O termo é bastante popular entre os entusiastas: restomod. A grosso modo, o termo que junta os prefixos de restoration e modification (você não vai precisar que a gente traduza, vai?) refere-se a carros antigos que, além de restaurados, tiveram um ou mais aspectos chave alterados para melhorar a experiência de dirigir um clássico — muitas vezes, alterando também seu visual.
Existem restomods que reinterpretam um clássico, como muito bem realizam os caras da Icon 4×4 e seus utilitários — modelos como Toyota FJ Cruiser e o Ford Bronco ganham mecânica atual, itens de conforto e visual modernizado. No entanto, há quem prefira manter a essência original — especialmente se for uma questão de melhorar o que já é bom.
No caso do BMW 2002, isto não poderia ser mais verdadeiro. Se você nos acompanha há algum tempo, talvez já tenha até enjoado das referências que fazemos ao BMW 2002 sempre que possível aqui no FlatOut. Não é para menos: o 2002 foi o modelo mais emblemático da família Neue Klasse de sedãs e cupês (e um ocasional hatchback) da BMW, que juntou mecânica confiável, visual bacana, preço acessível e dinâmica afinada e ajudou a fabricante a conquistar sua imagem de “Ultimate Driving Machine”.
O BMW 2002 mais famoso de todos é, sem dúvida o modelo Turbo. Não é de surpreender: seu quatro-cilindros de dois litros entregava 170 cv graças a um turbocompressor KKK — em 1973, algo admirável. Infelizmente, seu lançamento veio pouco antes da crise do petróleo naquele mesmo ano, o que limitou o número de exemplares produzidos a pouco mais de 1.600 em 1973 e 1974.
Por outro lado, todo BMW 2002 era um carro bom de curva, equilibrado, leve e potente na medida certa. Assim, qualquer versão seria um ponto de partida para um restomod à moda antiga: recuperar a carroceria e tentar manter o visual mais próximo quanto possível do original, trocando apenas os componentes necessários e trazendo mudanças estéticas apenas como consequência.
Olhando de relance para o BMW 2002 Clarion, por exemplo, o que você vê é um exemplar de 1974 com rodas BBS maiores do que deveriam (ao menos até onde você lembra) e suspensão rebaixada. É um carro bem bonito. No entanto, ao prestar mais atenção, você começa a notar que não é por acaso. Além de acomodar os novos freios a disco da Wilwood, com pinças de quatro pistões na dianteira e de um pistão na traseira, as rodas permitem pneus mais largos — algo interessante quando se tem um motor mais potente que o original e faz-se necessária mais aderência nas curvas.
Claro que seria bacana ver um motor mais moderno ali (que tal um S14 de M3 E30, ou mesmo um seis-em-linha do M3 E36?), até porque, para boa parte dos entusiastas, este é o melhor tipo de engine swap que existe. No entanto, mantendo as coisas na velha escola, o negócio aqui foi explorar o potencial do quatro-cilindros M10 original.
Com injeção mecânica Kugelfischer, a versão mais potente do M10 deslocava dois litros e entregava respeitáveis 130 cv, suficientes para levar o 2002tii até os 185 km/h. Não fica clara qual era a potência do motor original mas, preparado com cabeçote de dutos polidos, um aumento na taxa de compressão e comando de válvulas com graduação mais agressiva — além de um par de carburadores Weber 40 DCOE e sistema de escape dimensionado com abafadores Magnaflow. Dá para ter uma ideia de sua principal função ao ouvir o carrinho berrar.
Por si só, o aumento de potência não impressiona — são 140 cv e 20,7 mkgf de torque. Mas vamos colocar em perspectiva, fazendo uma comparação quase forçada, o Renault Sandero, do qual nós (e vocês, leitores) gostamos muito, tem um 2.0 com comando duplo no cabeçote, injeção eletrônica, 150 cv e 20,9 mkgf.
Considerando a preparação old school do BMW e a concepção antiga do motor, diríamos que 140 cv são um ótimo número. Ainda mais considerando que, enquanto o Sandero RS pesa 1.161 kg, o BMW 2002 pesa pouco mais de 1.000. E ainda tem tração traseira!
O motor do carro é acoplado a uma caixa Getrag de cinco velocidades que leva a força para o eixo traseiro através de um diferencial de Série 3 E21, mais robusto. A suspensão usa amortecedores Koni ajustáveis nos quatro cantos, com molas esportivas Eibach na dianteira e Ireland Engineering na traseira — a marca também forneceu as barras estabilizadoras dianteira e traseira, além das buchas de PU nos quatro cantos. O toque final no stance fica por conta dos pneus Toyo 195/50 que, além de garantirem o chão do carro, casam muito bem com as rodas BBS Mesh de 15×7 polegadas.
Agora, se o aspecto do lado de fora do 2002 é praticamente original, o interior mostra melhor o lado mod do carro, com couro perfurado original BMW nos bancos e revestimentos de porta, volante de madeira Nardi com pomo da alavanca de câmbio combinando, acabamento imitando madeira no painel e um sistema de som Clarion com tela multimídia no console central, que foi feito sob medida.
Ao abrir o porta-malas, talvez os alto-falantes e módulos de potência causem estranheza, ainda que não possamos questionar sua competência. Detalhe: tudo instalado de forma a permitir que o espaço continue plenamente utilizável para carga. Não é nossa praia, é verdade, mas o acabamento ficou muito bom. A gente acabaria arrancando tudo — só para aliviar mais alguns quilinhos.
É claro que isto jamais vai acontecer: o BMW 2002 Clarion foi feito justamente para servir como vitrine para os equipamentos de áudio da companhia. Para nossa sorte, eles decidiram levar o projeto bem a sério e acabaram criando um belo exemplo de como um restomod deve ser. Só ficamos tristes por não ser tão fácil encontrar um BMW 2002 para fazer algo parecido aqui no Brasil…