em outubro de 1970 no salao de turim nuccio bertone apresentou ao mundo algo que parecia ter saido diretamente de um filme de ficçao cientifica media apenas 84 centimetros de altura — tao baixo que nao havia como instalar uma porta nele o para brisa se abria para cima para acessar o cockpit com volante retratil para ajudar a manobra ele tinha apenas um proposito chocar o lancia stratos zero nao era um carro era um golpe de marketing brilhante bertone sabia que a lancia estava procurando um sucessor para o fulvia hf nos ralis e sabia que a lancia tradicionalmente trabalhava com a pininfarina nao com ele entao decidiu fazer algo tao impossivel de ignorar que a lancia nao teria escolha senao olhar na direçao dele funcionou quando nuccio bertone apareceu nos portoes da fabrica da lancia em turim com aquela cunha laranja fluorescente ele passou por baixo da cancela — literalmente — para os aplausos dos funcionarios a diretoria da lancia viu o zero e entendeu a mensagem bertone queria trabalhar com eles e tinha as credenciais para isso mas a historia real do stratos nao começaria com aquele show piece futurista ela começaria com tres homens que viam nos ralis nao apenas corridas mas o futuro da lancia cesare fiorio era o chefe da divisao de competiçao da lancia tinha 30 anos era de turim e carregava nos ombros o peso de uma tradiçao que precisava ser mantida a lancia dominara os ralis com o fulvia hf na virada dos anos 1960 para os 1970 mas o carro estava envelhecendo mais importante ele nao havia sido projetado para ralis era um cupe de rua adaptado para competiçao como todos os carros de rali da epoca cesare fiorio e seus pilotos com o lancia fulvia hf fiorio tinha uma ideia diferente se a lancia quisesse continuar vencendo precisava fazer algo que ninguem havia feito antes construir um carro de rali do zero um carro que existisse apenas para vencer a ideia nao era nova — havia circulado nos paddocks por anos o problema era convencer a diretoria a investir em algo tao radical e entao nuccio bertone apareceu com o stratos zero fiorio viu no conceito de bertone a oportunidade perfeita nao usaria aquele prototipo impossivel claro mas usaria o talento do homem que o havia criado marcello gandini o mesmo designer que havia desenhado o lamborghini miura e estava trabalhando no countach se alguem podia transformar a ideia de fiorio em realidade esse alguem era gandini o conceito original de gandini a segunda peça do quebra cabeça era mike parkes o ingles tinha um curriculo impressionante ex piloto de formula 1 pela ferrari ex engenheiro da rootes na inglaterra e agora consultor tecnico da lancia parkes havia trabalhado no desenvolvimento de varios carros de competiçao e entendia tanto de dinamica veicular quanto qualquer engenheiro da epoca ele seria o homem responsavel por fazer o stratos funcionar munari com o fulvia hf a terceira peça era sandro munari o piloto de fabrica da lancia havia vencido inumeras corridas com o fulvia hf e conhecia os ralis como poucos munari nao estava ali apenas para pilotar — ele seria parte integral do desenvolvimento testando cada modificaçao dando feedback sobre cada ajuste moldando o carro de acordo com o que os pilotos realmente precisavam havia ainda outros giovanni tonti diretor tecnico da divisao de competiçao que coordenaria todo o trabalho entre lancia e bertone; nicola materazzi o engenheiro de calculos que verificaria cada componente do chassi suspensao e motor; e gian paolo dallara o lendario engenheiro que havia trabalhado na lamborghini e agora ajudaria a projetar o chassi do stratos era um time dos sonhos e tinham uma missao impossivel no salao de turim de 1971 um ano depois do stratos zero a lancia e a bertone apresentaram o lancia stratos hf ja nao era aquele carro conceito impossivel de 84 centimetros de altura era algo mais proximo de um carro real — mas ainda assim radicalmente diferente de tudo que havia sido feito antes o chassi #1240 tinha um para brisa em formato de meia lua que envolvia completamente a cabine oferecendo visibilidade maxima para frente e praticamente