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As cores e motores dos muscle cars do EBAA em Águas de Lindóia

Era o terceiro dia de evento; o segundo para mim, mas terceiro para o Juliano e todo mundo que estava expondo um carro ou trabalhando em Águas de Lindóia — nós fazíamos as duas coisas. Apesar de não ser oficialmente um feriado, a sexta-feira foi um dia quente nos termômetros e de público. Foi quando a cidade realmente encheu e os clássicos tomaram mesmo as ruas mais distantes da Praça Adhemar de Barros, que é a sede oficial do Encontro Brasileiro de Autos Antigos (EBAA).

O Sol já começava a escorregar por trás dos morros da minha querida Serra da Mantiqueira, mas ainda iluminava fortemente as cores que encontramos ao chegar à área do pessoal do Chrysler Clube. Carros colorindo a paisagem, algo que só se vê mesmo em um encontro de clássicos, porque os corredores rodoviários do caminho estavam tomados por crossovers com tons de cinza nada sedutores.

Mas ali, em meio à história concreta do automóvel, uma seleção dos melhores exemplares dos Dodge nacionais coloria aquele cantinho da praça. Até mesmo um Gran Sedan castanho araguaia — um dos tons dourados da Dodge — fazia seu papel nessa paleta de cores vivas.

O grande destaque ali, entre os nacionais, era um exemplar 1971 do Charger R/T com apenas 40.000 km originais. O carro pertence a Cristiano Oliveira, que é seu segundo proprietário e foi escolhido pela família do proprietário original do carro para ficar com ele e manter a história. O exemplar já era conhecido pelos membros do Chrysler Clube há anos, e é o Charger R/T mais antigo em circulação — há um outro exemplar com numeração de chassi mais baixa, porém ainda em processo de restauração.

Nos primeiros anos os Charger R/T tinham faixas diferentes de acordo com o ano de produção, mantendo a mesma carroceria e grade em 1971 e 1972. O modelo 1971, contudo, tem uma diferença pouco conhecida pelos entusiastas menos aficionados pelos Chrysler brasileiros: o quadro de instrumentos.

Diferentemente dos modelos 1973 e posteriores, o Charger R/T 1971 e 1972 tem instrumentos auxiliares no mostrador direito, indicando temperatura da água, pressão de óleo e carga da bateria. A partir de 1972 o fundo dos instrumentos mudou de preto para branco e, no ano seguinte, o instrumento da direita passou a exibir apenas nível de combustível e temperatura do fluido de arrefecimento, com luzes espia para outras funções no lugar do manômetro do óleo e do voltímetro.

Apesar de parecerem idênticos, o Charger R/T 1971 e o Charger R/T 1972 têm diferenças muito sutis. As lanternas traseiras do Charger R/T 1971 são as mesmas do Dart 1969 americano, enquanto o R/T 1972 usa as lanternas do Dart americano de 1968. A traseira do modelo 1971 usa uma faixa preta larga, enquanto o modelo 1972 usa uma faixa mais estreita, com a marca DODGE inscrita.

A grade dianteira também é diferente. Conceitualmente elas têm o mesmo estilo: são amplas e cobrem toda a dianteira, mas o modelo 1972 tem um vão maior entre as bordas da carroceria e as bordas da grade, enquanto no modelo 1971 a grade toca a carroceria.

Depois, claro, há as faixas laterais que mudavam todos os anos. Em 1971 elas eram assim:

E em 1972 ficaram assim:

Apesar disso, os dois anos-modelo dos Charger R/T brasileiros são os mais coerentes com a proposta do Charger R/T americano, apesar de serem baseados em plataformas diferentes (nosso Charger é derivado do Dart, um A-body da Chrysler, enquanto o Charger americano é um B-Body).

Eles tinham as “impact colors” dos Chrysler americanos em versões brasileiras, como o Amarelo Boreal, Verde Tropical e Vermelho Etrusco, pneus com faixa vermelha (red line) ou letras brancas (raised white letters, RWL) e, especialmente no caso do 1971, um padrão de adesivagem mais próximo dos americanos.

Estas características foram se perdendo à medida em que os anos 1970 avançavam, a crise do petróleo afetava a reputação do 318 Magnum e as vendas encolhiam. A Chrysler simplificou os carros a ponto de deixar de usar as variações de carroceria para cada modelo no final da década.

O modelo americano também estava lá, claro. Havia dois exemplares do modelo 1968, o mais icônico dos Charger R/T americanos, com seu sorriso sinistro e carroceria imponente — e, claro, reconhecido agora como “o carro do Toretto”.

É claro que não se pode reduzi-lo a isso. Ele foi, antes de tudo, o carro dos vilões de “Bullitt”, que são perseguidos por Steve McQueen e seu Mustang GT 290. Mas acima de tudo, foi o grande esportivo da Dodge naquele final dos anos 1960, com seus 380 cv produzidos pelo RB 440 de 7,2 litros.

E já que chegamos à B-Body da Chrysler, que tal darmos uma olhada no mais especial dos “Mopar” ali expostos: o Plymouth Superbird.

Sim, um dos Winged Warriors da NASCAR — os carros aerodinâmicos criados para resolver o problema de velocidade do Dodge Charger e, mais tarde, do Plymouth Road Runner.

