A história do DeLorean DMC-12 voltou a ficar em evidência nas últimas semanas com o anúncio de um documentário dramatizado a respeito de seu criador, John DeLorean, com Alec Baldwin no papel principal. O DeLorean tinha um desenho inovador e futurista, com motor traseiro, portas asa de gaivota e carroceria de aço escovado sem pintura, mas também era um carro pesado, lento e cheio de problemas.
Somando a tudo isto o escândalo de John DeLorean com o FBI, que o investigou por tráfico de cocaína, o DeLorean tornou-se um símbolo da ambição e da decadência da década de 1980. E, ainda assim, se tornou um ícone.
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Existe, porém, outro esportivo de origem norte-americana com portas asa-de-gaivota e carroceria em forma de cunha, que usava materiais exóticos na carroceria e teve sua trajetória abreviada sob circunstâncias obscuras: o Bricklin SV-1. E tudo aconteceu entre 1974 e 1976, anos antes do DeLorean.
O Bricklin SV-1 foi idealizado no início da década de 1970, por um empresário americano chamado Malcolm Bricklin. A ideia era familiar: dar aos norte-americanos um carro esportivo de moderno, inovador e de alto desempenho, que oferecesse uma alternativa mais patriota aos esportivos importados que começaram a invadir os Estados Unidos naquela época. O que era irônico, pois, nos anos 1960, Bricklin havia sido um dos responsáveis por trazer a Subaru para este lado do Atlântico, importando o minúsculo Subaru 360.
O detalhe era que, embora sua intenção fosse vender o esportivo nos EUA, Bricklin firmou um acordo com o governo da província de New Brunswick, na costa leste do Canadá. A região estava sofrendo com a falta de empregos na década de 1970 – o índice de desemprego chegava aos 25% – e uma fabricante de automóveis realmente poderia ajudar a melhorar a situação. O primeiro-ministro de New Brunswick, o Richard Hatfield, cedeu inicialmente US$ 4,5 milhões para ajudar a financiar a produção do carro, em troca da geração de empregos para a população da província.
Malcolm Bricklin queria que o carro fosse estiloso, acessível e seguro – uma equação difícil de fechar, ainda mais na década de 1970. Em sua visão, a receita ideal para isto era um esportivo de motor dianteiro e tração traseira, com carroceria em forma de cunha de fibra de vidro e portas asa de gaivota. O chassi era do tipo perimetral, porém incorporava as colunas e os suportes para as portas, como seria em um monobloco. O projeto do chassi teve o envolvimento do próprio Bricklin, e também de Bruce Meyers (criador do buggy de praia Meyers Manx) e do engenheiro Marshal Hobbart, enquanto o primeiro protótipo foi construído pelo customizador Dick Dean.
O protótipo, batizado Grey Ghost por sua pintura cinza, era movido por um seis-em-linha da Chrysler. A versão de produção era movida, inicialmente por um V8 AMC de 5,9 litros, com carburador de corpo quádruplo e 220 cv, além de 43,5 kgfm de torque, acoplado a uma caixa manual de quatro marchas ou automática de três marchas. Posteriormente foi adotado um V8 Windsor da Ford, com 5,8 litros, 177 cv e 39,5 kgfm de torque, apenas com câmbio automático de três marchas.
O carro foi lançado em 1974. Seu nome, SV-1, vinha de Safety Vehicle One. Sua estrutura contava com zonas de absorção de impacto e para-choques retráteis (como todos os carros norte-americanos lançados a partir de 1973), enquanto a estrutura das colunas formava uma gaiola para proteger os ocupantes em caso de capotamento. Por conta disto, mesmo com a carroceria de fibra de vidro, o Bricklin SV-1 era pesado, com 1.597 kg em ordem de marcha. O carro tinha 4.536 mm de comprimento, 1.717 mm de largura, 1.226 mm de altura e 2.438 mm de entre-eixos.
Diversos componentes do carro vinham de outras companhias: a coluna de direção ajustável era da Chevrolet, os freios eram da Opel, e as lanternas traseiras eram exatamente as mesmas do De Tomaso Pantera – que, por sua vez, as pegou emprestadas do Alfa Romeo 2000. A suspensão tinha braços triangulares sobrepostos na dianteira e eixo rígido com feixes de molas semi-elípticas na traseira.
Certamente, porém, sua característica mais marcante eram as portas asa-de-gaivota. Elas eram equipadas com um sistema hidráulico controlado por botões no interior, e levavam 12 segundos para abrir ou fechar – além disso, cada uma pesava mais de 40 kg. O sistema era frágil e propenso a quebras, por usar apenas um cilindro, o que podia causar sobrecarga caso as duas portas fossem acionadas simultaneamente.
As portas temperamentais, aliás, eram apenas um problema do Bricklin SV-1. A carroceria de fibra de vidro usava um compósito especial pigmentado, o que dispensava a pintura e, tecnicamente, reduzia custos de fabricação. No entanto, o material mostrou-se instável sob variações intensas de temperatura, apresentando craquelamento e até mesmo rachaduras causadas pela radiação solar ultravioleta sobre as moléculas de poliéster da carroceria.
Como se não bastasse, o peso elevado e os motores relativamente fracos – dois V8 estrangulados após a Crise do Petróleo de 1973 – não davam ao Bricklin SV-1 o desempenho que se esperava de um esportivo com aquele design. Ele era capaz de ir de zero a 100 km/h em 9,9 segundos, com velocidade máxima entre 180 km/h e 200 km/h, dependendo da relação final de diferencial.
Em sua defesa, o Chevrolet Corvette (que era o outro esportivo com carroceria de fibra de vidro e motor V8 vendido nos EUA) tinha desempenho semelhante. Aqueles não eram tempos muito propícios para o segmento, de qualquer forma.
Mas não era só isto: o Bricklin SV-1 também sofria com problemas de controle de qualidade, com testes de eficácia duvidosa para eliminar partes defeituosas, e houve questões não esclarecidas quanto ao patrocínio do governo de New Brunswick – o primeiro-ministro acreditava que estava investindo apenas na fabricação do carro, quando na verdade o dinheiro foi usado para financiar o desenvolvimento do carro e também pagar os funcionários da Bricklin.
Ao longo dos anos, a Bricklin emprestou ainda mais dinheiro do governo – um total que fica entre US$ 21 milhões e US$ 23 milhões. Mesmo com 400 pontos de venda inaugurados nos Estados Unidos, e cerca de 40.000 encomendas, o Bricklin SV-1 deixou de ser financiado pela província de Saint John no fim de 1975, o que levou a companhia a pedir falência poucos meses depois. O dinheiro jamais foi devolvido.
O Bricklin SV-1 foi fabricado por três anos, entre 1974 e 1976, em uma fábrica construída na cidade de Saint John, no Canadá, especialmente para o modelo. Foram feitos por volta de 3.000 exemplares, e estima-se que ao menos metade deles tenha sobrevivido à passagem do tempo.
Diferentemente do DeLorean, porém, o Bricklin SV-1 não teve a ajuda de um blockbuster para conceder-lhe fama póstuma.