na virada dos anos 1920 para os 1930 o automovel nao era apenas um meio de transporte era tambem uma plataforma de ostentaçao poder tecnologia e fantasia e nenhum carro representou isso com tanta clareza quanto o duesenberg model j ele nao foi projetado para competir com os pares — foi feito para humilha los e conseguiu mas o duesenberg model j nao entrou para a historia apenas como um icone da opulencia pre crash de 1929 ele tambem e um marco tecnico na historia do automovel — nunca se vira um carro com as soluçoes tecnicas que ele oferecia ao publico em 1921 tanto que seu desempenho so seria superado 30 anos depois mais que uma maquina o model j era uma ideia a de que os eua podiam nao so competir com os europeus mas liderar o mundo em luxo design e engenharia era o equivalente mecanico de um arranha ceu — opulento poderoso e desafiador e foi tambem o canto do cisne de uma era um rugido de oito cilindros que ecoou no vacuo da grande depressao o model j estreou em um pais otimista e industrialmente euforico — e morreu em um mundo em recessao desempregado quebrado e prestes a entrar em uma segunda guerra mundial o nascimento da duesenberg antes de virar sinonimo de excesso e requinte sobre rodas duesenberg era apenas um sobrenome alemao adaptado aos fonemas do novo mundo fred e august duesenberg nasceram na vestfalia mas cresceram em iowa nos estados unidos onde se envolveram com motores ainda no inicio do seculo xx — primeiro em bicicletas motorizadas depois em carros de corrida nenhum dos dois era formado engenheiro; ambos no entanto tinham a precisao de relojoeiros e o rigor dos projetistas [caption id= attachment_383500 align= aligncenter width= 1425 ] fred e augie os irmaos duesenberg[/caption] os irmaos fundaram a duesenberg motor company em 1913 em saint paul minnesota era uma oficina mais artesanal que industrial focada em motores de alta performance para uso esportivo a reputaçao veio rapido durante a primeira guerra mundial os irmaos projetaram motores de aviaçao sob contrato do governo americano e logo depois os primeiros chassis completos — mudando tambem o nome da empresa para duesenberg automobile & motors company em 1920 ja no ano seguinte 1921 eles conquistaram o que seria o primeiro grande titulo de um carro americano na europa a vitoria no grande premio da frança com o duesenberg 183 pilotado por jimmy murphy o feito a epoca nao recebeu o mesmo destaque que teria decadas depois nao demorou para que os duesenberg ganhassem notoriedade nos circuitos ovais dos eua logo em 1922 jimmy murphy venceu as 500 milhas de indianapolis o que voltaria a acontecer em 1924 1925 e 1927 seus carros venceram as 500 milhas de indianapolis 1924 1925 e 1927 com diferentes pilotos e projetos que antecipavam soluçoes que so se tornariam padrao no automobilismo quase 30 anos depois chassi rebaixado refrigeraçao mais eficiente e alimentaçao por multiplos carburadores a duesenberg era tecnicamente uma oficina de corrida com um pe na industria mas isso mudaria em 1926 quando a duesenberg foi vendida para errett lobban um magnata dos automoveis que ja controlava a auburn automobile company e mais tarde faria a marca com seu proprio nome a cord [caption id= attachment_383520 align= aligncenter width= 1313 ] cord no inicio dos anos 1920[/caption] visionario ambicioso e de apetite industrial voraz cord nao queria apenas bons carros queria construir o melhor carro do mundo — um automovel que colocasse os estados unidos no mesmo patamar da hispano suiza da isotta fraschini da mercedes benz e da rolls royce essa ambiçao acabaria se tornando realidade com o primeiro projeto sob o seu comando o duesenberg j o duesenberg j cord manteve fred duesenberg como chefe de engenharia e ofereceu carta branca recursos ilimitados cronograma flexivel e liberdade tecnica absoluta o objetivo era claro um automovel de altissima performance com design sob medida e acabamento irrepreensivel o projeto