Quando você pensa no BMW Série 7, certamente a última coisa que vem à mente é um carro de corrida. O flagship da marca alemã é um sedã grande, pesado e confortável. Sua potência serve para pegar a estrada com segurança e agilidade, não para arrepiar no circuito. Certo?
Diríamos que é bem por aí, mesmo. Mas isto não impediu a BMW de transformar o Série 7 de primeira geração, a E23, em um race car vencedor. Só tem um detalhe: isto não aconteceu na Alemanha, e sim na África do Sul, onde os BMW são todos meio diferentes do que estamos acostumados.
Olha só: na Alemanha, o BMW Série 7 mais forte de todos era o 745i. Ele era movido por uma versão turbinada do famoso seis-em-linha M30 usado, entre outros, no BMW 635CSi E24. Com 3,2 litros de deslocamento e o turbo operando a 0,6 bar de pressão, o motor sobrealimentado entregava 255 cv, o que não era nada mau para a época. O nome 745i vem da convenção de que motores turbinados têm sua eficiência volumétrica multiplicada por 1,4 em relação aos naturalmente aspirados e, dessa forma, o motor turbo de 3,2 litros teria eficiência equivalente a um motor aspirado de 4,5 litros. Naquele tempo, a BMW ainda respeitava o deslocamento do motor na hora de dar nome às versões de seus modelos.
Só havia um problema com este carro: o motor turbo não era compatível com a mão inglesa, porque a coluna de direção do lado direito tornava inviável sua instalação. Sendo assim, nem o Reino Unido, nem o Japão e nem a África do Sul tinham o 745i nas concessionárias BMW.
Os sul-africanos não gostaram muito disto. E não estamos falando só do público, mas também da própria divisão sul-africana da marca, a BMW SA. Foi então que Bernd Pischetsrieder, que na época chefiava o setor de pesquisa e desenvolvimento da BMW na África do Sul, começou a pressionar a matriz alemã para permitir que uma versão do 745i fosse desenvolvida localmente. De início, os alemães da BMW AG relutaram, afinal o Série 7 é um sedã de luxo, não um carro de competição. Mas a insistência de Bernd foi tanta que eles acabaram cedendo.
Como o BMW 745i sul-africano não poderia utilizar o motor M30 turbo (batizado M102), os engenheiros locais tiveram uma ideia deliciosamente óbvia: instalar nele o motor M88, famoso por ser utilizado no BMW M1 e no M5 de primeira geração. Naturalmente aspirado, com comando duplo no cabeçote, 24 válvulas e injeção Bosch ML-Jetronic, o seis-em-linha de 3,6 litros entregava 290 cv – 35 cv a mais que o motor do 745i alemão. O carro tinha rodas BBS exclusivas da versão, e o interior todo revestido em couro Nappa, bastante elegante.
Só que a real intenção de Pischetsrieder era outra: colocar o 745i para disputar corridas. Por isto, foram produzidos exatamente 209 exemplares do carro em 1985 e 1986, a fim de homologá-lo para o Campeonato Sul-Africano de turismo – eram necessárias 200 unidades. A esmagadora maioria delas utilizava câmbio automático, mas 17 carros tinham câmbio manual e diferencial de deslizamento limitado na traseira.
Pischetsrieder deixou o projeto aos cuidados de Tony Viana, chefe da divisão de automobilismo da BMW South Africa, e novamente precisou insistir para que a matriz permitisse que os automóveis fossem preparados para as pistas. Duas unidades com câmbio manual foram, então, modificadas para as corridas.
A primeira é a mais famosa delas. O carro recebeu, além da pintura de corrida, modificações no motor para entregar 450 cv (incluindo a instalação de um módulo Motec), com rotações limitadas em 8.500 rpm; transmissão Getrag de cinco marchas do tipo dog leg (com as marcha ímpares para trás); freios AP Racing na dianteira, molas H&R e amortecedores Bilstein nos quatro cantos, e rodas de 16 polegadas com tala 10 na dianteira e tala 11 na traseira. Os freios traseiros eram originais de fábrica, bem como o diferencial com relação de 3,64:1 e o tanque de combustível de 70 litros.
Era uma visão improvável: um sedã de luxo com pintura de corrida, stance agressivo e gaiola de proteção no interior – que não sofreu nenhuma modificação, pois o regulamento do Grupo A de turismo na África do Sul não permitia.
Apesar do peso de 1.550 kg e do entre-eixos de 2.795 mm (quanto mais longo o entre-eixos, maior o momento polar de inércia, que reduz a agilidade pra mudar de direção), o Série 7 de corrida surpreendeu: enfrentando rivais como o Alfa Romeo GTV, o Ford Sierra XR8 e o Mazda RX-7, o 745i venceu a temporada naquele ano com o próprio Viana e seu colega de equipe Paolo Cavalieri ao volante.
Em 1986, outro exemplar foi modificado por Viana, desta vez para a categoria Modified, com aerodinâmica mais radical, mas o mesmo seis-em-linha M88 de 450 cv. E o título foi para a BMW novamente.
Na temporada seguinte, 1987, o time de Viana decidiu mudar para o BMW M5, mais compacto e ágil na pista. Os Série 7 de corrida ficaram “desaparecidos” até 2006, quando foram encontrados e comprados por Cavalieri. O ex-colega de Viana, que já morreu há alguns anos, entregou os dois bólidos para a oficina sul-africana Evolution 2 Motorsports, onde uma restauração caprichada foi feita usando componentes de um 745i com câmbio manual garimpado por Alec Ceprnic, dono da Evolution 2. A única “liberdade” tomada por Alec foi aliviar o interior do carro, visto que desde a década de 1980 o regulamento do Sul-Africano de Turismo foi modificado e o interior original não era mais uma exigência.
Recentemente, em uma folga entre os vários eventos de corrida históricos de que participa com Cavalieri ao volante, um dos carros protagonizou uma campanha da BMW SA do BMW 760Li – o mais próximo que a fabricante já chegou de um M7, diga-se de passagem. E ele continua em forma:
Fotos: BMW South Africa