nenhuma para tras quem precisa de visibilidade traseira em um rali o motor estava na traseira entre a cabine e o transeixo e a forma — aquela cunha curta e larga — era puro gandini mas havia um pequeno problema o motor o prototipo mostrado em turim tinha o v6 dino da ferrari mas aquilo era apenas para o evento enzo ferrari nao havia concordado em fornecer motores para a lancia e sem aquele motor nao havia stratos a lancia na verdade havia planejado tres opçoes a primeira era o motor 1 6 v4 do fulvia — mas ele era fraco demais; tinha so 115 cv a segunda era o motor 1 8 dohc do lancia beta — mais potente com 120 cv mas ainda insuficiente a terceira ideal era o v6 dino de 2 4 litros — compacto leve potente perfeito para montagem transversal o problema era convencer enzo ferrari a fornece lo e aqui entrava a politica corporativa da fiat que possuia tanto a lancia quanto participaçao na ferrari muitos executivos da fiat eram contra o stratos achavam o projeto caro arriscado e desnecessario pior ferrari tambem via o stratos como um concorrente do dino 246 gt nas ruas cada vez que a lancia pedia os motores havia atrasos desculpas complicaçoes ugo gobbato diretor geral da lancia estava ficando impaciente fiorio pressionava o projeto estava parado entao gobbato jogou sua carta final procurou a maserati e perguntou se eles poderiam fornecer motores v6 ou v8 para o stratos a maserati concordou quando a noticia chegou aos ouvidos de enzo ferrari ele ficou furioso a ideia de que a lancia usaria motores maserati em vez dos seus era inaceitavel em fevereiro de 1972 ferrari ligou pessoalmente para gobbato para parabeniza lo pela vitoria do fulvia no rali de monte carlo — e para dizer que estava disposto a fornecer 500 motores dino para o stratos gobbato havia vencido ferrari entregaria os motores com os motores garantidos o trabalho real começou e revelou que transformar um prototipo impressionante em um carro de rali funcional seria muito mais dificil do que qualquer um imaginava o motor v6 dino de 2 4 litros na verdade 2 418 cm³ produzia 190 cv na configuraçao de rua e seria montado transversalmente atras dos ocupantes o angulo de 65 graus do v6 havia sido escolhido por vittorio jano — o lendario engenheiro da lancia que tambem havia trabalhado no desenvolvimento do motor dino — para melhorar a disposiçao da admissao o balanceamento e a sincronizaçao da igniçao o cambio ficava posicionado abaixo do bloco a frente do diferencial de deslizamento limitado distribuindo os 980 kg do carro com cerca de 60% do peso sobre as rodas traseiras o chassi era um monocoque central de aço com sub chassis dianteiro e traseiro incluindo gaiola de proteçao integrada a carroceria era de fibra de vidro — mais barata que aluminio e crucial para ralis mais facil de reparar no meio de uma prova especial as conchas dianteira e traseira se abriam completamente dando acesso total ao conjunto mecanico para manutençao rapida mas a suspensao estava dando dor de cabeça o projeto inicial usava braços duplos nas quatro rodas mas nos primeiros testes ficou claro que a configuraçao traseira nao aguentava o castigo dos ralis mike parkes e giampaolo dallara trabalharam na soluçao mudar a traseira para torres macpherson ajustaveis que ofereciam maior curso de suspensao e facilitavam a troca de rodas de tamanhos diferentes dependendo do tipo de superficie mantiveram os braços duplos na dianteira e adicionaram barras estabilizadoras em ambos os eixos em novembro de 1972 o stratos fez sua estreia competitiva no tour de corse ainda como prototipo do grupo 5 sandro munari e mario mannucci estavam ao volante o carro era rapido — assustadoramente rapido mas nao terminou a prova falha na suspensao traseira de volta a fabrica mais modificaçoes mais testes em 1973 o carro finalmente começou a mostrar seu potencial vitorias no tour de france automobile e no rali firestone segundo lugar na targa florio o stratos estava provando que a ideia de fiorio funcionava so faltava homologar so isso para competir no grupo 4 do mundial de rali a lancia precisava construir 500 exemplares