era conhecido internamente apenas como model j durante dois anos fred mergulhou no projeto como se fosse uma extensao de seus monopostos de indianapolis ele nao projetou um carro de luxo projetou um carro de corrida vestido de gala em outras palavras ele inventou o gra turismo as especificaçoes tecnicas eram ineditas para um carro de passeio motor de oito cilindros em linha 6 882 cm³ comando duplo no cabeçote e quatro valvulas por cilindro — uma configuraçao que so voltaria a ser comum em carros esportivos nos anos 1980 o bloco era feito de ferro fundido com cabeçote de aluminio o motor gerava 265 cv com aspiraçao natural — o dobro do que qualquer rolls royce oferecia na epoca como comparaçao o mercedes benz ssk com seu motor de 7 1 litros sobrealimentado por compressor entregava 225 cv na mesma epoca [caption id= attachment_383544 align= aligncenter width= 1920 ] a versao roadster com carroceria murphy[/caption] mais do que um carro de luxo ou um esportivo disfarçado o model j se tornou na pratica o primeiro gra turismo da historia uma maquina capaz de unir desempenho de alto nivel conforto suntuoso e sofisticaçao estetica pensada tanto para o prazer da conduçao quanto para longas viagens com elegancia e velocidade o chassi era igualmente robusto suspensao dianteira com eixo rigido e feixes de molas semi elipticas freios hidraulicos lockheed nas quatro rodas em plena decada de 1920 quando muitos fabricantes ainda usavam sistemas mecanicos e direçao de setor e rosca sem fim cada unidade era vendida apenas como chassi motorizado — a carroceria era encomendada a parte com atelies especializados como lebaron murphy derham e judkins selecionados por sua capacidade de interpretar o gosto individual do cliente com elegancia e proporçao [caption id= attachment_383543 align= aligncenter width= 1800 ] um duesenberg com carroceria lebaron[/caption] o lançamento do model j aconteceu discretamente em 1º de dezembro de 1928 no salao de nova york poucos meses antes da quebra da bolsa que marcaria o inicio da grande depressao mas mesmo diante da incerteza economica iminente o impacto foi imediato a imprensa especializada nao poupou adjetivos e os concorrentes europeus viram com um misto de espanto e receio que havia surgido um novo padrao — e que nao vinha de stuttgart paris ou coventry o anuncio oficial do duesenberg model j foi feito em dezembro de 1928 no salao do hotel commodore em nova york nao houve fogos nem apresentaçoes grandiosas apenas o automovel — longo imponente silencioso como um animal de caça jornalistas especializados colecionadores e potenciais compradores viram o que ninguem mais oferecia um automovel construido como um relogio suiço mas com desempenho de locomotiva um carro que nao era apenas mais potente mas tecnicamente superior — em tudo a ficha tecnica era igualmente exagerada o motor de 8 cilindros em linha com dois comandos de valvulas no cabeçote quatro valvulas por cilindro e 6 882 cm³ gerava 265 cv a 4 200 rpm — potencia absolutamente inedita para um automovel de rua em 1929 o torque era abundante desde baixas rotaçoes e a entrega de força era linear silenciosa e continua graças ao peso do virabrequim e a suavidade do projeto para efeito de comparaçao o cadillac v16 lançado em 1930 com toda a pompa da general motors produzia 185 cv o rolls royce phantom ii com um seis cilindros em linha de 7 7 litros ficava na faixa dos 120 cv ja o duesenberg mesmo antes de receber o compressor mecanico das versoes sj superava todos os concorrentes em potencia e velocidade maxima o model j atingia entre 185 e 190 km/h numero confirmado por testes independentes como os da revista autocar no reino unido e motor age nos estados unidos [caption id= attachment_383545 align= aligncenter width= 1242 ] o duesenberg com carroceria judkins[/caption] o desempenho era tao desproporcional que revistas da epoca registraram numeros melhores que os de muitos carros de competiçao segundo