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Car Culture

Como a Pininfarina moldou a imagem da Peugeot

A imagem da Pininfarina está intimamente ligada à da Ferrari. E não é para menos: a Pininfarina foi, ao longo das décadas, a grande responsável pela imagem das Ferrari, literalmente. Em 1951, depois de um almoço com Enzo Ferrari, Battista “Pinin” Farina aceitou que eu estúdio de design fosse responsável por projetar e supervisionar a engenharia e a construção dos carros de Modena. A partir dali, a casa de design italiana desenhou todas as Ferrari produzidas em série até o final da década passada. A única exceção foi a Dino 308 GT4 de 1973, cujo desenho é de autoria do estúdio Bertone.

Como a Pininfarina moldou a imagem da Ferrari

Não demorou para que a Pininfarina percebesse que era viável expandir sua atuação e prestar serviços para outras fabricantes, em maior escala – começando em 1955 com o Alfa Romeo Giulietta Spider, versão aberta do cupê Giulietta, lançado no ano anterior e concebido pela Bertone. A Pininfarina foi a responsável pelo desenho do conversível e também se encarregou da fabricação das carrocerias. Foram feitos 14.300 exemplares do Giulietta Spider, que acabou sendo o primeiro modelo produzido em grande volume pela fabricante.

A partir daí fabricantes como a Lancia, a Maserati, a Fiat, a Lincoln e a Bentley já procuraram a Pininfarina para cuidar do estilo de seus carros. O contrato com a Ferrari nunca foi de exclusividade – e não era necessário. Mas hoje viemos falar de outra parceria que a Pininfarina manteve por décadas: a Peugeot, que foi outra early adopter dos serviços da casa de design em Turim.

Durante o último fim de semana os franceses apresentaram as primeiras imagen e informações sobre o Peugeot e-Legend Concept, um cupê fom formas retilíneas e visual inspirado no Peugeot 504, um de seus modelos mais emblemáticos, que foi fabricado entre 1968 e 1983 e foi um dos carros da marca que receberam o toque da Pininfarina em seu estilo. Aliás, foi também por causa desta parceria que Enzo Ferrari conduzia modelos da Peugeot em seu dia-a-dia.

O sr. Ferrari dirigia um… Peugeot?

Já em 1955 a Peugeot colocou nas ruas um modelo da Pininfarina: o 403, carro familiar médio que foi oferecido como sedã e perua de quatro portas, conversível, van e pick-up. O sedã, com três volumes bem definidos e para-lamas ao estilo ponton, ou seja, bem integrados à carroceria, era o modelo mais popular. De acordo com alguns boatos que circularam na época mas jamais foram confirmados, o desenho do Peugeot 403 era na verdade um projeto que a Pininfarina desenvolveu sob encomenda da Fiat, mas acabou rejeitado pela fabricante de Turim.

O sucessor do 403, logicamente batizado Peugeot 404, foi produzido entre 1960 e 1975 e tinha versões sedã, perua, conversível, cupê e picape, visual clássicos e motores de quatro cilindros que não eram exatamente potentes, mas serviam muito bem seu propósito: dois quatro-cilindros a gasolina, de 1,5 e 1,6 litro, sendo que o mais potente (1.6 com injeção mecânica) tinha 96 cv; e um motor a diesel de 1,9 litro e 64 cv.

Peugeot 403 e 404 conviveram até 1966, quando o 403 saiu de linha com mais de 1,2 milhão de unidades fabricadas – na verdade ele foi o primeiro Peugeot a ultrapassar a marca de 1.000.000 de exemplares fabricados, contando todas as variações de carroceria. É importante frisar, aqui, que a Pininfarina foi responsável apenas pelo estilo do 403, que era totalmente produzido pela Peugeot.

No caso do 404, a Pininfarina cuidou não apenas do estilo, mas também da fabricação – porém apenas nas versões cupê e conversível. As demais eram, novamente, feitas pela própria Peugeot na França. E o mesmo aconteceu com o Peugeot 504 que, como dissemos ali em cima, foi lançado em 1968.

O Peugeot 504 é o grande responsável pela fama de robustos que os carros antigos da marca têm. Mais de três milhões de carros foram feitos só na França ao longo de 15 anos, em uma única geração.

