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Car Culture

Como os importados dos anos 1990 me tornaram um entusiasta antes de poder dirigir

Lá estava eu, dirigindo pela BR-101 no Sul de Santa Catarina, refletindo sobre o que eu havia acabado de testemunhar na subida de montanha da Serra do Rio do Rastro quando um Jetta Mk 6 com placa estranha se aproxima e pede passagem. À medida em que ele se aproximou, reconheci a antiga placa argentina, preta com as bordas brancas, um trio de letras e um trio de números. Era um Volkswagen Vento 2.5. Lembrei-me daquela história de só os argentinos receberem os carros legais, enquanto ficamos com coisas mais utilitárias.

Também acabei lembrando dos primeiros dias do ano, quando deixei o carro e saí pedalando pelas praias, uma boa oportunidade para reverter os excessos das festas de fim de ano. E pedalando a caminho da praia Brava, fui reparando os carros dos turistas estrangeiros, em sua maioria argentinos e paraguaios. Os carros estão muito mais parecidos com os nossos hoje em dia, mas aquele monte de carros estrangeiros também me lembrou outra época em que eu pedalava pelo litoral, o início dos anos 1990.

Em 1993 os carros importados eram, certamente, um lugar-comum no Rio, Belo Horizonte ou São Paulo, mas nos confins do Brasil eles ainda estavam começando a aparecer. Ver um Peugeot 504 nas ruas, um Renault 21, Fiat Regata, Citroën BX ou até mesmo um Ford Falcon só era possível por estas bandas do sul por causa dos turistas estrangeiros. E aí, como pedalar nos ajuda a pensar (assim como caminhar, tomar banho e abrir a geladeira), comecei a pensar se aquele contato com os carros argentinos da época influenciou meu gosto por carros.

Logo concluí que não, porque ninguém fica louco por um Peugeot 504 Diesel com a sujeira de 2.000 km de estrada. Muito menos por um Fiat Regata mal-cuidado. Mais tarde eu ainda encontraria coisas legais como o Mégane Coupé ou o Peugeot 206 GTI, mas àquela altura eu já gostava dos carros. E continuei pensando: de onde veio esse fascínio pelas máquinas de quatro rodas e um volante?

Certamente foram as dezenas — talvez centenas — de viagens de carro na infância. Antes da internet era razoavelmente comum colocar a família no carro e descobrir lugares novos no fim de semana, e era algo que fazíamos com muita frequência. Nesse caso, foi como peguei gosto pelas possibilidades que um carro proporciona. Passear de carro era legal, então o pequeno Leo gostava do carro porque o carro trazia coisas legais.

Mas… depois de algum tempo pensando a respeito, já sentado na barraca de água de coco, admirando os recursos humanos do local, diria que esse gosto foi adquirido em etapas e refinado ao longo dos anos. Os passeios me mostraram o carro como algo divertido. E por achar os carros divertidos, eu desenvolvi interesse por eles na adolescência. E para minha sorte, eu estava no melhor lugar que eu poderia estar na época.

Em 1994, pouco depois dos acidentes do Dener e do Senna, mas antes da Copa do Mundo e da troca de moeda, minha família saiu do “velho oeste” de Santa Catarina, quase na Argentina, e fomos para Blumenau, na outra ponta do estado.

Na época a cidade era pujante: havia mais de 30 bancos diferentes (bancos, não agências bancárias), uma indústria têxtil fortíssima, um setor de serviços inteiro para ser explorado e um potencial turístico enorme. Além disso, o custo de vida era baixíssimo comparado a São Paulo. Isso significa que havia muito dinheiro em circulação. E àquela altura dos anos 1990, isso também significava que os carros mais legais que o (novo) dinheiro poderia comprar no Brasil estavam nas ruas da cidade.

Para começar a conversa, mesmo tendo menos de 250.000 habitantes, a cidade tinha concessionárias da Volvo, da Mercedes, da BMW, da Audi, da Mitsubishi, da Mazda, da Suzuki, da Daihatsu, da Honda, da Kia, da Toyota, da Renault e da Peugeot.

Destas, a mais forte era a BMW — a rede Top Car de Curitiba/PR, que atua até hoje. Eles tinham uma loja no recém-inaugurado shopping (hoje com 30 anos) que expunha os BMW E36, E34 e E38 como se fossem TVs de LED na Fast Shop. Lembro que o jornal local, na época, publicou que Blumenau era a cidade em que a BMW mais vendia carros per capita no Brasil. Talvez fosse alguma interpretação livre, mas os E36 ali eram populares como o Jeep Compass atualmente. E isso não é exagero: já reparou a quantidade de E36 com placas iniciadas entre LW e MM? Eram, em sua maioria, daquela região.

Em certa altura a concessionária levou uma Ferrari 348 GTS novinha para seu showroom. Talvez tivessem importado para algum figurão da cidade. Então você ia ao shopping jantar com seus pais e, de repente, topava com uma Ferrari como se fosse um Renault Kwid do sorteio de Natal.

Caramba, quanto mais escrevo mais lembranças vêm à mente: a cidade tinha realmente uma amostragem pequena, porém muito completa, do panorama dos importados da época. A presença da Mitsubishi, por exemplo, inundou as ruas de Pajero de todos os tipos. Até mesmo uma Pajero Evolution rodava por lá e ainda hoje acho estranho o Eclipse ter se tornado uma febre entusiasta nos anos 2000, porque eles eram bem populares na minha realidade dos anos 1990.