os britanicos da autocar o model j superava os 160 km/h com carroceria fechada — uma façanha que poucos automoveis de produçao repetiriam nas duas decadas seguintes e ele nao era apenas motor o duesenberg vinha com freios hidraulicos nas quatro rodas — fornecidos sob licença da lockheed — em uma era em que muitos fabricantes ainda confiavam em varoes e cabos o chassi era de aço estampado com longarinas reforçadas e entre eixos de ate 153 5 polegadas 3 9 metros garantindo estabilidade em velocidade e conforto de marcha mesmo em estradas precarias [caption id= attachment_383547 align= aligncenter width= 2500 ] uma das carrocerias bohman & schwarz[/caption] cada unidade era vendida sem carroceria — o comprador escolhia um encarroçador de sua preferencia que moldava a forma final do automovel conforme o gosto a vaidade e o bolso do cliente as variaçoes iam de limusines formais a roadsters esportivos de dois lugares nao havia duas unidades exatamente iguais era um carro feito por encomenda no sentido mais literal possivel e por isso seus preços podiam passar dos us$ 20 000 — dinheiro suficiente para comprar 50 ford a roadster naquele mesmo ano de 1928 nao demorou para que celebridades aristocratas e industriais vissem no model j o simbolo maximo de status entre os proprietarios estavam gary cooper clark gable greta garbo alem de membros de casas reais europeias e magnatas da industria ferroviaria e petrolifera nenhum carro chamava tanta atençao — e nenhum outro tinha o peso simbolico de um duesenberg estacionado em frente ao grand hotel seja em chicago berlim ou buenos aires [caption id= attachment_383531 align= aligncenter width= 2134 ] o ator gary cooper e seu duesenberg nos anos 1930[/caption] em 1932 a chegada da versao sj com compressor centrifugo projetado pela propria duesenberg elevou a potencia para 320 cv a velocidade maxima passou dos 200 km/h e a aceleraçao de 0 a 100 km/h era registrada na casa dos 8 segundos — numero que so se tornaria comum em esportivos da decada de 1960 o sj nao era apenas rapido era brutal ruidoso impaciente em baixa velocidade um monstro vestindo fraque poucos sj foram produzidos — menos de 40 unidades — e menos ainda sobreviveram mas sua existencia consolidou o model j como o mais avançado automovel de sua era em termos tecnicos so seria superado nos anos 1950 em termos simbolicos talvez jamais tenha sido das ruas para a eternidade o duesenberg model j nasceu para ser eterno mas a realidade do mundo — mesmo dos mais caros — nunca foi feita de eternidades quando o carro foi lançado no fim de 1928 a economia mundial estava prestes a ruir o crash da bolsa de nova york em outubro de 1929 virou um divisor de eras o que antes era uma decada de otimismo industrial e euforia tecnologica se transformou em retraçao desemprego e falencias em cascata os primeiros sinais de que a festa havia terminado surgiram ja em 1930 os pedidos diminuiram os atelies de carroceria perderam clientes e muitos compradores mesmo os abastados adiaram entregas ou cancelaram encomendas a duesenberg no entanto resistiu por mais tempo do que se esperava — graças a reputaçao que o model j havia conquistado nao apenas nos estados unidos mas tambem na europa e america do sul ainda assim o projeto era insustentavel cada chassi levava meses para ser finalizado os componentes vinham de fornecedores especializados; os motores eram montados a mao por tecnicos com treinamento quase artesanal mesmo sob a proteçao do imperio de e l cord a duesenberg nao dava lucro o carro era essencialmente um manifesto tecnico e simbolico um monumento criado para provar que engenharia luxo e velocidade podiam coexistir a versao sj foi uma tentativa de reacender o interesse pelo modelo — e conseguiu mas so entre os mais radicais era um carro barulhento com torque quase descontrolado e comportamento que exigia experiencia no manejo os numeros impressionavam mais de 320 cv velocidades acima de 210 