do stratos em um periodo de 12 meses a produçao oficial começou em 1º de julho de 1972 o que significava que 500 unidades precisavam estar prontas ate 31 de julho de 1974 era impossivel a bertone fabricava as carrocerias em grugliasco e as enviava para a fabrica da lancia em chivasso no outro lado de turim a 35 km de distancia para a montagem final mas a lancia nao conseguia montar os carros na velocidade que a bertone entregava as carrocerias no final de 1974 apenas 183 carros estavam completos a homologaçao estava marcada para 1º de outubro de 1974 se a fia chegasse e contasse apenas 183 carros o stratos seria desqualificado do grupo 4 todo o trabalho de tres anos — todo o investimento todo o desenvolvimento — teria sido em vao cesare fiorio e a equipe da lancia precisavam de um plano a soluçao foi criativa as regras diziam que 500 carros precisavam ser produzidos nao dizia que precisavam estar completos apenas que precisavam existir como unidades identificaveis quando os inspetores da fia chegaram em outubro de 1974 a lancia mostrou centenas de componentes e carrocerias completas empilhadas em diferentes locais havia chassis numerados carrocerias prontas motores transmissoes havia peças suficientes para montar 500 stratos mesmo que nem todos estivessem efetivamente montados os rumores dizem que a fia inspecionou varias centenas de stratos estacionados em frente da fabrica de chivasso antes do almoço e aprovou a homologaçao depois do almoço foram embora a produçao continuou ao longo de 1975 e no final algo em torno de 492 exemplares completos haviam deixado a fabrica da lancia — o numero exato e debatido ate hoje o truque havia funcionado o stratos estava homologado para o grupo 4 e agora era hora de provar que valia a pena a temporada de 1974 do mundial de ralis começou com o stratos finalmente homologado e apto a pontuar sandro munari venceu o rali de san remo depois o rideau lakes no canada bjorn waldegard o sueco que havia se juntado a equipe venceu o rac rally na inglaterra com munari navegando jean claude andruet venceu o tour de corse no final do ano a lancia havia acumulado pontos suficientes para conquistar o titulo de construtores do mundial de ralis de 1974 era o primeiro titulo mundial da marca e o stratos havia provado que a filosofia de fiorio estava certa um carro projetado do zero para os ralis era superior a qualquer carro de rua adaptado em 1975 o dominio continuou munari venceu monte carlo suecia e corsega waldegard venceu na grecia a lancia conquistou o segundo titulo mundial consecutivo em 1976 tricampeonato munari em monte carlo suecia e corsega novamente waldegard na finlandia e nova zelandia o stratos havia se tornado imparavel para a versao de competiçao a lancia desenvolveu um cabeçote de 24 valvulas em vez das 12 originais que elevava a potencia para 300 cv o carro pesava menos de 1 000 kg a relaçao peso/potencia era absurda mas o que realmente fazia o stratos especial era sua geometria tao curto quanto largo com 2 18 metros de entre eixos e 1 76 metros de bitola era uma plataforma giratoria sobre rodas nas maos certas era imbativel nas maos erradas era um pesadelo o stratos pisava na linha tenue entre sub e sobreesterço e qualquer movimento brusco fazia a traseira dançar sandro munari contudo pilotava o stratos como se fosse um kart sua opiniao sobre pilotos que reclamavam da dificuldade era simples se voce acha dificil dirigir este carro suas habilidades simplesmente nao sao boas o suficiente em 1977 as coisas mudaram a lancia venceu monte carlo com munari pela terceira vez consecutiva mas foi a unica vitoria do ano no mundial a instruçao da fiat para a lancia era clara concentrar se em ralis de alta visibilidade individual mas o vapor estava saindo do projeto stratos a politica corporativa havia mudado a fiat decidiu que o fiat 131 abarth seria o carro de rali do grupo a lancia foi instruida a redirecionar seus recursos o stratos que ainda era competitivo foi relegado a apariçoes esporadicas em agosto de 1977 mike parkes — o engenheiro ingles que havia sido a inspiraçao silenciosa