas um carburador e 99 cv, ou quatro carburadores e 115 cv. Era diferente da maioria dos motores com arrefecimento a ar porque, em vez de contar apenas com a ventilação natural promovida pelo carro em movimento, tinha um sistema com ventoinhas que ajudava a admitir o ar fresco para dentro do cofre e expulsar o ar aquecido, que era usado para aquecer o habitáculo.
Em 1970, a Honda adicionou uma carroceria cupê de duas portas e aspecto mais esportivo. Três anos depois, em 1973, o carro deu lugar ao Honda 145, que tinha um motor arrefecido a água de 1,45 litro e injeção de combustível. O mercado não recebeu o modelo muito bem, e o 145 deixou de ser fabricado em 1974 – pouco antes do lançamento do primeiro Honda Civic.