Quem já tentou modificar um carro de rua no Brasil sabe que depois de conceber o projeto, comprar as peças, encontrar um bom mecânico (ou montar tudo sozinho, dependendo do seu nível de habilidade), fazer o shakedown e realizar os ajustes finos, ainda é preciso regularizar toda a documentação junto às autoridades de trânsito para não ter problemas em uma blitz ou algo do tipo. É um processo burocrático e caro e, não por acaso, há quem opte por simplesmente arcar com as despesas com multas, guincho e pátio. Não é o ideal, mas acontece.
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Na verdade, você nem precisa ter um projeto radical para passar por tudo isto – às vezes, novas rodas e um jogo de molas esportivas já podem te arranjar problemas. Sabendo disto, ficamos embasbacados ao ver o Honda Civic “Beastie Hatch” de Cody Loveland – o hatchback da geração EG, fabricado em 1993, parece um protótipo de Pikes Peak, mas é totalmente legalizado para rodar em ruas e estradas. Ou melhor, nas ruas e estradas americanas, mas ainda assim… é difícil acreditar.
Cody é dono de uma equipe de corridas que leva seu nome, a Cody Loveland Racing. Além de participar de provas de subida de montanha, Cody é projetista e fabricante do Enviate Hypercar. Apesar do nome, ele não é um hipercarro – ao menos não como a LaFerrari ou o Aston Martin Valkyrie. O Enviate é um monoposto com ares de protótipo Le Mans, estrutura tubular, carroceria de fibra de carbono e um V8 LS feito do zero com dois turbos e mais de 1.200 cv nas rodas.
O Enviate foi o segundo colocado na categoria principal da Pikes Peak Hillclimb em 2017, a Unlimited, atrás apenas do Norma M20 de Romain Dumas. Ele subiu a montanha em 10min29s312 e foi o carro que atingiu a maior velocidade durante a prova – 236 km/h. Com apenas 907 kg, ele tem 0,75 kg/cv e é capaz de gerar até 3.200 kg de downforce, o que dá quase o triplo de seu peso. Naturalmente, se quiser um, você vai ter de desembolsar pelo menos US$ 320.000 – ou quase R$ 1,2 milhão.
O Honda Civic é o projeto paralelo de Cody, usado para sua própria diversão. Ele é menos sofisticado que o Enviate, obviamente, mas aproveita alguns de seus princípios para andar mais rápido. Na verdade, as lições aprendidas com o projeto aerodinâmico do Enviate e incorporadas ao Civic – ou melhor, Beastie Hatch, como o projeto foi batizado – são boa parte do que o torna tão insano.
O motor em si é um V6 J32A2, vindo do Acura TL Type-S de terceira geração – uma versão mais luxuosa do Honda Accord, voltada para o mercado norte-americano, fabricada entre 2004 e 2008. Com um turbocompressor Garrett GTX3576R operando a 0,96 bar, o motor de 3,2 litros manteve os componentes internos originais (ao menos por enquanto) e entrega por volta de 500 cv a 6.550 rpm e 58,9 mkgf de torque a 5.500 rpm. Cody afirma que planos futuros incluem novas molas para as válvulas e outras modificações relativamente leves, sob medida para permitir um aumento na pressão de trabalho. O objetivo é chegar aos 530 cv, com uma faixa de rotações mais ampla. O câmbio manual de seis marchas do Acura TL também foi aproveitado, recebendo apenas uma alavanca de engate rápido.
A suspensão recebeu braços triangulares sobrepostos, molas Eibach e amortecedores ajustáveis nas quatro rodas, além de bitolas consideravelmente mais largas. Os para-lamas foram alargados aproveitando as faces dos para-lamas e usando chapas de metal – feitos de forma bastante rústica, sem preocupação com acabamento perfeito. Apenas com a função.
Abrigados sobre ele estão rodas HRE de 18×13,5 polegadas (!), calçadas por pneus slick da Toyo – exatamente o mesmo conjunto usado no Enviate. Assim como os freios, que têm discos de carbono-cerâmica de 380 mm, e pesam apenas 4,5 kg – para comparação, discos de freio de tamanho equivalente, porém de metal, pesam cerca de 11 kg.
O interior, em harmonia com o lado de fora, foi completamente aliviado e conta apenas com um banco do tipo concha, uma gaiola de proteção integral e, incrivelmente, o cluster de instrumentos original do Civic, que funciona perfeitamente e está preso diretamente à barra frontal da cabine usando simples presilhas de plástico – os famosos enforca-gato.
Mas o que realmente nos deixa boquiabertos é o conjunto aerodinâmico. O splitter frontal que lembra a peça do famoso Suzuki Escudo Pikes Peak é feito de fibra de carbono, tem 2.500 mm de largura e é preso diretamente ao subchassi dianteiro. O assoalho é todo plano. Atrás dos arcos de roda dianteiros estão dois extratores aerodinâmicos, que canalizam o fluxo de ar por sobre as extensões laterais e ajudam a reduzir a pressão sob a dianteira.
Na traseira, uma enorme asa de fibra de carbono, derivada da peça encontrada no Enviate, trabalha em conjunto com o difusor abaixo do para-choque para compensar a distribuição do peso desequilibrada – 63% na dianteira e 37% na traseira. No total, o conjunto aerodinâmico é capaz de gerar 227 kg de downforce a 145 km/h.
Com o Beastie Hatch, Cody já participou de alguns eventos de subida de montanha, competições de time attack e track days – e o plano, agora, é inscrever o carro no Campeonato Mundial de Time Attack. Pikes Peak, por enquanto, está mais adiante na lista de objetivos.
Mas o Civic, como dissemos, é legalizado para rodar em vias públicas dentro do estado de Michigan. Também nos perguntamos como isto é possível, mas uma visita ao site do governo do estado norte-americano nos deixou surpresos.
Para legalizar um carro modificado, ou mesmo um protótipo, basicamente você precisa se preocupar com as dimensões do carro e em colocar todos os equipamentos de segurança básicos exigidos pela lei. Não há restrições para o motor – de nenhum tipo. E eles também não exigem testes de emissões de poluentes. No caso de um protótipo, você precisa descrever a origem dos componentes – se foram feitos especificamente para o carro, ou se são fornecidos por outras fabricantes. E é isto.
Alguém aí ficou a fim de se mudar para Michigan?