Você deve saber que fabricantes de esportivos exóticos e exclusivos (leia-se: Ferrari e Lamborghini, principalmente) se preocupam bastante em encontrar e deter empresas – grandes ou pequenas – que fabricam réplicas – perfeitas ou mal feitas – de seus modelos. Volta em meia correm notícias de processos e apreensões contra este tipo de companhia.
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A Porsche, contudo, não parece ser tão rígida – nós nunca ouvimos falar de ações do pessoal de Stuttgart contra construtores de réplicas do Porsche 356 ou do 550 Spyder, por exemplo. No entanto, o mesmo não pode ser dito de peças de Porsche falsificadas: a companhia mantém uma operação altamente especializada, para rastrear e apreender fabricantes de componentes “piratas”, por assim dizer.
São apenas três pessoas, todas trabalhando no mesmo escritório em Zuffenhausen, no QG da Porsche – os advogados Andreas Kirchgäßner, Thomas Fischer e Micaela Stoiber (da esquerda para a direita na foto acima), que chefiam o departamento de Proteção de Marca. É exagero (e até injusto), porém, dizer que os três trabalham sozinhos: sua função é coordenar o trabalho de toda uma cadeia de funcionários, que operam em campo e ajudam a rastrear pontos de fabricação e armazenamento de itens falsificados… e apreender tudo. Três equipes de investigadores operam em escala global, coletando informações em campo e, por vezes, até atuando como “espiões”, infiltrando-se como possíveis compradores para, no fim, tirarem os produtos de circulação.
A principal preocupação da equipe são as peças – discos e pinças de freio, rodas, faróis e lanternas. Estes componentes falsificados não passam pelos mesmos testes de qualidade rígidos realizados pela Porsche e, obviamente, podem comprometer o funcionamento do veículo e colocar a segurança de seus ocupantes em risco. Especialmente porque boa parte da demanda concentra-se em componentes de desgaste natural, que precisam ser substituídos com mais frequência.
No entanto, a oferta de produtos falsificados é extensa, e inclui também itens supostamente “licenciados” – bonés, camisetas, óculos escuros, e até algumas coisas bizarras, como pílulas para disfunção erétil (sim, tipo Viagra) no formato do emblema da Porsche.
De acordo com a Porsche, a maioria dos componentes falsificados vem da China – cerca de 80% dos itens. A cidade de Shenzhen, que fica a cerca de 100 km de Hong Kong, é um dos pólos de falsificação. O trio de advogados vai até lá várias vezes por ano para operações de busca e apreensão. Só em 2018, 200.000 itens foram encontrados, com valor estimado em € 60 milhões. Destes 200.000, cerca de 33.000 eram peças de carros.
No caso da China, a Porsche opera em conjunto com a alfândega local, devido ao alto volume de peças falsificadas apreendidas todos os anos. Quando suspeitam de algo, os funcionários da alfândega entram em contato com a Porsche, que passa a investigar. Primeiro, eles encontram o importador ou distribuidor, mas a prioridade sempre é chegar à fonte. Quando a fábrica é descoberta, quem assume o caso são as autoridades daquela região.
Segundo Thomas, a forma de fabricação varia bastante: há fabriquetas que operam nos fundos de casas na zona rural, e existem fábricas realmente grandes, com centenas de funcionários. E isto faz com que a dificuldade em identificar uma peça valsa varie bastante. “Às vezes a falsificação é bem óbvia”, diz Michaela. “O produto em questão pode ser bem mais barato que o normal, ou com o emblema da Porsche copiado de um jeito porco. Às vezes a gente encontra um animal diferente no centro da logo. Por exemplo, em vez do cavalo da Porsche, pode ser um carneiro empinando sobre as patas traseiras”.
Quando a falsificação é muito boa, porém, sua identificação pode ser difícil até para um especialista. É por isso que outros setores da Porsche acabam se envolvendo no trabalho de proteção da marca. “Somos gratos pela assistência dos nossos colegas dos setores de compras, pós-venda, logística, licenciamento de produtos, e também da Porsche Classic, principalmente quando se trata de peças, relógios e óculos”, diz Thomas.
Ele também explica que, às vezes, a falsificação é tão perfeita que examinar apenas o item em si não é suficiente para determinar sua autenticidade. Então, é preciso procurar pistas na embalagem – por exemplo, em vez de Kontrollierte Qualität (“Qualidade Controlada” em alemão), uma peça pode trazer a frase Kontrolllerte Qualitat – e entregar a verdadeira identidade daquele volante, calotinha central ou filtro de ar que, fora isto, passaria perfeitamente por um componente genuíno.
Boa parte das falsificações é vendida pela internet, em sites como Aliexpress e eBay, bastante populares por causa dos preços mais baixos – nós, aliás, já explicamos aqui no FlatOut porque isso é um perigo, apesar da aparente vantagem para o bolso. Antes da popularização do e-commerce, era mais fácil apreender grandes lotes de peças falsificadas nos portos, antes de serem distribuídas para as lojas físicas. Hoje, é preciso manter a vigilância menos concentrada, pois muitas peças são enviadas pelo correio em pacotes individuais – o que dificulta apreensões em grande volume.
“É como rastrear traficantes de drogas”, diz Andreas. “Eles estão sempre procurando novos métodos para não serem pegos, e os investigadores estão sempre na cola deles. Como equipe, precisamos ser flexíveis e nos adaptar a novas estratégias adotadas pelos falsificadores.”