Veja bem, eu nunca fiz e nunca farei o tipo conservador, que condena project cars radicais e os taxa de “heresias”. Se alguém decidir, por exemplo, colocar um V8 Chevrolet em um clássico japonês dos anos 80, algo que é bastante comum na cena de drift, não sou eu quem vai dizer que o sujeito não deveria ter feito aquilo. Ou um motor 2JZ em um BMW M3. Ou um motor AP em um Puma GTE. Posso discordar, posso dizer que faria diferente, mas não vai passar disso.
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Mas tudo tem limite. E eu acho que este limite foi atingido por um customizador francês chamado Alexandre Danton. Sua oficina, a Danton Arts Kustoms, é especializada em hot rods, e até aí tudo bem – todos nós sabemos que boa parte da graça dos hot rods é a criatividade de seus criadores, em especial os que se especializam em criar formas malucas com fibra de vidro, como Ed Roth ou George Barris. Mas Danton é um cara ousado: na maioria das vezes, ele usa como base esportivos europeus clássicos que a gente jamais imaginaria ver como hot rods. E isto, bem… é polêmico.
A primeira criação de Danton com a qual topei foi um Lamborghini Espada 1968. Projetado por Marcello Gandini, o Espada não é o mais esbelto dos Lamborghini – trata-se de um grand tourer com motor V12 de 3,9 litros na dianteira e quatro lugares no interior, o que fez com que a linha do teto ficasse quase horizontal até o fim do carro. Mas ele tem seu valor – além do exotismo natural, por volta de 1.200 exemplares foram fabricados entre 1968 e 1978, fazendo do Espada um carro bem raro nos dias de hoje.
Não é incomum que se customize os carros da Lamborghini, em especial os mais recentes – há muito mais reserva em fazê-lo com um Miura ou um Countach. No caso do Espada, talvez um restomod mais fiel às linhas originais do carro fizesse mais sentido. Mas um Espada hot rod com motor exposto, rodas para fora dos para-lamas e um para-brisa dividido em três feito de acrílico?
O carro pertence a um homem chamado Hervé Castagno, que é dono de uma oficina na França mas vive em Miami, nos EUA. Ele comprou o Espada no ano passado e, para celebrar os 50 anos de fabricação do Lamborghini, decidiu levá-lo para que Danton o transformasse em um hot rod, dando ao customizador carta branca para fazer o que quisesse.
Danton, então, removeu toda a porção da carroceria que encobria o motor – para-lamas, capô e face dianteira e deslocou todo o monobloco do carro para baixo. As bitolas do carro foram alargadas, deslocando as rodas para fora dos para-lamas; e a suspensão foi rebaixada, conferindo ao Espada a postura agressiva típica dos hot rods.
A dianteira recebeu um para-choque que lembra o Chevrolet Camaro da geração passada, e quatro faróis redondos com projetores e angel eyes.
A carroceria, originalmente vermelha, foi pintada de cinza fosco e recebeu saias laterais ispiradas pelos Lamborghini modernos, pintadas nas cores da bandeira italiana.
O tema se repete no interior, que foi totalmente remodelado em metal e pintado (sim, pintado) na mesma cor do lado de fora – porém com uma faixa tricolor no centro que atravessa todo o comprimento do habitáculo. Os bancos são estruturas de metal com almofadas, e o painel de instrumentos se resume a um único mostrador posicionado no console central. Há áreas na cabine que não receberam pintura e contam com rebites aparentes.
Como disse no começo deste post, eu não sou do tipo que critica project cars que fogem do padrão. E, devo admitir, é inegável que Danton dedicou bastante trabalho ao Lamborghini Espada de Hervé. Mas não consigo deixar de enxergar uma quê de inacabado no carro – é como se ele tivesse tentado parecer rústico e artesanal de propósito, mas no final a impressão é de que ele simplesmente não teve tempo de terminar o serviço. Mas não é uma questão de execução – esta é impecável, com todo o trabalho de remodelação na carroceria feito em metal, pintura caprichada, simetria perfeita e acabamento sem ressalvas. Talvez o problema esteja no design.
Nesta foto abaixo o Lamborghini espada hot rod está junto de outra criação de Danton – uma que certamente irritará ainda mais aos puristas: um Porsche 911 que foi transformado em um hot rod nos mesmos moldes, porém com um motor Bentley na dianteira. Vou te dar um tempo para processar a informação.
Pronto? Sigamos, então. O Porsche 911 pertence a um homem que atende simplesmente por “Elo”, que também mora em Miami. De acordo com o Drive.com, que conversou com ele, Elo nasceu no Reino Unido e foi para os EUA trabalhar como modelo – e usando todo o dinheiro que ganhava para comprar carros.
O Porsche 911 Targa 1976 vermelho faz parte de sua coleção, que conta com mais de 250 carros. Ao que tudo indica, do Porsche não sobrou muito mais que a parte porsterior da carroceria, que também passou por modificações radicais – para-brisa rebaixado e bipartido, para-lamas removidos, um santo-antônio feito sob medida em metal e o para-choque traseiro refeito (incrivelmente, as lanternas traseiras foram mantidas intactas).
Já a dianteira traz o eixo deslocado para a frente e uma face feita sob medida, com o para-choque e o bico do carro em uma única peça, abrigando o radiador. O motor é um V8 de 6,8 litros com turbo, cujo projeto básico foi criado pela Rolls-Royce em 1968 e utilizado em modelos da Rolls e da Bentley por décadas – até que, em 1998, a Rolls-Royce vendeu a Bentley à Volkswagen. Que continua fabricando o motor até hoje, devidamente atualizado ao longo dos anos.
Da mesma forma que no Espada, o interior do 911 é frugal ao extremo, com bancos de metal com almofadas e acabamento em metal, na cor da carroceria.
Elo contou ao Drive que fez amizade com Danton, e decidiu ajudá-lo a vender seus carros nos Estados Unidos – pois na Europa, de acordo com ele, a comunidade automotiva vê dificuldades em aceitar a ousadia de seus projetos. Foi assim que o Porsche e o Lamborghini Espada foram levados para os EUA, e Elo pretende tornar o trabalho de Danton popular entre os americanos. Ou ao menos entre os que vivem em Miami.
Reforçando o que disse no início deste post: não costumo criticar gratuitamente um project car por sua natureza, ou mesmo por sua execução. Acredito que, a partir do momento em que você compra um carro e ele é seu, o que você faz com ele é da sua conta e de mais ninguém. Mas consigo pensar em algumas outras formas mais respeitosas de transformar um Lamborghini Espada ou um Porsche 911 Targa em um hot rod. Ainda que seja visível que um dos objetivos de Danton com seus projetos é chocar os mais tradicionalistas.
Por outro lado, alguns de seus hot rods mais convencionais são bem interessantes, como este Jeep:
Claro, isto é o que eu acho. E você, o que tem a dizer?