Há alguns dias a Citroën anunciou que seu sistema de suspensão hidropneumática será descontinuado assim que o atual C5 sair de linha. As palavras vieram de Linda Jackson, CEO da Citroën, que disse ao site Automotive News Europe que “a suspensão hidráulica será descontinuada porque é uma tecnologia antiga”. Assim, sem meias palavras. Em 2015 a tecnologia completa 61 anos no mercado – sua estreia foi em 1954, instalada na traseira do Traction Avant (este, inovador por si só ao provar que a tração dianteira poderia ser utilizada de forma prática).
Se você é como este escriba e cultiva um apreço especial por carros europeus, certamente já fantasiou com um Citroën Xantia – modelo médio da marca francesa que foi vendido no Brasil entre 1994 e 2001 e teve mais de 6.000 unidades vendidas. Com carroceria elegante e retilínea, típica dos designs do estúdio Bertone nos anos 1990, motores potentes e rodar extremamente macio — tudo por até R$ 15.000, em média — de fato é um carro atraente. E foi o primeiro carro equipado com suspensão hidropneumática disponível no Brasil.
Mas qual é o grande barato da suspensão hidropneumática? Como ela funciona? Por que devemos sentir falta dela? São estas as perguntas que iremos responder neste post. Talvez nesta ordem, talvez não.
Verdade seja dita: a suspensão hidropneumática era só uma das qualidades do Citroën DS quando ele foi lançado, em 1955. Era um carro que rompia com os padrões estéticos da década (especialmente os extravagantes carros americanos) e ia na contramão ao adotar o layout de motor e tração dianteiros a fim de garantir mais estabilidade e espaço para os ocupantes. A suspensão hidropneumática, contudo, foi talvez sua maior contribuição para a linhagem dos topo-de-linha da Citroën.
Ironicamente, os primeiros experimentos com um sistema de suspensão hidropneumática começaram em 1944 com o modelo mais barato e frugal da Citroën: o 2CV, que no período pós-Guerra foi o automóvel que colocou a França sobre rodas, robusto, barato e exemplar no aproveitamento de espaço. Dez anos depois, o sistema chegou às ruas no Traction Avant.
Citroën Traction Avant com a traseira toda levantada
Como ele funciona?
O princípio de funcionamento da suspensão hidropneumática da Citroën sempre foi, em essência, o mesmo. Desenvolvido pelo engenheiro Paul Mèges, o sistema consiste em um circuito hidráulico com óleo mineral e nitrogênio pressurizado. No lugar das molas e amortecedores, o que se tem são as chamadas esferas acumuladoras, contendo gás e o fluido hidráulico.
O gás é o elemento elástico da suspensão, comprimindo-se e expandindo-se de acordo com as irregularidades da superfície. O fluido hidráulico fornece a sustentação e, controlado por uma bomba, possibilita que se altere a altura da suspensão e até mesmo, caso necessário, se dirija o carro sobre apenas três rodas.
No Citrën DS, que foi o primeiro a empregar a suspensão hidropneumática nas quatro rodas, era possível alternar entre três níveis de altura, selecionados por uma alavanca no assoalho. Além de controlar a altura da suspensão, o fluido hidráulico também atuava a embreagem e o circuito dos freios. O sistema permaneceu relativamente inalterado por quase duas décadas.
Em 1974, ao ser aplicado no Citroën CX – o sucessor do DS –, recebeu subchassis que, unidos à carroceria por suportes flexíveis que melhorava ainda mais a capacidade de absorção de impactos. A eficiência era tamanha que, em um teste da época, a revista britânica Car comparou o rodar do CX sobre irregularidades a um navio deslizando sobre o oceano.
Evolução
A maior transformação na suspensão hidropneumática aconteceu depois que os sistemas eletrônicos invadiram os automóveis. Em 1989, o Citroën XM era apresentado como o novo topo-de-linha da marca e, com ele, estreava o sistema Hydractive. Derivado da suspensão hidropneumática original, o Hydractive empregava sensores e uma central eletrônica para controlar o nível de altura e rigidez da suspensão.
Os sensores são localizados no sistema de direção, nos freios, no pedal do acelerador e na caixa de transmissão. As informações a respeito da aceleração, da velocidade do carro e das condições do asfalto são enviadas à central que, em questão de milissegundos, conectam ou desconectam um terceiro par de esferas, uma no centro de cada eixo.
Estas esferas também são ligadas entre si e, quando entram no circuito, permitem que o nitrogênio e o fluido se desloquem tanto entre as rodas quanto entre os eixos, aumentando sua eficiência.
Assim, com as esferas ativadas o carro está no modo Soft e rodava com o máximo de conforto. Ao desativá-las, o motorista aciona o modo Sport e a suspensão ficava mais baixa, firme e resistente à rolagem. Caso aconteça algum problema nas leituras dos sensores, o sistema entra automaticamente em sua configuração mais rígida.
Além do XM, o sistema Hydractive estava disponível no Xantia, que ficava logo abaixo dele na linha. De lá para cá, os modelos mais caros da marca continuaram a usufruir do sistema e de suas evoluções, Hydractive 2 e Hydractive 3.
Este último é o mais recente, introduzido em 2001 no Citroën C5 de primeira geração. As mudanças foram a substituição do fluido mineral por um fluido sintético. Além das funções anteriores, o Hydractive 3 incorporava três modos automáticos, que alteravam a altura de rodagem do carro dependendo da velocidade e das condições do piso.
O Citroën C6 também foi equipado com o sistema e o pessoal do Top Gear demonstrou de forma prática a suavidade da rodagem do sistema. Nos anos 1970, antes dos estabilizadores de câmeras, os Citroën eram usados como carro câmera nas corridas de cavalos britânicas, então eles levaram um BMW Série 5 e um Citroën C6 ao hipódromo e compararam os vídeos produzidos em cada carro:
Citroen C6 – Bmw serie 5 – Top gear por svgibson
Fora de casa
O sistema hidropneumático não foi empregado apenas pelos automóveis da Citroën. Outras marcas o utilizaram sob licença: a Rolls-Royce no Silver Ghost; a Maserati no Quattroporte e a Mercedes-Benz nos modelos 450SEL 6.9, no 500SEL W126 e nos Classe E W124 e W210.
Além disso, os tanques FV 4034 Challenger 2 do exército britânico, fabricados desde 1998, contam com uma variação do sistema, que melhora a qualidade do rodar para os tripulantes e permite melhor pontaria.
E agora?
O fim da suspensão hidropneumática, como declarado por Linda Jackson, é justificado pela constante evolução dos sistemas de suspensão convencionais, que ao associar tecnologias mais atuais — como a suspensão magnética da General Motors, empregada em modelos de alto desempenho como o Camaro Z28, ou os sistemas a ar — a arranjos mais convencionais, com molas, amortecedores e braços, conseguem resultados tão eficientes quanto o sistema hidropneumático francês, a um custo mais baixo.
É uma morte inevitável: aos sete anos de idade, o C5 já entra na reta final de seu ciclo de vida. Uma nova geração está prevista para ser vendida futuramente na China, mas no momento não há datas ou informações sobre seu futuro em outros mercados. A única certeza é que ele não terá suspensão hidropneumática.