Tudo começou em 1969, com o Charger Daytona, que tinha um bico aerodinâmico encaixado na dianteira original e, nos carros de rua, trazia faróis escamoteáveis. A traseira recebia uma gigantesca asa que media 58,4 cm de altura e servia para estabilizar a traseira, enquanto o novo conjunto frontal (que era feito de lata, e não de fibra) ajudava a cortar o ar com muito mais eficiência. Para se ter ideia o coeficiente aerodinâmico (Cx) do Charger Daytona era apenas 0,28 — o Dodge Viper da década de 1990, com todas aquelas curvas, tinha Cx 0,35. A nova dianteira aumentava o comprimento do carro em mais de 40 cm, levando o comprimento total a mais de cinco metros.

O Plymouth Superbird foi apresentado em 1970 depois do sucesso do Charger Daytona. A fabricante havia perdido Richard Petty, o lendário piloto da Nascar que, insatisfeito com o desempenho do Plymouth Road Runner, migrou para a Ford em 1969. Foi uma punhalada nas costas da companhia. Talvez se eles tivessem sua própria versão do Charger Daytona, Petty voltasse. Foi o que aconteceu.

O Superbird, que recebeu este nome por sua associação ao papa-léguas (Road Runner), era mais refinado em termos de acabamento e design do que o Charger Daytona, mas a ideia era a mesma. Sua asa traseira também era maior e ligeiramente mais inclinada. Os dois carros não eram idênticos, mas eram relacionados.

O Plymouth Superbird também podia ser equipado com o Magnum 440 ou o Hemi 426 – neste caso, alimentado por dois carburadores AFB de corpo quádruplo e capacidade para entregar ao menos 430 cv. Ele também prometia repetir o desempenho do Charger Daytona, o que levou Richard Petty a aceitar o pedido e voltar à Plymouth. Seu Superbird azul de nº 43 fez história, vencendo nada menos que dezoito provas em 1970.

O modelo exposto em Lindóia, de Juliano Gonçalves, é um modelo 1970 equipado com o motor Magnum 440, como você pode ver na tampa do filtro de ar. O modelo de rua tinha diferenças em relação ao modelo de pista, claro. Uma delas são os faróis escamoteáveis, que não existiam no carro de corrida.

Outra é a altura da asa traseira, que é mais elevada nos carros de rua porque eles precisam abrir o porta-malas, algo desnecessário em um carro de corridas. Além disso, apesar de não ser possível ver nas fotos, os respiros das caixas de rodas aplicados sobre os para-lamas são falsos na versão de rua — eles só estavam ali pois precisavam estar para ser homologados e usados nas pistas.

Ainda derivados da B-Body estão os Charger de terceira geração e Roadrunner de segunda geração, ambos de meados dos anos 1970, que marcaram presença também.

Para encerrar a história dos Chrysler, falemos dos E-Body, o Challenger e o `Cuda, que também estavam por lá em mais de um exemplar.

Os E-Body foram modelos desenvolvidos no fim dos anos 1970 como resposta aos “pony cars” da Ford e General Motors, o Mustang, o Cougar, o Camaro e o Firebird — nas ruas e nas pistas.

E já que esbarramos na Trans Am, eis um exemplar de 1974 do Pontiac Firebird Trans Am que estava às margens do lago da praça, com sua fênix no capô, protegendo o motor Super Duty 455, ou SD-455 de 290 cv — o que fazia dele um dos muscle cars mais potentes de sua época. Aqui é importante lembrar que a Pontiac foi uma das únicas fabricantes a continuar desenvolvendo motores V8 de alta potência após a crise do petróleo, sendo um dos salvadores dos muscle cars nos anos 1970.

Nem poderia ser diferente, afinal, a Pontiac é a fabricante do GTO, a criação de John Z. DeLorean que é tida como o ponto de partida da era dos muscle cars. Ainda que não tenha sido o primeiro deles, foi a partir de 1963, quando o GTO chegou às ruas como uma versão ainda mais potente do Tempest, equipada com o V8 de 6,4 litros e 325 hp do Catalina e do Bonneville, que os muscle cars começaram a se popularizar e culminaram com tudo aquilo que vimos na virada dos anos 1960 para os anos 1970, com os carros chegando a quase 500 cv.

E é claro que o GTO estava por lá, em um exemplar preto com interior vermelho, deixando claro por que o mundo ficou louco quando o viu pela primeira vez há quase 60 anos.

O modelo era do ano 1967, equipado com o conta-giros exposto no capô e com o motor ainda maior, de 6,6 litros e 365 cv que estreou naquele ano — o último da primeira geração do esportivo.

Encerrando o setor dos Pontiac, temos este Firebird 1968, que também inicia a série de pony cars expostos:

Ao lado dele, um Camaro SS 1968, seu primo mais popular. O modelo é um dos 27.884 SS produzidos naquele ano, equipado com o motor 350 small block de 250 cv e uma decoração que jamais veremos novamente em um Camaro — especialmente do jeito que a Chevrolet anda tratando seu pony/muscle atualmente…

E, claro, não poderíamos falar de pony cars sem o cara que começou tudo isso, o Ford Mustang — aqui representado por um modelo conversível de 1964, o primeiro ano de produção, com o motor 289 e suas formas originais intocadas.

Os muscle cars terminam por aqui, mas ainda teremos mais clássicos americanos dos anos 1950 e 1960 e os demais destaques do Encontro Brasileiro de Autos Antigos. Mas isso é papo para amanhã.  Enquanto isso, aprecie calmamente as belíssimas fotos do Juliano Barata.


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