Algumas pegadinhas de 1º de abril são tão deliberadamente falsas e absurdas que sabemos se tratarem de mentiras logo de cara. Outras fazem um esforço tão grande para parecerem verossímeis que, em um primeiro momento, até nos deixamos enganar – mas basta uma segunda olhada, com mais atenção, para chegarmos à conclusão: “fui tapeado!”
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Se o carro da foto acima fosse uma pegadinha de 1º de abril, ele seria do segundo tipo. Olhando por fora, dá para jurar que se trata de um Mercedes-Benz 300SL “Gullwing” clássico dos anos 50 – e um exemplar muito bem cuidado, ainda por cima. No entanto, uma inspeção mais criteriosa revela que não se trata de um 300SL legítimo, e sim de uma réplica feita com base em um SLK 320 fabricado em 2000.
O carro está à venda em uma concessionária alemã chamada Car-Special, mas não diz quem foi o responsável pela conversão.
Quem quer que tenha sido fez um excelente trabalho, isto é inegável: a nova carroceria possui proporções muito fiéis às do 300SL original de 1954 – a ressalva fica pelas soleiras das portas, que são visivelmente mais robustas que as do clássico. O que é perfeitamente compreensível, considerando que o Gullwing original era feito de alumínio sobre uma estrutura tubular, enquanto o SLK 320 de primeira geração (R170) usava um monobloco desenvolvido quase meio século depois, construído de acordo parâmetros modernos de segurança em caso de impacto.
A mistura de elementos modernos e clássicos segue por todo o carro. Os faróis usam lentes lisas e projetores, mas as lanternas são iguais às originais, e as rodas de alumínio foram fabricadas sob medida com o mesmo visual das rodas de aço estampado do 300SL.
No interior, porém, a caracterização foi mais suave: apenas os bancos receberam insertos em tecido xadrez. Todo as as superfícies restantes são cobertas de couro preto – incluindo o painel de instrumentos, que foi adaptado do SLK 320.
Ele destoa do desenho clássico da carroceria, mas por outro lado conserva todas as funcionalidades do roadster (ar-condicionado, controle de cruzeiro, direção hidráulica, airbags, controles de tração e estabilidade) e a qualidade de construção e acabamento originais. Além disso, sua manutenção deve ter facilitado bastante o serviço de conversão, pois não foi preciso reprogramar toda a eletrônica do carro para um painel de instrumentos feito sob medida.
Até o número de cilindros é o mesmo – seis, ainda que a disposição seja diferente. O 300SL original era movido por um seis-em-linha de três litros com comando no cabeçote, injeção direta de combustível (em um carro lançado 65 anos atrás!) e 240 cv. Já a réplica conserva o V6 de 3,2 litros original do SLK 320, com 218 cv. E o 300SL era mais veloz: dependendo da relação final do diferencial, ele podia chegar aos 260 km/h, sendo o carro produzido em série mais rápido do planeta em sua época. A velocidade máxima do SLK 320 é de 240 km/h.
Os alemães da Car-Special querem € 198.800 – ou mais de R$ 860.000 em conversão direta. Não é pouco dinheiro, mas é uma pechincha se compararmos com o valor de um autêntico 300SL: um exemplar em boas condições do cupê não sai por menos de R$ 6 milhões.
A não ser que você seja especialmente afeiçoado ao primeiro Mercedes-Benz SLK e ache que é uma heresia transformá-lo em um clássico (ou que você seja terminantemente contra réplicas por alguma questão moral), a réplica parece um bom negócio. E também não dá para chamá-la de heresia.
Agora, e se o caminho oposto fosse tomado, e alguém decidisse modernizar um 300SL? Qual seria o tamanho da heresia?
Pois isto aconteceu – e não uma, mas 11 vezes entre 1997 e 2006. Ao que parece, o Sultão do Brunei (quem mais?) encomendou seis exemplares de um restomod feito com base no 300SL diretamente à AMG. E, aparentemente, outros clientes decidiram se juntar para persuadir a divisão esportiva da Mercedes, pois no fim das contas outros cinco exemplares foram feitos para outros clientes na sede da AMG em Affalterbach, no sul da Alemanha.
Não se tem muitos detalhes a respeito das particularidades de cada carro, mas sabe-se que no geral as modificações foram mais técnicas, preservando a estética original em sua maior parte. O chassi tubular original foi mantido, porém alterado para receber o motor V8 M104 de 3,6 litros usado pelo C36 AMG, calibrado para entregar 380 cv. O motor foi acoplado a uma caixa automática de quatro marchas, que leva a força para as rodas traseiras através de um diferencial emprestado do Mercedes-Benz SL R129.
Os carros também receberam freios modernos, o que exigiu a adoção das rodas usadas pelos modelos AMG na época e pneus de perfil baixo. Esta foi a maior crítica dos fãs do clássico em relação ao restomod – o stance original do carro foi completamente alterado, descaracterizando sua silhueta elegante.
Apesar de serem clássicos “desvirtuados”, os carros foram vendidos pela própria AMG a € 1 milhão (R$ 4,3 milhões em conversão direta) cada.