O grande volume da produção era de sedãs e peruas de quatro portas, mas você certamente já viu outra variação no Brasil: a 504 Pickup, importado para cá entre 1992 e 1999. Se você viu um exemplar recentemente, apostamos que a pickup ainda estava na labuta. O motor era um quatro-cilindros a diesel de 2,3 litros e 70 cv extremamente resistente, a carga útil de 1.300 kg garantia versatilidade no uso, e a cabine era equipada até mesmo com ar-condicionado.

Agora, quem está acostumado com o visual rústico e utilitário da picape, com acabamento simples, caçamba baixa, para-choques envolventes de plástico e mudflaps, vai perceber que as formas da dianteira, quando vistas em um sedã, perua, cupê ou conversível, assumem muita elegância.

A identidade visual do Peugeot 504 foi assinada por Aldo Brovarone, designer que entrou para a Pininfarina em 1952, onde assumiu o posto de engenheiro-chefe em 1960. Ele tem em seu portfólio carros como Dino 246 GT e da 365 GTC/4, e o 504 foi seu primeiro projeto para a Peugeot.

Os cupês e conversíveis que a Pininfarina fabricava eram feitos sobre componentes mecânicos franceses, levados para a fábrica italiana na região de Grugliasco, no norte da península, nas adjacências de Turim.

Lá a Pininfarina produzia e instalava os painéis da carroceria, que tanto no cupê quanto no conversível usavam faróis e lanternas traseiras exclusivos, além de apresentar uma linha de cintura mais sinuosa, justificando a produção separada dos outros carros.

Uma faceta mais desconhecida da Peugeot longe da França foram seus carros de luxo. Em 1975 a fabricante lançou o Peugeot 604, seu primeiro modelo no segmento desde a década de 1930. O estilo adotado pela Pininfarina para o 604 diferia totalmente do 504, posicionado abaixo dele: linhas retas e discretas; faróis largos e baixos, duplicados; proporções elegantes e simétricas. Era descrito como “sóbrio” e “formal”.

O Peugeot 604 foi considerado um carro belíssimo pela imprensa especializada na época, e este não era o único elogio. O conforto ao rodar foi comparado ao de um Jaguar; a responsividade do sistema de direção foi descrito como “incomparável no segmento” e “uma das melhores já colocadas em um carro”; a cabine, graças aos generosos 2.800 mm de entre-eixos, era muito espaçosa.

O problema do carro era o motor: o V6 PRV de 2,7 litros era visto como grande e sedento demais, o que era praticamente um crime em um mercado automotivo global tolhido pela crise do petróleo de 1973. Além disso, o desempenho do motor era, na melhor das hipóteses, regular para seu deslocamento.

Com isso o Peugeot 604 foi um verdadeiro fracasso: se 36.000 exemplares foram fabricados em 1976, seu primeiro ano “cheio”, menos de 600 deixaram a fábrica em 1985, último ano de produção.

A parceria entre Peugeot e Pininfarina também rendeu carros compactos. O primeiro deles foi o Peugeot 104, de 1972, que foi desenhado por Paolo Martin e trazia uma evolução do estilo inaugurado pelo 504, com formas mais limpas e retilíneas.

Poucos anos depois, em 1975, as duas empresas apresentaram um conceito experimental no Salão de Turim: o Peugeot 104 Peugette, que usava a plataforma do hatch de tração dianteira e mantinha sua identidade visual, porém adotava uma carroceria aberta minimalista, com para-brisa rebaixado e um santo-antônio que sugeria um teto targa, embora não houvesse teto algum.

Um detalhe curioso: a carroceria inteira era composta por apenas oito partes separadas, sendo que os para-lamas dianteiros e traseiros, assim como o capô e a tampa do porta-malas, eram intercambiáveis – o que, na prática, reduzia custos com matéria prima e ferramental.

O Peugeot 104 foi fabricado até 1983, quando foi substituído pelo lendário 205. Este pode ser considerado o carro que deu início à boa reputação dos hatchbacks franceses entre os entusiastas – que levou ao culto que existe em volta do carro hoje. Não apenas por seu visual acertadíssimo, assinado por Gérard Welter, mas também por seu comportamento dinâmico naturalmente bem acertado, que foi realçado na versão GTI.

Muitos acreditam que o Peugeot 205 também era um Pininfarina, mas na verdade Welter, que morreu em janeiro de 2018 aos 75 anos de idade, era um projetista interno da Peugeot. A Pininfarina só foi responsável pelo estilo e pela fabricação da versão conversível.

