Com seis títulos em sequência conquistados no Campeonato Mundial de Rali entre 1987 e 1992, o Lancia Delta de primeira geração é uma das maiores lendas do automobilismo – e praticamente unanimidade entre os entusiastas. Ele foi o último grande representante da Lancia no WRC, e as duas gerações seguintes jamais obtiveram o mesmo status junto aos fãs dos ralis – ao que certamente contribuíram a falta de versões com tração integral e o fim das participações da equipe de fábrica da Lancia nas competições.
Pior: da metade dos anos 1990 até agora a Lancia perdeu muita relevância. Primeiro os modelos da marca ficaram cada vez mais parecidos com suas contrapartes da Fiat, perdendo apelo entre os fãs dos clássicos. Então, com seguidas reestruturações internas no Grupo Fiat e a criação da Fiat Chrysler Automobiles, em 2011 a Lancia começou a vender modelos da Chrysler rebatizados – o Chrysler 300C, por exemplo, virou “Lancia Thema”. Hoje em dia a Lancia costuma ser descrita como “uma sombra daquilo que já foi um dia”, e tal descrição é dolorosamente precisa. Para uma fabricante italiana que já conquistou dez títulos no WRC entre 1974 e 1992, colocar nas ruas automóveis norte-americanos disfarçados é meio triste. Tanto que muitos consideram a Lancia uma marca moribunda, que respira com a ajuda de aparelhos. Talvez em um futuro próximo só o que reste sejam as lembranças.
É por isso que, sempre que alguém decide reviver os tempos de glória da Lancia, a comoção causada é enorme. Você provavelmente lembra do belíssimo New Stratos, que surgiu como conceito em 2005 e, em 2010, teve anunciada sua versão de produção com base na plataforma da Ferrari F430 e carroceria construída pelo estúdio Pininfarina. O projeto foi barrado pela Ferrari pouco depois e adiado por tempo indeterminado, mas em 2018 um acordo com a fabricante MAT (Manifattura Automobili Torino) uma série limitada de 25 unidades está sendo preparada para um futuro próximo – e será idêntica ao que se viu oito anos atrás.
Agora é a vez de o Lancia Delta HF original ser trazido de volta, de certa forma. Você deve lembrar de Eugenio Amos, o cara que pintou sua Ferrari F40 de verde simplesmente por curtir carros verdes. Eugenio, para quem não lembra, é um conhecido membro da alta sociedade italiana, piloto da Lamborghini Super Trofeo e do campeonato Blancpain de endurance (do qual fazem parte as 24 Horas de Spa-Francorchamps), e colecionador de automóveis com extremo bom gosto – fazem parte do seu acervo um Mercedes-Benz CLK GTR, uma bela seleção de Porsche 911 e algumas Ferrari clássicas e modernas.
Mas sua maior paixão são os Lancia, sem sombra de dúvida. Em sua man cave nos arredores de Milão moram um Lancia Delta S4 Stradale, a versão de rua do monstro do Grupo B, e um Delta Martini 6, edição limitada que a fabricante fez para celebrar seis títulos consecutivos do Delta no WRC.
Segundo uma publicação que o próprio Eugenio postou no Instagram, foi o Lancia Delta o primeiro carro do qual ele se tornou fã incondicional. Quando Eugenio tinha sete anos de idade, seu pai era dono de “um belo exemplar na cor Giallo Ginestra” – possivelmente um carro parecido com o que se vê na foto abaixo – que, segundo ele, lhe fazia se sentir “especial”.
Eu também me sentiria especial se meu pai tivesse um desses
Hoje um adulto, Eugenio diz que objetivo de seu mais recente projeto, o Automobili Amos Futurista, é oferecer em um pacote modernizado as sensações que o Delta HF Integrale clássico proporcionada, porém com mais desempenho e confiabilidade. As primeiras projeções foram divulgadas no início de julho, e agora tudo está pronto para a estreia oficial, marcada para o dia 6 de setembro.
Segundo Eugenio a ideia foi dar aos fãs do Lancia Delta HF algo parecido com o que a Singer faz com o Porsche 911: um restomod de alto nível, com diversos componentes novos e melhorados, porém preservando a essência do clássico.
Assim, o monobloco do Lancia Delta foi preservado, porém recebeu novos painéis de fibra de carbono na carroceria – face dianteira, para-lamas, para-choques, capô, saias laterais e tampa do porta-malas. As portas traseiras foram eliminadas, dando ao carro a carroceria de duas portas que o Delta original nunca teve – e lembrando, de certa forma, o Delta S4. Apesar do nome “Futurista”, o carro tem o visual decicidamente clássico, com exceção de alguns elementos como as rodas maiores e os faróis com projetores.
O motor quatro-cilindros turbo de dois litros com comando duplo no cabeçote usa o original como base, porém foi preparado pela italiana Autotecnica para entregar 330 cv. Ainda não foram divulgados detalhes a respeito da preparação – apenas que a ECU é nova e que o sistema de arrefecimento foi redimensionado e que um novo sistema de escape foi instalado (atualizaremos este post assim que novas informações surgirem). A transmissão manual de cinco marchas, por sua vez, recebeu engrenagens reforçadas.
Já o monobloco recebeu uma gaiola de aço integrada, e também recebeu a mesma preparação usada pelo Delta do Grupo A de rali. Como resultado, o carro pronto pesa 1.250 kg – cerca de 40 kg a menos que o original, que tinha 1.290 kg.
Por dentro o Automobili Amos Futurista seguiu a linha do exterior: as formas originais foram preservadas, com apenas alguns elementos modernos. Os bancos originais e o volante foram revestidos em Alcantara marrom e o painel de instrumentos recebeu detalhes em fibra de carbono exposta. O volante tem três raios de metal e o emblema da Lancia, porém recebeu uma seleção comandos para o motorista, como as setas e faróis, e há no console central um botão vermelho com o desenho de um foguete estilizado cuja função ainda não foi totalmente esclarecida. Novamente, atualizaremos este post com as minúcias assim que elas forem divulgadas.
Serão feitos vinte exemplares do Lancia Delta HF “Futurista”, cada uma delas partindo de € 300 mil, ou pouco menos de R$ 1,5 milhão. Pode parecer meio caro para um Lancia Delta, mas o próprio Eugenio explica que os números do carro, incluindo o seu preço, são meros detalhes. “Neste contexto, números não querem dizer nada. Porque eu estou falando de paixão e euforia e nostalgia, e esses sentimentos não se medem em números”.
Não deverá ser difícil encontrar 20 pessoas com bala na agulha e para assinar um cheque e reviver o dias de glória do WRC em um Lancia Delta HF Integrale melhorado e novinho em folha.