Há alguns dias, perguntamos a nossos leitores quais eram as piores gerações de alguns de seus carros favoritos. Afinal, não dá para ser brilhante o tempo todo – praticamente qualquer carro, por mais adorado e emblemático que seja, tem uma geração ruim, ou ao menos nem tão boa assim. Ou até mais de uma.
Pegue o Dodge Charger, que foi a nossa sugestão, por exemplo. Nos anos 1980, ele virou um hatch de tração dianteira com motor de 140 cv, tamanho compacto e visual oitentista. Talvez até pudesse ser um carro bacaninha, mas jamais poderia ser chamado de Dodge Charger. O carro não agradou os fãs do muscle car e foi um fracasso entre os entusiastas, embora tenha até vendido bem para pessoas “normais” (se é que você entende).
A primeira parte da lista com as sugestões de vocês pode ser conferida aqui. A segunda, você confere agora! Vamos ver de que outras decepções (leves, moderadas e fortes) os leitores lembraram!
Lancia Delta (2008-2014)
Esta aqui é especialmente triste: a terceira e última geração do Lancia Delta, lançado em 2008 e produzido até 2014. Sério, já faz três anos, mas vamos fazer um minuto de silêncio.
O hatchback em nada lembra o clássico que, nas décadas de 80 e 90, tornou-se o modelo que mais venceu títulos no WRC, o Campeonato Mundial de Rali: seis deles, de 1987 a 1993, em sequência. Aquele tinha desenho de Giorgetto Giugiaro, motores turbinados de dois litroso com comando duplo no cabeçote e 215 cv e, claro, tração integral. Foi o carro que emprestou seu nome, sua imagem e sua semelhança ao monstruoso protótipo Lancia Delta S4, que tinha um turbo e um compressor mecânico no motor central-traseiro.
Que tal um detox?
Na verdade, podemos dizer que a segunda geração já não era tão legal quanto a primeira, apesar de manter suas formas básicas. Lançado em 1993, mesmo ano em que o Delta deixava o WRC, o carro tinha menos compromisso com desempenho e mais compromisso com conforto, pois sua imagem já não era associada às competições e a própria Lancia havia abandonado o WRC.
Cronologicamente, o Delta de terceira geração era correto, pois era baseado na platafoma do Fiat Bravo, assim como o anterior era feito sobre o Tipo e o primeiro de todos, sobre o Fiat Ritmo. Mas isto era só: em vez de aplicar uma personalidade mais esportiva, o “Delta Mk3” era mais voltado ao luxo. O carro era visualmente pesado, com uma grande grade cromada e uma traseira que tentava emular, de algua forma, uma carruagem – repare como os para-lamas traseiros são sinuosos e as lanternas acompanham. Seu motor mais potente era um 1.8 turbo de 200 cv e não havia versão de tração integral. E, como o Fiat Bravo nunca foi um carro brilhante, o Delta também não era.
Foi um fim simbólico: depois que o Delta saiu de linha, a Lancia passou a contar apenas com o Ypsilon em sua linha. E o compacto derivado do Fiat 500 que parece um Deltinha sequer é vendido fora da Itália. Quando ele deixar de ser produzido, é adeus, Lancia.
Jeep Cherokee (2014-atualmente)
Um Jeep é um Jeep e todo Jeep é um carro minimamente competente – mesmo o Jeep Renegade, que é pouco mais que um Fiat 500X com carroceria de… “Jeep”, consegue se virar em uma trilha leve se tiver tração integral e o motor mais potente (no caso do Brasil, o 2.0 turbodiesel de 170 cv). Com o atual Cherokee não é diferente, exceto pelo fato de que o mesmo o novato Renegade consegue ter mais cara de Jeep do que ele. E, pensando por este lado, renegado mesmo é o Cherokee…
Há um bom motivo para isto: o primeiro Cherokee, lançado lá em 1974, era simplesmente uma versão de duas portas do Jeep Wagoneer, que por sua vez era uma perua construída sobre a plataforma do Jeep original – ou seja: era um Wagoneer duas vezes mais cool. E não, você não vai discordar.