Os admirados “turbobricks” da Volvo, 850 Turbo e 855 Turbo, além do sóbrio sedã 960 também circulavam abundantemente pela cidade. Numa época em que a marca tinha 16 concessionárias no Brasil, uma delas ficava a uns poucos quilômetros da escola onde eu estudava, no caminho para o trabalho do meu pai, onde eu o encontrava para voltar para casa.

Havia também alguns exemplares, digamos, improváveis: por alguma razão havia alguns Escort Wagon LX americanos, aqueles com motor 1.9 e cintos automáticos. Não faço a menor ideia de como ou por que esses carros foram trazidos. Só sei que havia vários, assim como um Ford Aspire verde e um Ford Contour preto. Por que cazzo alguém comprava um Contour quando havia centenas de Mondeo na concessionária?

Da Ford ainda eram comuns os Taurus — tanto de segunda quanto de terceira geração, que foram importados oficialmente pela Ford — e, claro, os Mustang de quarta geração que foram razoavelmente populares por aqui naqueles tempos em que o Real era pareado ao dólar pelo Banco Central.
Não poderia faltar os Porsche. Comecei a reparar mais neles depois que meu pai me deu um 911 da Revell. Lembro de um 964 amarelo, um 993 preto, um 968 conversível e um 968 fechado. Havia um 964 branco, mas depois descobri ser uma réplica da CBP.

A influência da cultura alemã na cidade também tornou os Audi 80 e 100/A6 muito populares por lá. As peruas 80 Avant e A6 Avant eram figurinha fácil nos estacionamentos de supermercados e do shopping da cidade. Já os conversíveis eu só via mesmo no litoral.

Isso, porque no litoral você encontrava os carros importados de outras cidades, como Brusque e Jaraguá do Sul — um deles, colecionador que tem uma garagem bem interessante ainda hoje. O último que vi desta frota foi um Rolls-Royce Phantom Coupé, há pouco mais de dez anos. Destas cidades vizinhas vi alguns Saturn, Dodge Stealth, mais Porsche e outros Mustang.

As Ferrari levaram algum tempo para aparecer. Eu já tinha o pôster da F355 da Quatro Rodas (lembram dele?) no quarto quando um exemplar idêntico ultrapassou o Del Rey do meu avô no caminho de volta da praia. Nem deu tempo de ver direito, mas algumas semanas depois eu estava no ponto de ônibus quando o sujeito passou devagar e pude notar melhor os detalhes. Em meses ele era uma figurinha carimbada e eu já ficava totalmente blasé em relação à Ferrari. “Ah, sim. Uma F355. Vejo uma destas toda semana.”

Também havia uma famosa alameda no centro da cidade, na qual playboys e entusiastas passeavam nas tardes de domingo. Imagine a Avenida Europa de SP em uma cidade do interior de SC. Um dia um sujeito apareceu por lá com nada menos que um Dodge Viper. Um Dodge Viper 1995, novinho. Quando eu poderia imaginar ver um Viper a cinco quilômetros de casa, morando no Brasil?

Um pouco mais tarde, quando fui para a sétima série (em 1997), ia sempre à casa de um amigo ajudar a lavar o carro do pai para tentar uma volta no quarteirão. No prédio morava um gerente da concessionária BMW que sempre levava um modelo usado para casa no fim de semana. O sujeito tinha bom-gosto, porque sempre alternava entre o M5 E34, o 850 CSi e um Nissan 300ZX. Pena que a concessionária tinha serviço de lavagem…

Já no fim da década a Chrysler abriu uma concessionária junto da Mercedes (DaimlerChrysler, lembram?) e a cidade começou a receber os Stratus, o Neon, o horroroso 300M e as minivans Caravan e Grand Caravan. Eu até curtia o Stratus, mas com 14-15 anos, viajando a cada três meses para São Paulo num Escort 1996 em cinco pessoas, eu sonhava mesmo com o visual de jatinho executivo da cabine da Grand Caravan.

Àquela altura eu já era completamente louco por carros, a ponto de alguns amigos pedirem para eu parar de falar disso porque “espantava as garotas”. Talvez por isso eu acabei voltando minha atenção para a música por algum tempo, mas mesmo nesta fase os carros me atraíram.

Primeiro porque nossa banda ensaiava — vejam só essa — nos fundos da concessionária da BMW, que era inquilina do pai de um dos membros. Isso significa que eu pude ver pessoalmente todos os BMW legais lançados entre 2001 e 2004 chegando de caminhão na calada da noite. Do 330i Motorsport ao Z8 de R$ 600.000, passando pelo M3 E46, pelo Série 7 E65, M5 E39 e Z4 M.

Nessa mesma época comecei a trabalhar no departamento de trânsito da cidade e aí o negócio desandou. Comecei a pensar em comprar meu primeiro carro, ia fazer serviços no pátio para procurar alguma preciosidade abandonada para o leilão e, quando percebi, já estava completamente ligado nos carros de novo.

Curiosamente, este período em que a música ocupou o espaço dos carros, foi a fase em que o mercado deu uma cambaleada devido à política cambial brasileira e à crise asiática do fim dos anos 1990. Muitas concessionárias locais fecharam, outras marcas deixaram o país e o panorama começou a mudar novamente, tornando-se mais parecido com o do resto do Brasil. Foi uma fase muito legal para ser um entusiasta adolescente.

Acho que não teria gostado tanto de carros se por um acaso não tivesse ido parar em Blumenau numa época em que tantos carros legais faziam parte do panorama da cidade e na fase da vida em que formamos nossa personalidade e adquirimos nossos gostos pessoais. Os carros mais legais da época estavam a um passeio de carro de distância. Acho que não poderia ter sido diferente.