A estreia do Peugeot 205 em 1983 inaugurou uma nova linguagem visual para a Peugeot, e a Pininfarina soube aproveitá-la muito bem. Entre a segunda metade dos anos 1980 e o início dos anos 1990 foram lançados dois modelos de grande sucesso pela Peugeot: o 405, de 1987; e o 306, de 1993.

O primeiro é outro projeto longevo da Peugeot. A produção doméstica ocorreu entre 1987 e 1997, período durante o qual o 405 adquiriu a mesma reputação de carro robusto e bem projetado do qual gozava o 504 – ao menos na Europa. E ele tornou-se, inclusive, bem sucedido no automobilismo: em 1994 e 1995 ele venceu o Campeonato Francês de Turismo.

Um detalhe curioso: analisando com atenção é possível notar uma semelhança mais do que passageira entre o Peugeot 405 e o Alfa Romeo 164, especialmente de perfil. É fácil entender o motivo: os dois carros foram lançados no mesmo ano, e o Alfa 164 também foi desenhado pela Pininfarina.

Agora, depois de sair de linha no resto do mundo em 1997, o Peugeot 405 continuou sendo produzido sob licença no Irã e no Egito por duas empresas praticamente desconhecidas no ocidente, a Iran Khodro e a Wagih Abasa, respectivamente. O motivo foi o mesmo que trouxe outros carros para esta lista: baixo custo e um público cativo. Ele ainda é fabricado, e não há planos para encerrar sua produção.

O Peugeot 306, por sua vez, foi considerado logo que foi lançado como uma bela alternativa francesa ao Golf – especialmente por fornecer espaço interno, potência, dinâmica e equipamentos comparáveis ao rival alemão por um preço competitivo.

Oferecido em uma enorme variedade de versões, o Peugeot 306 tinha opções de carroceria hatch de duas ou quatro portas, sedã, perua e conversível. Seguindo a tradição, o modelo aberto era projetado e construído pela Pininfarina e era o mais caro de todos. E foi também o mais longevo: se as demais versões deixaram o mercado em 2001, após duas reestilizações, o 306 Cabriolet permaneceu em produção até 2002.

Àquela altura a Pininfarina já não estava mais tão ligada à Peugeot. O Peugeot 406, sucessor do 405 apresentado em 1996, não foi desenhado pelo estúdio italiano, embora lembrasse bastante seu antecessor nas versões sedã e perua.

Ainda assim, no fim de 1996 foi apresentado o Peugeot 406 Coupé, cujo visual era substancialmente diferente das outras versões – e assinado pela Pininfarina. Linhas mais arredondadas, proporções mais horizontais e musculosas e superfícies limpas e harmônicas sugeriam um carro mais recente do que o 406 Coupé de fato é.

O motor era um V6 de três litros com comando duplo no cabeçote e quatro válvulas por cilindro, capaz de entregar saudáveis 210 cv. Era o suficiente para ir de zero a 100 km/h em cerca de 9,5 segundos, com máxima superior a 230 km/h, segundo a Peugeot. E, se tratando de um modelo de nicho, o 406 Coupé até que fez sucesso, com mais de 107 mil unidades fabricadas na Itália entre 1996 e 2004.

Teria sido um encerramento digno para a parceria entre a Peugeot e a Pininfarina. O estúdio italiano, com dificuldades financeiras, já dava sinais àquela altura de que deixaria de lado a produção em série para dedicar-se apenas aos serviços de design e construção de protótipos – algo que veio a se concretizar em 2010.

No entanto, antes de dar a relação por finda, franceses e italianos ainda trabalharam em um último projeto juntos. Mas não foi nada muito entusiasta: o Peugeot 1007 que, curiosamente, foi o primeiro Peugeot produzido em série a utilizar a nomenclatura com dois números “0” e era uma pequena minivan feita sobre a plataforma do 206.

Apenas o desenho ficou a cargo da Pininfarina e, convenhamos, não está entre seus pontos altos. O Peugeot 1007 foi vendido apenas na Europa entre 2005 e 2009 e também não é um carro exatamente cobiçado. Depois disso, não houve mais carros feitos em conjunto entre as duas empresas.

Mas tem um detalhe: suas lanternas traseiras foram emprestadas à Peugeot Hoggar, picape baseada no Peugeot 207 que foi desenvolvida e produzida no Brasil entre 2010 e 2014 e, apesar de ser boa para sua proposta, definitivamente não agradou no visual.

Ao que tudo indica, ela também foi o último modelo Peugeot a trazer a relação com a Pininfarina, um final melancólico para uma história tão forte, não?


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