A segunda geração do Cherokee abandonava a carroceria sobre chassi e apostava na construção monobloco (não há mal nenhum nisso em si, vide o Lada Niva, que introduziu o conceito de off-roader monobloco em 1977) mas ainda era quadradão e másculo. Parecia um Grand Cherokee em miniatura, de fato, e sem dúvida era tão capaz quanto um de encarar a ausência de pavimento.
As gerações seguintes, terceira e quarta, assumiram um pouco da vocação prática destes carros – andar na cidade –, mas também tinham “cara de Jeep”.
O atual Cherokee fez mais do que romper o visual tradicional de um Jeep: além de abandonar as linhas retas e se assumir aerodinâmico, o Cherokee sequer tem a estrutura visual tradicional de um automóvel: seguindo uma tendência recente de design, ele deixa de lado as formas antropomórficas, que posicionam os elementos da dianteira de acordo com os elementos do rosto humano – onde os faróis seriam os dois olhos, o emblema seria o nariz e a grade seria a boca. Em vez disso, a Jeep decidiu simplesmente pelo design que achava mais bonito e prático, independentemente de não enxergarmos um rosto na dianteira. Dentro do grupo FCA, a picape Fiat Toro faz a mesma coisa. Fora dele, os Citroën recentes têm sido desenhados assim.
Com isto, o Cherokee pode não ser um Jeep ruim. Para sua proposta, ele continua competente. No entanto, se fosse por opção dos fãs mais tradicionais, ele certamente teria menos cara de carro conceito.
Mercury Cougar (1998-2002)
O Mercury Cougar era o primo rico do Ford Mustang. Lançado em 1967, visava atender a quem queria um muscle car e um carro de luxo ao mesmo tempo, mas só tinha uma vaga na garagem. Desta forma, ele usava a mesma plataforma, parte dos painéis da carroceria e os mesmos motores do Mustang, porém estava disponível apenas como hardtop ou conversível, tinha uma dianteira mais sofisticada e acabamento superior. Ele pode não ter se tornado um ícone entre os muscle cars, mas até 1973 manteve-se fiel à fórmula. Aí, veio a crise do petróleo e o Mustang virou… aquilo.
O que a Mercury, divisão de luxo da Ford, fez? Migrou o nome Cougar para a plataforma do Ford Torino, que mantinha as proporções e ao menos parte da essência do original.
A partir da década de 80 é que começou a morte lenta. Primeiro, o Cougar adotou visual extremamente inflado, dividindo sua plataforma com o igualmente mutilado Thunderbird. Ao menos ele tinha tração traseira. E então, em 1998, veio isto:
Este é o Mercury Cougar de oitava geração fabricado até 2002. Desenvolvido na Europa, ele utilizava a plataforma do Ford Mondeo e tinha como maior opção de motor um V6 Duratec de 2,5 litros e 170 cv. Para um carro nascido do Ford Mustang, ser o cupê de um sedã médio europeu com tração dianteira era, literalmente, o fim.
Chevrolet Camaro (1992-2002)
Antes de assumir o visual retrô em sua quinta geração, a exemplo do que o Ford Mustang fez em 2005, o Chevrolet Camaro passou por uma fase ruim.
Diferentemente do Mustang II, o Camaro II até que era um carro legal, com desenho criativo (especialmente na identidade visual da dianteira, com a enorme grade entre dois pequenos para-choques) e dotado de motores V8. O Camaro de terceira geração, apesar de retilíneo e hatchback, também foi melhor aceito que o Mustang correspondente, o Fox body.
