O Audi R8 está morto. Mas não dá pra desejar vida longa ao seu sucessor, como fazem as monarquias, porque ele não deixou um. A Audi, sabe-se lá por que, decidiu que o sucessor prático do R8 será o RS e-tron GT, um cupê de quatro portas elétrico. E ponto final.
É um pouco triste, não só porque o Audi R8 era um dos supercarros mais civilizados e interessantes dos últimos tempos, mas também porque ele foi a materialização de um sonho que se estendeu por décadas.
Desde os tempos da Auto Union, a fabricante tinha nos planos a construção de um supercarro de motor central-traseiro, como seus carros de corrida. Então veio a guerra, a reconstrução da Alemanha e da indústria local, e o sonho foi adiado. Nos anos 1970, com a reformulação da marca, houve até uma proposta de um esportivo, mas ele acabou virando um derivado do Chevette japonês, feito pela GM.
O mais próximo que a Audi chegou de fazer seu esportivo de motor central-traseiro antes do R8 foi no início dos anos 1990, quando ela apresentou o Audi Spyder Quattro.
O Spyder Quattro, que não era spyder mas tinha tração integral, foi apresentado como um protótipo e não como um conceito. A diferença é que conceitos são meros estudos de design e apostas das marcas para o futuro, enquanto o protótipo é uma prévia do modelo que chegará às lojas e às ruas. O Spyder Quattro foi desenvolvido desde o início para ser produzido em série.
Ele fez sua primeira aparição pública no Salão de Frankfurt de 1991. A imprensa elogiou e o público adorou. A badalação era justificada: coloque-se naquela época e imagine como seria descobrir que a Audi, a marca que fazia carros relativamente acessíveis na Europa, estava prestes a lançar um cupê esportivo de dois lugares com motor central-traseiro e tração integral como o Porsche 959 e o Bugatti EB110. Esportividade para as massas! Ou quase isso.
O visual era moderno; o perfil era muito parecido com o da Ferrari 348 GTB da época; e as especificações não menos atraentes: um V6 de 2,8 litros e 174 cv novinho em folha e uma carroceria de alumínio sobre chassi tubular que mantinha o peso nos 1.100 kg. As rodas eram de 18 polegadas, com pneus 205/55. O nome spyder era uma referência ao teto removível, que estava mais para teto solar do que targa ou conversível.
O motor central-traseiro era ligado diretamente às rodas traseiras por um transeixo, e dele saía o cardã para o eixo dianteiro — era basicamente uma inversão do arranjo “quattro” dos modelos de motor dianteiro.
Melhor ainda era o preço: estimado em 100.000 marcos alemães, isso significava 80.000 marcos a menos que um Porsche 964 Carrera 4 — algo em torno de 100.000 euros de 2024, que é menos que um RS7 Sportback zero-quilômetro. Os potenciais compradores chegaram até a depositar um sinal para garantir a compra do carro quando ele fosse lançado.
Embora isso pareça precipitado lendo a história 25 anos depois, a própria Audi acreditava no lançamento do carro. Eles já haviam produzido todo o material informativo e publicitário, incluindo comerciais de TV e até miniaturas do esportivo, quando perceberam que o custo de produção ficaria alto demais. O projeto foi cancelado e apenas duas unidades foram construídas — uma laranja e outra verde.
O motor V6 chegaria à linha de produção nas versões topo-de-linha do Audi 80 e no Audi 100/A6, e foi usado até 2000, quando o Audi 80 Cabriolet finalmente foi substituído pela versão conversível do A4.
Os clientes que queriam um cupê Audi precisaram esperar até 1998, quando o TT foi lançado — mas com motor dianteiro. Quem fazia questão do motor central-traseiro precisou esperar mais dez anos, tempo suficiente para juntar as economias para arrematar o Audi R8.