km/h aceleraçao de 0 a 100 km/h em menos de 9 segundos — façanhas que colocavam o sj em um territorio onde ninguem mais ousava pisar enquanto isso no restante do mundo o cenario automotivo seguia por caminhos mais cautelosos rolls royce e hispano suiza ja buscavam alternativas conservadoras a bugatti na frança havia iniciado sua decadencia financeira a mercedes benz com apoio do governo alemao mirava nos prototipos de corrida o duesenberg model j tornou se aos poucos um anacronismo glorioso um automovel do passado ainda vivo no presente mas fora de sintonia com o futuro em 1937 apos anos de dificuldades e cortes na produçao a duesenberg inc foi oficialmente encerrada fred duesenberg ja havia morrido vitimado por um acidente automobilistico em 1932 o ultimo chassi do model j foi montado em 1940 com carroceria desenhada por bohman & schwartz ao todo 481 chassis do model j foram produzidos sendo que apenas 36 deles com compressor original de fabrica sj o numero real de sobreviventes gira em torno de 370 com diversos exemplares cuidadosamente restaurados — e alguns preservados em estado original [caption id= attachment_383552 align= aligncenter width= 1283 ] o ultimo duesenberg produzido[/caption] mas a historia do duesenberg nao termina com sua morte pelo contrario foi depois de seu desaparecimento que ele virou lenda jay leno apresentador e colecionador descreve o model j como o unico carro americano feito para rivalizar com os europeus no proprio jogo deles — e vence los restauradores e museologos o colocam no mesmo pedestal de um bugatti type 57 atlantic de um mercedes 540k spezial roadster de um alfa romeo 8c 2900 mais do que desempenho e beleza o legado do model j e um padrao de excelencia que desprezava a produçao em massa cada parafuso cada gota de verniz refletia um ideal tecnico levado ao limite com precisao quase obsessiva seus numeros ainda hoje impressionam mas o que o torna verdadeiramente relevante e o que nao se mede em cifras a ambiçao de fazer o melhor sem concessoes nao havia ali nada superfluo nem truques para encantar o comprador comum cada detalhe era fruto de uma convicçao tecnica o motor nao era grande por vaidade — era grande porque precisava ser para mover 2 5 toneladas com dignidade os freios hidraulicos nao foram escolhidos por modismo mas por eficiencia o acabamento de cada carroceria refletia o trabalho de oficinas onde a madeira era tratada com o mesmo cuidado que se da a um instrumento musical ate hoje essa continua sendo a essencia dos verdadeiros produtos de luxo depois do duesenberg nenhum outro automovel capturou com tamanha intensidade essa essencia — especialmente em um mundo onde a obsolescencia e planejada e o luxo virou mais logomarca do que substancia e por isso que o duesenberg model j permanece como um monumento sobre rodas um monumento a engenharia a capacidade e a ambiçao humana e verdade que na pratica o model j fracassou como produto comercial nao salvou a duesenberg da falencia nao se tornou um marco industrial como o ford t ou o volkswagen fusca mas como objeto de desejo como simbolo de uma era e como referencia tecnica ele esta acima de quase tudo que se produziu no seculo xx sua raridade o fez cobiçado; sua presença inconfundivel; sua historia uma fabula sobre o que acontece quando talento e perfeccionismo se encontram sem limites orçamentarios hoje um duesenberg bem preservado ou restaurado vale milhoes mas nem isso explica sua importancia o que faz dele eterno e que enquanto a maioria dos carros de sua epoca virou sucata o model j virou referencia e nao uma referencia de nostalgia — mas de possibilidade um lembrete de que antes de o mundo tornar se pragmatico houve um breve momento em que se podia tentar fazer o melhor — simplesmente porque era possivel e isso em um carro e mais do que historia e arte em seu estado puro clique e veja os outros capitulos desta serie
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