A fase ruim do Camaro veio em 1992, com o lançamento da quarta geração. Por conta de suas formas aerodinâmicas e quase futuristas, o quarto Camaro costuma ser comparado aos esportivos japoneses da época, exceto que ainda tinha um V8 de 280 cv, uma potência razoável para 25 anos atrás.
Em 1998, a Chevrolet reestilizou a dianteira, substituindo os quatro faróis recuados (que ainda eram uma forte ligação com os anos 80) por peças de formato meio indefinido, com grossas lentes de acrílico. Há quem compare a frente do Camaro desta época ao focinho de um bagre e, bem…
Vendido até 2002, o Camaro de quarta geração precedeu um hiato de oito anos na linhagem. Neste meio tempo, a Chevrolet conseguiu trazer de volta o espírito do Camaro original, aperfeiçoando a receita na sexta e atual geração.
Honda Civic (nona geração)
A princípio, não colocaríamos o Honda Civic de nona geração nesta lista. No entanto, percebemos que a maioria dos leitores levou a premissa da questão de uma forma um tanto mais flexível. Queremos dizer que o Honda Civic de nona geração não era um carro ruim, mas que tendo em vista a geração que veio antes e a atual, é nítido que o Civic vendido entre 2012 e 2016 estava aquém do esperado.
A evolução do Honda Civic é marcada por uma característica… marcante: a cada duas gerações, ele se reinventa. Repare como, em relação à geração anterior, o oitavo Honda Civic (conhecido como New Civic) lançado em 2007 foi um carro revolucionário em termos de design, assumindo uma identidade visual futurista e o já icônico painel digital de dois andares. A nona geração… não. Apesar de manter as linhas gerais, o Civic lançado em 2012 parecia ter menos personalidade. Não era um carro ruim (na verdade, continuava sendo um dos melhores do segmento), mas na rua era “só mais um”, mas era claramente inferior ao antecessor no acabamento interno e no isolamento acústico, e seu visual já não era mais tão inovador quanto o “New Civic”.
E os fãs sentiram a mudança – incluindo nesta os entusiastas, que perceberam que o Honda Civic Si coupé, com motor de 2,4 litros, não era um carro tão especial quanto o Si da oitava geração: girava menos, tinha suspensão mais alta e macia e comportamento mais subesterçante. Uma pena.
Com a décima geração, o Civic se reinventou mais uma vez, assumindo um visual mais agressivo e imponente e apostando nos turbocompressores e refinando sua rodagem e seu acabamento.
Chevrolet Vectra
Este é um caso endêmico do Brasil, mas é legítimo. Isto porque, em 2005, o idolatrado Chevrolet Vectra B saiu de linha. Desde seu lançamento, ele foi aclamado por seu design acertadíssimo (há quem diga que é atemporal), pelo seu comportamento dinâmico, pelo bom espaço interno e pela confiabilidade do conjunto mecânico – mesmo as versões com cabeçote de 16 válvulas têm boa reputação entre seus admiradores, que só não falam mais do motor “quase C20XE” porque os espelhos retrovisores que “brotam” do capô roubam sua atenção.
E são bonitos mesmo, cara
Quando veio o substituto, os mais entendidos ficaram decepcionados. Isto porque o “novo Vectra” lançado em 2006 era na verdade a versão sedã o Astra vendido na Europa, que pertencia a um segmento inferior ao do Vectra no Velho Mundo. Com isto, o Vectra perdeu em refinamento e acabamento, embora seu porte não tenha mudado muito. Além disso, os motores ainda eram derivados do Família II, que equipava o Monza desde o início dos anos 1980.
Novamente, e pela última vez: neste caso, não se trata de qualidade: o “Vectra” era um bom carro, só não era um Vectra. Os motores 2.0 e 2.4 eram antiquados, sim, mas também eram confiáveis, e o consumo de combustível era tido como consequência natural pelo grande deslocamento – dificilmente você vai ver o dono de um Vectra reclamando de verdade do valor no posto. E não dá para dizer que não são carros duráveis e valentes.