Não lembro quantos anos tinha quando soube da existência do Citroën 2CV, mas faz tempo. Lembro de duas coisas: imediatamente coloquei aquele curioso francês entre meus carros favoritos, pelo exotismo do design (sempre gostei de carros pequenos e cheios de personalidade); e fiquei impressionado com a potência tão baixa do motor. Só 2 cv!? Como? Se o Fusca 1600 do meu pai tinha 67 cv?
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Demorou um pouco mais para que eu descobrisse que o nome do Citroën 2CV não era uma referência à potência do motor. Na verdade, o Citroën 2CV tinha, na época do lançamento, um motor boxer de dois cilindros com 375 cm³ de deslocamento e 9 cv, e velocidade máxima de 64 km/h. Ele realmente não era muito potente e nem rápido mas, como eu desconfiava, não tinha só 2 cv.
Nos anos seguintes – e o 2CV foi produzido por mais de quatro décadas, de 1948 a 1990 – foram adotados motores maiores e mais potentes. No fim de sua vida, o 2CV vinha com um boxer de 602 cm³ e 30 cv, suficientes para atingir os 115 km/h.
Reiterando: nenhuma variante do 2CV tinha, de fato, 2 cv. Mas por que ele tinha esse nome?
A verdade é que, no caso do Citroën 2CV, o “CV” realmente quer dizer “cavalos” (chevaux). Mas não são os “cavalos-vapor” (chevaux vapeur) que usamos para medir a potência do motor, e sim “cavalos fiscais” (chevaux fiscaux) – uma unidade de medida criada para fins tributários. Também usa-se o termo tax horsepower, em inglês, que quer dizer a mesma coisa.
O conceito de chevaux fiscaux foi introduzido na França após a Segunda Guerra Mundial. Antes do conflito, os franceses eram conhecidos por seus carros grandes e luxuosos, com motores enormes, fabricados por companhias como a Delhaye, a Talbot-Lago e, claro, a Bugatti.
Depois da Guerra, porém, a França não era mais um cenário propício para carros luxuosos, caros e beberrões – assim como toda a Europa, na verdade. Por isto, o governo francês decidiu regulamentar a fabricação de automóveis criando uma classificação baseada em uma fórmula matemática. Esta fórmula levava em consideração o curso dos pistões e diâmetro dos cilindros, bem como sua quantidade, entre outros fatores. Carros que tivessem menos chevaux fiscaux tinham vantagens tributárias, o que estimularia tanto as fabricantes a desenvolvê-los quanto o público a comprá-los.
A fórmula introduzida em 1956 era a seguinte:
P = K × n × D² × L × ω
Sendo que:
P = cv fiscais
n = número de cilindros
D = diâmetro dos cilindros em centímetros
L = curso dos pistões em centímetros
ω = rotações por segundo
K = 0,00015
As rotações por segundo eram calculadas com base nas rotações por minuto, e eram definidas de forma quase arbitrária: carros que pesassem menos de 2.250 kg levavam em conta 1.200 rpm, ou seja, ω = 20. Se tivessem mais de 2.250 kg, o número levado em conta era 1.800 rpm, chegando a ω = 30. Isto posto, para carros com peso entre 1.250 kg e 2.250 kg, ω era igual a 30 se fosse um carro de passeio. Se fosse um veículo de carga ou transporte público, ω era igual a 25. E, para motores a diesel, o resultado da equação deveria ser multiplicado por 0,7.
Vamos usar o 2CV como exemplo. O motor boxer de dois cilindros tinha curso e diâmetro de 62 mm (ou seja, 6,2 cm). Com isto, calculava-se assim:
P = 0,00015 × 2 × (6,2²) × 6,2 × 30
Resultando em P = 2,144952. Arredondando-se para baixo, chegava-se a P = 2. Ou seja, 2CV.
Era meio complicado, não? Por isto, não muito depois que a primeira fórmula foi definida, chegou-se a uma mais simples: P = C × K, onde:
P = cavalos fiscais
C = deslocamento em litros
K = coeficiente de 5,7294 para motores a gasolina, ou 4,0106 para motores a diesel
Tomando novamente o Citroën 2CV como exemplo, fica assim:
P = 0,375 × 5,7294
Resultando em P = 2,148525. Arrendondava-se para baixo novamente. Bem mais simples.
À medida que o deslocamento do Citroën 2CV foi aumentando, o número de chevaux fiscaux também mudava – e o preço aumentava. Mas a Citroën não iria mudar o nome do carro por causa disso, não é?
Com o passar dos anos, as autoridades francesas foram modificando a fórmula para levar outras variáveis em consideração. Em 1978, a fórmula passou a levar em consideração a teórica do carro a 1.000 rpm em todas as marchas, e o método de cálculo mudava de acordo com o tipo de transmissão – manual ou automática.
Já em 1998, foi adotada uma nova fórmula que compreendia o nível de emissões de carbono em gramas por km rodado e a potência do motor em kW – e é assim até hoje. O cálculo ficou bem mais complexo, e os números de chevaux fiscaux atualmente são muito mais próximos da potência do motor do que na época do Citroën 2CV.