Relendo os arquivos do FlatOut notei que apesar de já temos explicado alguns temas mais avançados de mecânica e preparação, como o cálculo de coletores de escape, ainda não explicamos como funciona um componente fundamental dos carros: o diferencial.
O diferencial do carro é mais um daqueles sistemas que existe há tanto tempo que raramente nos perguntamos como ele funciona exatamente. Praticamente todos os carros que usam um motor a combustão têm um diferencial pois ele é simplesmente a peça que permite que seu carro faça curvas. E não estou falando de ser ágil naquelas estradas sinuosas que você curte no fim de semana, e sim fazer qualquer curva.
A necessidade de um diferencial se deve ao fato de que rodas montadas em um mesmo eixo têm velocidades diferentes em curvas. Isso acontece porque, quando o eixo começa a rotacionar, as rodas iniciam uma trajetória em forma de arco, cujo comprimento é determinado por seu raio. Como a roda externa está mais distante do ponto de pivô da rotação, o raio daquele arco será maior, aumentando assim seu comprimento.
Aí mora o problema: para poder percorrer este arco mais longo ao mesmo tempo, ela precisa de uma velocidade maior, mas sem um dispositivo que permita uma velocidade diferente entre as rodas, sua velocidade será sempre a mesma da roda interna. Como resultado, a roda externa seria arrastada pelo eixo por não rodar rápido o bastante.
Com o diferencial cada uma das rodas pode girar de forma independente, sem deixar de receber o torque do motor. Para isso, ele usa um conjunto de quatro engrenagens opostas, do tipo pinhão, também chamado de “planetária e satélites”. Duas delas, as satélites, são ligadas às engrenagens que transmitem o torque do motor, e ficam posicionadas entre as outras duas (as planetárias), cada uma ligada a uma semi-árvore.
Quando o carro está em linha reta, com as rodas na mesma velocidade, as engrenagens ficam paradas entre si, porém giram em conjunto, acompanhando a coroa da transmissão. Quando o carro faz uma curva, a roda interna gira mais devagar fazendo sua planetária girar em velocidade diferente do restante do conjunto, que continua seu movimento sem interferência devido ao arranjo dos satélites. Parece complicado assim sem referência visual, mas este vídeo produzido pela General Motors em 1937 (!) ainda é a melhor explicação:
Apesar de ter sido o dispositivo que ajudou os carros a fazer curvas, o diferencial aberto tem seus efeitos colaterais: a quantidade de torque resultante nas rodas depende também da aderência dos pneus. Por isso em situações em que ocorre o destracionamento de uma das rodas, como o diferencial aberto distribui a força por igual às duas rodas, o torque enviado à roda não-destracionada será limitado pela roda que está destracionando. É por isso que carros de arrancada e off-roaders usam diferencial com bloqueio.
É por esse motivo também que os carros esportivos adotam diferenciais com deslizamento limitado, que equilibra as funções do diferencial aberto e do diferencial com bloqueio. Em condições ideais o sistema funciona como um diferencial aberto, porém quando alguma das rodas perde a tração, o diferencial consegue enviar torque extra para a outra roda com mais tração de forma suave e sem bloqueio total. Mas essa parte — o funcionamento exato do diferencial com deslizamento limitado e os diferentes tipos existentes — é um papo para um próximo post.