A Fórmula 1 tem um controle obsessivo sobre o aspecto técnico dos motores, chassis e aerodinâmica dos carros da categoria, algo que inicialmente visava limitar o orçamento para diminuir a vantagem imensa das equipes mais abastadas em relação às equipes menores. No fim das contas, as equipes pequenas continuaram pequenas e as grandes despejam uma fortuna em simulações e pesquisa e desenvolvimento para aprimorar os carros dentro dos limites do regulamento (ou em torno deles).
E comprovando a tese de que as equipes grandes conseguem fazer espremer mais o regulamento, Mercedes e Ferrari descobriram uma brecha para aumentar a octanagem do combustível usando o óleo do motor. E não estamos falando de uma simples redução de atrito.
Se você conhece um mínimo de motores, deve estar se perguntando como o lubrificante do motor pode aumentar a octanagem do combustível se eles são fluidos que não se misturam e nem deveriam se misturar em um motor de quatro tempos — especialmente um motor de Fórmula 1. Mas existe um sistema que faz exatamente isso: a ventilação do cárter.
O sistema funciona exatamente como as catch cans, mas em vez de ser enviado a um reservatório, o óleo vaporizado volta para a admissão
Apesar de ser desenvolvido para trabalhar em temperaturas elevadas, o contato do lubrificante com as paredes quentes do motor acaba evaporando parte dele. Como o vapor de óleo é menos denso que o óleo líquido, essa vaporização causaria pressão no cárter. Antes da invenção do sistema de ventilação do cárter, esse vapor vazava pelas juntas e vedações e era despejado na atmosfera e nas ruas.
Quando o mundo decidiu que isso não era muito inteligente de se fazer, foram criados os sistemas de ventilação do cárter, que consistem de um duto que, resumidamente, leva os gases do cárter de volta à admissão pelo fazendo com que o óleo seja queimado junto com o combustível em vez de ser despejado na atmosfera.
É aqui que entra a sacada da Ferrari e da Mercedes.
O regulamento da Fórmula 1 não estipula um limite de pressão do turbo, mas limita a quantidade de combustível usada em uma corrida e também o fluxo de combustível, além da rotação máxima do motor. Para piorar, cada equipe tem apenas cinco motores por carro ao longo da temporada, por isso todas as equipes são conservadoras em relação à pressão de trabalho dos turbos. Até mesmo a formulação da gasolina é controlada.
Apesar da rigidez e limitação do regulamento, a formulação dos lubrificantes é mais relaxada, possivelmente por uma questão de sigilo industrial. Assim, é possível usar praticamente qualquer formulação que você conseguir para manter seus motores lubrificados na F1. A única imposição do regulamento é o nível de consumo do lubrificante.
Diante disso, com o livro de regras na mão, Ferrari e Mercedes perceberam que o limite de consumo de óleo era suficiente para usar o sistema de ventilação do cárter seco para aumentar a octanagem do combustível através de formulações de lubrificantes com aditivos que, ao serem misturados à gasolina na admissão pelo sistema de ventilação do cárter, aumentam a resistência do combustível à detonação — que é exatamente a definição de octanagem.
Com a octanagem elevada, é possível usar um mapeamento mais agressivo da ignição, para avançar o ponto para que a centelha seja disparada em um momento mais distante do ponto morto superior, aumentando a taxa de compressão dinâmica e produzindo mais potência.
Obviamente o aumento de potência é inviável ao longo de uma corrida inteira, mas é possível usar o lubrificante aditivado para voltas rápidas de classificação, o que já é uma vantagem enorme.
Além disso, existe também a possibilidade de usar anéis de pistão que permitem que parte do óleo lubrificante chegue à câmara de combustão, como explica este vídeo do Sky Sports:
É claro que uma vantagem desse tipo causa protestos imediatos das equipes rivais, e foi o que aconteceu em março deste ano, quando Christian Horner da Red Bull pediu à FIA que inspecionasse o lubrificante usado pelas duas rivais para averiguar se havia alguma substância antidetonante.
Sem ter muito o que fazer, a FIA decidiu alterar o limite de óleo usado por cada carro durante as corridas. A temporada começou com um limite de 1,2 litro por 100 km, mas depois da queixa da Red Bull, o limite foi reduzido para 900 ml por 100 km.
Só que esta redução tem suas regras, como explicou Livio Oricchio no Globo Esporte: os motores usados até o GP da Bélgica, poderão continuar usando 1,2 litro por 100 km. Os motores usados a partir do GP da Itália terão que usar somente 0,9 litro por 100 km. A Mercedes, ciente disso, levou a versão mais recente de seu motor para Spa, a fim de homologá-lo nesta regra do 1,2 litro, e agora poderá usá-lo até o final da temporada com este consumo mais alto de lubrificante.
Depois disso, na temporada de 2018 os limites serão ainda menores: apenas 0,6 litro por 100 km. E todas as equipes precisarão entregar uma amostra do lubrificante para inspeção. A formulação, contudo, não terá nenhuma restrição.