O que acontece quando se junta a carroceria de um superesportivo italiano com o coração americano de um muscle car? Nos anos 70 o argentino Alejandro De Tomaso, radicado na Itália, decidiu responder a esta pergunta e criou o incrível De Tomaso Pantera. Feito com o apoio da Ford para conquistar o mercado norte-americano, o Pantera tinha a carroceria projetada por Tom Tjaarda, do estúdio italiano Ghia; e era movido pelo motor V8 Windsor de 351 pol³ (5,75 litros) do Ford Mustang Mach 1, com carburador de corpo quádruplo e potência de 334 cv.
A Ford importava os carros da Itália e os vendia através de sua rede de concessionárias Lincoln-Mercury, e apostava no charme da carroceria italiana somado à confiabilidade e potência da mecânica americana na hora de fazer a publicidade. Foi uma receita de sucesso para um supercarro “alternativo”: cerca de 5.500 exemplares foram vendidos nos Estados Unidos entre 1971, o ano do lançamento, e 1975. A Ford até aumentou seu envolvimento no processo de produção e controle de qualidade, mas com a crise do petróleo de 1973 e as regras mais rígidas para consumo de combustível e emissões de poluentes, a fabricante americana deixou a parceria pouco depois.
O Pantera continuou sendo fabricado pela De Tomaso por conta própria até 1992, porém em menor volume e comercializado apenas na Europa. Em 2003 a companhia original fechou as portas, deixando para trás uma bela história e mais de 7.000 exemplares do superesportivo.
Quem acompanha as notícias do mundo automotivo deve lembrar que, em 2009, os direitos sobre a marca De Tomaso foram comprados por um empresário italiano chamado Gian Mario Rossignolo. Em 2011 um carro-conceito chegou a ser apresentado no Salão de Genebra, mas jamais passou da fase de protótipo porque, em 2012, Rossignolo foi preso por estelionato. Do ponto de vista entusiasta isto até que foi uma coisa boa, porque a ideia de Rossignolo era usar a marca De Tomaso para vender crossovers de luxo…
Ainda bem que isto não aconteceu, na boa
Acontece que há gente querendo trazer o Pantera de volta. Uma nova companhia italiana chamada ARES Design decidiu criar uma interpretação moderna para o esportivo – que foi batizada ARES Panther. Há alguns aspectos positivos e alguns poréns nesta história, contudo.
O principal porém é o fato de esta nova companhia pertencer a Dany Bahar, um cara que não é exatamente adorado pelos entusiastas. Em 2009 o executivo suíço assumiu o cargo de CEO da Lotus e lançou um plano de cinco anos para tirar a tradicional fabricante britânica de esportivos leves e divertidos do vermelho. O plano, porém, consistia em lançar novos modelos maiores, mais potentes e mais caros para rivalizar com Ferrari, Porsche e Aston Martin – algo que causou mal-estar nos fãs mais tradicionais da marca. Como se não bastasse, ele ainda foi acusado de desviar fundos da companhia para gastos pessoais, sendo afastado do cargo em 2012.
Ainda bem que isto também não aconteceu
Depois de se acertar com a Lotus em um acordo privado em 2014, Bahar seguiu seu caminho e fundou a ARES. A companhia, sediada em Modena, na Itália, pode ser encarada como uma customizadora especializada em esportivos e supercarros – eles realizam modificações na carroceria, no interior e na mecânica. Mas seu plano mais ambicioso é o ARES Panther.
O “novo Pantera” será feito com base no Lamborghini Huracán – afinal, as duas companhias são vizinhas: Modena fica a cerca de 30 km de Sant’Agata Bolognese, onde fica a sede da Lamborghini. Do ponto de vista técnico também é uma boa escolha, considerando que o Huracán é bem visto por sua dinâmica e pelo desempenho do motor V10 de 5,2 litros e 610 cv. Com câmbio de dupla embreagem e sete marchas e tração integral, ele vai de zero a 100 km/h em 3,2 segundos e tem velocidade máxima de 325 km/h.
Talvez você lembre que falamos pela primeira vez do ARES Panther em dezembro de 2017. Na época tudo o que havia eram projeções e a certeza de que o ponto de partida seria o Huracán. Agora, porém, a companhia de Dany Bahar divulgou mais alguns detalhes a respeito do carro e imagens de um protótipo camuflado em testes.
Agora sabemos que o motor do Huracán teve o deslocamento ampliado de 5,2 para 5,6 litros, o que aumentou a potência de 610 cv para “pelo menos” 649 cv, enquanto o torque permaneceu em 57 mkgf. E também descobrimos que ele terá mesmo faróis escamoteáveis, sendo o primeiro carro de rua a adotá-las desde que o Chevrolet Corvette C5 e o Lotus Esprit saíram de linha em 2004.
Os faróis escamoteáveis eram muito comuns em superesportivos dos anos 70 e 80 por ajudar a manter um perfil aerodinâmico, mas caíram em desuso depois que as agências reguladoras de segurança no trânsito os consideraram perigosos demais para os pedestres em caso de atropelamento. Além disso, o desenvolvimento de lâmpadas menores e mais eficentes, incluindo projetores e LEDs, permitiram que os supercarros tivessem faróis expostos que não prejudicassem o fluxo do ar sobre a carroceria em alta velocidade.
O ARES Panther é mais uma homenagem do que, de fato, um Pantera renascido – conceitualmente os dois carros não podem ser comparados. O clássico era um superesportivo europeu com motor norte-americano feito para custar menos do que as opções tradicionais, enquanto sua “releitura” será, em essência, um Lamborghini com outra carroceria. Dito isto não há como não elogiar a forma como os designers da ARES trouxeram as linhas clássicas desenhadas pelo estúdio Ghia nos anos 70 para os dias atuais.
O Panther é um carro significativamente maior – para se ter uma ideia, o Pantera original tinha 4.013 mm de comprimento e 2.500 mm de entre-eixos, enquanto o Huracán tem 4.459 mm e 2.620 mm, respectivamente. Dito isto, as linhas do capô e do teto ficaram bem fiéis à proposta original, assim como o formato dos vidros e a inclusão das entradas de ar nas laterais. O interior do carro também deverá ser inspirado no clássico e, se a projeção abaixo for um indicativo, os designers da ARES fizeram um bom trabalho:
Agora… olhando para o Panther ficamos pensando o quanto seria bacana vê-lo com um conjunto mecânico mais fiel ao original. Talvez o V8 Coyote do Ford Mustang, com comando duplo no cabeçote e seus 466 cv a 7.000 rpm, além de 56,7 mkgf de torque a 4.600 rpm. Sequer precisaria ser preparado, na nossa humilde opinião – o carro ficaria mais lento (ou melhor, menos rápido, afinal o Mustang vai de zero a 100 km/h em 4,3 segundos), mas e daí?
Por outro lado, entendemos que isto demandaria trabalho e gastos extras com desenvolvimento de plataforma, e provavelmente exigiria a busca de um novo câmbio para adequar-se ao layout, o que também custaria uma boa grana.
De qualquer forma, apesar das ressalvas, nos parece um projeto promissor. O carro está, segundo Dany Bahar, na fase de shakedown e está mais perto de entrar em produção. De acordo com ele cada carro levará pelo menos 24 semanas para ficar pronto (cerca de seis meses), tempo que pode aumentar dependendo das opções de customização, e custará a partir de € 515 mil, ou por volta de R$ 2,26 milhões em conversão direta. É quatro vezes mais do que o preço de um Huracán básico na Europa.