por tras de grande parte do desenvolvimento do stratos — morreu em um acidente de transito na italia com sua morte a lancia perdeu um dos principais defensores do programa depois vieram novas regulaçoes tecnicas para 1978 cabeçotes de quatro valvulas nao eram mais permitidos em motores produzidos originalmente com apenas duas embreagens multi disco foram banidas volantes regulares eram obrigatorios as regras haviam sido escritas especificamente para neutralizar carros como o stratos o stratos oficial havia acabado mas a historia nao terminaria ali sem apoio da fiat equipes independentes continuaram correndo com o stratos e provaram que mesmo sob as novas regulaçoes restritivas o carro ainda era capaz de vencer carros de fabrica quando pilotado por alguem talentoso a equipe francesa chardonnet continuou competindo com strat os ao longo dos anos 1970 e inicio dos 80 bernard darniche o piloto frances que se tornaria o maior vencedor de ralis com o stratos 33 vitorias no total superando ate munari manteve o carro competitivo por anos ate mesmo um parente distante deste que vos escreve competiu com um stratos contesini a ultima vitoria do stratos no mundial de ralis aconteceu em 1981 — sete anos apos sua homologaçao — no tour de corse com darniche ao volante era a prova definitiva de que aquele carro radical projetado por um time improvavel e quase cancelado varias vezes havia sido realmente especial olhando para ele hoje o stratos parece absurdo tao largo quanto longo um para brisa que envolve toda a cabine motor ferrari montado transversalmente atras dos ocupantes carroceria de fibra de vidro sobre um monocoque de aço e aquela forma de cunha que parecia ter sido esculpida pelo vento mas o stratos fez algo que nenhum carro havia feito antes provou que era possivel projetar um carro especificamente para ralis e vencer antes dele carros de rali eram adaptaçoes depois dele todos entenderam que para vencer nos ralis voce precisava construir um carro de rali a lancia aprendeu a liçao e aplicou a mesma filosofia no 037 e mais tarde no delta s4 a ford faria o rs200 a peugeot o 205 t16 a audi o quattro sport todos seguiam o template do stratos carros projetados do zero sem concessoes existindo apenas para vencer foram produzidos apenas cerca de 492 stratos stradale entre 1973 e 1978 destes a maioria foi vendida para pilotos que queriam disputar ralis poucos foram realmente usados como carros de rua — o que faz sentido porque o stratos nunca teve pretensao de ser um carro de rua confortavel ele era uma ferramenta descartavel da lancia para ganhar campeonatos o fato de voce poder compra lo e coloca lo na rua era apenas um detalhe necessario para homologaçao note o espaço entre os bancos e a posiçao dos pedais em relaçao ao volante os numeros de rua confirmam isso motor ferrari dino v6 de 190 cv 0 a 100 km/h em 6 8 segundos velocidade maxima de 232 km/h peso de 980 kg em 1974 isso era desempenho de supercarro em um pacote que media apenas 3 71 metros de comprimento cesare fiorio mike parkes sandro munari marcello gandini gian paolo dallara nicola materazzi giovanni tonti — esses homens construiram algo que parecia impossivel um carro que existia apenas para vencer que nao fazia concessoes que era tao dificil de pilotar quanto era rapido e provaram que funciona o stratos venceu tres campeonatos mundiais consecutivos venceu cinco tour de france automobile venceu tres giro d italia e continuou vencendo nas maos de pilotos independentes por anos depois de a fabrica te lo abandonado o verdadeiro legado do stratos nao esta nos numeros esta na mudança de paradigma que ele representou antes do stratos fabricantes faziam carros de rua para competir depois do stratos fazer um carro de corrida e coloca lo a venda se tornou o padrao essa inversao de prioridades mudou completamente os ralis e influenciou para sempre o mercado de esportivos alguns carros sao rapidos outros sao bonitos poucos mudam as regras do jogo o lancia stratos hf foi tudo isso veja aqui os capitulos anteriores
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